Julho de 1996 - Vol.1 - Nº 1 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Julho de 1996 - Vol.1 - Nº 1 Saúde Mental do Médico e do Estudante de Medicina Versão modificada de relatório apresentado
na Mesa Redonda: "Saúde Mental do Médico e do
Estudante de Medicina"- IV Encontro Brasileiro de Interconsulta
Psiquiátrica e Psiquiatria de Hospital Geral, Belo Horizonte,
setembro de 1995 Luiz Antonio Nogueira Martins Uma alta prevalência de suicídio, depressão, uso de drogas, distúrbios conjugais e disfunções profissionais em médicos e estudantes de medicina tem sido relatada na literatura (MODLIN & MONTES, 1964; CRAIG & PITTS, 1968; DUFFY, 1968; VAILLANT e col., 1970; ROSE & ROSOW, 1973; ROSS, 1973; VALKO & CLAYTON, 1975; TOKARZ e col., 1979; SMALL, 1981; McAULIFFE e col., 1986; RICHINGS e col., 1986; SMITH e col., 1986; ARNETZ e col., 1987; FIRTH-COZENS, 1987; NOGUEIRA-MARTINS, 1989/90; PILOWSKI & O'SULLIVAN, 1989; MIRANDA & QUEIROZ, 1991). A natureza estressante do exercício profissional (MAWARDI, 1979; GARDNER & HALL, 1981; McCUE, 1982; NOGUEIRA-MARTINS, 1991) e da formação médica (BUTTERFIELD, 1988; FIRTH-COZENS, 1990; NOGUEIRA-MARTINS, 1994) e as características psicodinâmicas que conduzem os indivíduos para a carreira médica (VAILLANT e col., 1972; JOHNSON, 1991) tem sido habitualmente apontadas como fatores responsáveis ou desencadeantes de distúrbios emocionais em médicos. Em artigo de revisão, WARING (1974) encontrou dados indicativos de que a morbidade psiquiátrica na família, as experiências de vida e a personalidade eram fatores etiológicos mais importantes, para os distúrbios psiquiátricos em médicos, do que os fatores ocupacionais. Em um estudo prospectivo que se tornou clássico na literatura, VAILLANT e col. (1972) investigaram a influência exercida por diversos fatores na saúde psicológica dos médicos. As dificuldades adaptativas experimentadas na infância e adolescência por 47 médicos (homens) foram comparadas às de 79 profissionais não-médicos (homens), socio-economicamente pareados. Paralelamente, ao longo de 30 anos da vida adulta, o uso de drogas, a estabilidade no casamento, a busca de psicoterapia e os mecanismos utilizados pelos médicos para lidar com crises e conflitos foram comparados com o grupo controle (não-médicos). Os resultados revelaram que os médicos, especialmente aqueles que tinham prática clínica, apresentavam casamentos mais instáveis, usavam drogas e álcool de forma abusiva e buscavam psicoterapia em proporção maior do que os controles. Ao discutir estes resultados, os autores assinalam que embora estas dificuldades sejam, com freqüência, atribuídas às vicissitudes do exercício da Medicina, a sua presença ou ausência estava fortemente associada à adaptação na vida anterior à escola médica. Somente os médicos com adaptações instáveis na infância e adolescência revelaram vulnerabilidade às solicitações da profissão. Em relação aos mecanismos utilizados
para lidar com as crises e conflitos da vida adulta, o estudo detectou
que os médicos utilizavam, em uma proporção
duas vezes superior à dos controles, os mecanismos de reações
hipocondríacas, auto-agressão e formação
reativa; alguns médicos pareciam ter uma espécie de
fobia a procurar ajuda; o altruismo como um tipo de formação
reativa também apareceu em uma proporção duas
vezes superior à dos controles. Na discussão de seus
achados, os autores destacam os seguintes pontos:
MODLIN & MONTES (1964), em estudo com
médicos (homens) dependentes de narcóticos, referem
que as razões dadas pelos médicos para o uso de drogas
eram: sobrecarga de trabalho, fadiga crônica e doença
física. Os autores, contudo, ao elaborarem uma história
anterior à dependência, encontraram nos relatos dos
médicos sentimentos de muita revolta em relação
aos pais. Mais de 50% dos pais eram referidos como alcoólatras
ou consumidores excessivos de álcool e as mães eram
descritas como extremamente nervosas, dominadoras, depressivas,
hipocondríacas e cruéis. Simultaneamente, havia a
presença de intensos sentimentos de dependência em
relação às mães. Outros dados dessa pesquisa indicavam que
os médicos haviam tido diversas doenças na infância,
como cólicas intestinais, enurese, asma, obesidade, infecções
respiratórias recorrentes e febre reumática. A vida
conjugal destes médicos era uniformemente caracterizada por
discórdia e infelicidade, sendo que 75% tinham sérias
dificuldades sexuais com as esposas. Em artigo de revisão sobre a predisposição
dos estudantes e médicos para os distúrbios emocionais
e psiquiátricos, JOHNSON (1991) destaca o importante papel
das experiências de vida na determinação da
vulnerabilidade ao estresse ocupacional. Estudos a respeito das
motivações dos estudantes para a carreira médica
sugerem que, para uma parcela dos estudantes, um dos componentes
de sua opção profissional é uma tentativa de
reparação de experiências emocionais infantis
vinculadas a vivências de impotência e/ou de abandono
emocional.
