Dezembro de 1996 - Vol.1 - Nº 5 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Dezembro de 1996 - Vol.1 - Nº 5 O Computador no Consultório Psiquiátrico Giovanni Torello Um computador dentro da sala de um consultório psiquiátrico pode parecer, à primeira vista, um objeto estranho. Alguma esquisitice não compatível com aquele universo onde o imaginário e o subjetivo tem destaque e onde uma máquina que não pensa, mas apenas executa eletronicamente ordens programadas, não deveria, em princípio, ter utilidade alguma. O objetivo desse artigo é, justamente, mostrar a utilidade que um computador pode ter, quando usado adequadamente, para o profissional de saúde mental, seja ele psiquiatra clínico e/ou psicoterapeuta. Para isso vou voltar alguns anos atrás, quando, depois de muita relutância, resolvi levar o primeiro computador para o meu consultório. A primeira surpresa foi justamente a naturalidade com que aquele objeto, que, na minha fantasia, seria visto e classificado como estranho pela maioria dos meus pacientes, foi incorporado ao "setting". Ninguém estranhou. Depois do primeiro susto (meu), e de alguns dias de aclimatamento, comecei a procurar alguma função útil para o computador. O primeiro passo foi criar um banco de dados, bem simples, com as fichas dos meus pacientes. Até então, por características pessoais nada louváveis, as minhas fichas de pacientes eram extremamente singelas, resumindo-se a alguns dados de identificação pessoal e pouquíssimas e resumidas notas sobre o caso. Na maioria dos casos eram desatualizadas e incompletas, provavelmente devido ao fato de ficarem trancadas dentro de um fichário de acesso difícil e limitado. Logo percebi a facilidade de acessar qualquer ficha, instantaneamente, e atualizá-la quando necessário tendo o computador à minha frente, sobre a escrivaninha. Até aquele paciente que pedia alguma orientação por telefone era, agora, identificado e atendido adequadamente. Bom, já havia encontrado alguma utilidade, além de sempre poder me entreter jogando paciência nos intervalos livres. Comecei a procurar programas que fossem úteis em Psiquiatria e que pudessem ser usados no trabalho do consultório. Naquela época nada existia e ainda hoje existem poucos softwares que podem ser de fato úteis para o trabalho de consultório. Vou citar alguns exemplos. O SETA (Sistema Especialista de Transtornos Afetivos) um bem elaborado programa de auxílio a decisão em terapêutica medicamentosa e que na sua primeira versão visava o uso dos antidepressivos e hoje já engloba os ansiolíticos e as interações medicamentosas. O DSM-IV em cd-rom, recém lançado