A escolha da medicina nesses casos seria uma resposta adaptativa a uma vivência de fragilidade e de baixa auto-estima, que pode levar ao desenvolvimento de algumas disfunções profissionais, tais como:
Em resumo, há evidências sugestivas
de que uma parcela da população médica - cerca
de 8% a 10% - seja um grupo de risco em relação a
distúrbios emocionais. Este grupo apresenta, portanto, uma
maior vulnerabilidade psicológica. Essa vulnerabilidade psicológica
deve ser considerada no âmbito do planejamento das atividades
médicas na graduação e pós-graduação.
Considerando esses aspectos e os fatores ocupacionais - o estresse
da tarefa médica - torna-se necessário, em nosso meio:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARNETZ, B.B.; HORTE, L. & HEDBERG, A. Suicide patterns among physicians related to other academics as well as to the general population. Acta Psychiatr Scand, 75:139-143, 1987 BUTTERFIELD, P.S. The stress of residency: a review of the literature. Arch Intern Med, 148:1428-1435, 1988. CRAIG, A.G. & PITTS, F.N. Suicide by physicians. Dis Nerv Sys, 29:763-772, 1968. DUFFY, J.C. Suicides by physicians in training. J Med Educ, 43:1196, 1968. FIRTH-COZENS, J. Emotional distress in junior house officers. Br Med J, 285:533-536, 1987. FIRTH-COZENS, J. Sources of stress in women junior house officers. Br Med J, 302:89-91, 1990 GARDNER, E.R. & HALL, R.C.The professional stress syndrome. Psychosomatics, 22:672-680, 1981. JOHNSON, W.D.K. Predisposition to emotional distress and psychiatric illness amongst doctors: the role of unconscious and experimental factors. Br J Med Psychol, 64: 317-329, 1991 MAWARDI, B.H.Satisfaction, dissatisfactions and causes of stress in medical practice. JAMA, 241:1483-1486, 1979 McAULIFFE, W.E. et al. Psychoactive drug use among practicing physicians and medical students. N Engl J Med, 315 (13): 805-810, 1986 McCUE, J.D.The effects of stress on physicians and their medical practice. N Engl J Med, 306:458-463, 1982 MIRANDA, P.S.C. & QUEIROZ, E.A. Pensamento suicida e tentativa de suicidio entre estudantes de medicina. Rev ABP-APAL, 13 (4):157-160,1991 MODLIN, H.C. & MONTES, A. Narcotic addiction in physicians. Am J Psychiatry, 121:358-365, 1964. NOGUEIRA -MARTINS, L.A. Morbidade psicológica e psiquiátrica na população médica. Bol de Psiq, 22-23:09-15, 1989/90. NOGUEIRA -MARTINS, L.A. Atividade médica: fatores de risco para a saúde mental do médico. Rev Bras Clín Terap, 20 (9):355-364, 1991 NOGUEIRA -MARTINS, L.A. Residência médica: um estudo prospectivo sobre dificuldades na tarefa assistencial e fontes de estresse. São Paulo, 1994 (Tese de doutoramento - Escola Paulista de Medicina) PILOWSKI, L. & O'SULLIVAN, G. Mental illness in doctors. Br Med J, 298: 269-270, 1989 RICHINGS, J.C.; KHARA, G.S. & McDOWELL, M. Suicide in young doctors. Br J Psychiatry, 149: 475-478, 1986 ROSE, K.D. & ROSOW, I. Physicians who kill themselves. Arch Gen Psychiatry, 29:800-805, 1973. ROSS, M. Suicide among physicians: a psychological study. Dis Nerv Sys, 31:145-150, 1973. SMALL, G.W. House Officer Stress Syndrome. Psychosomatics, 22:860-869, 1981. SMITH, J.W.; DENNY, W.J.& WITZKE, D.B.Emotional impairment in internal medicine house staff - results of a national survey. JAMA, 255:1155-1158, 1986. TOKARZ, J.P.; BREMER, W.& PETERS, K. Beyond Survival - The challenge of the impaired student and resident physician. Chicago: American Medical Association, 1979 VAILLANT, G.E.; BRIGHTON, J.R. & McARTHUR,C. Physicians'use of mood-altering drugs - A 20-year follow-up report. N Eng J Med, 282(7):365-370, 1970 VAILLANT, G.E.; SOBOWALE, N.C. & McARTHUR, C. Some psychologic vulnerabilities of physicians. N Eng J Med, 287(8):372-375, 1972 VALKO, R.J. & CLAYTON, P.J. Depression in the internship. Dis Nerv Sys, 36:26-29, 1975 WARING, E.M. Psychiatric illness in physicians: a review. Compr Psychiatry, 15: 519-530, 1974 |
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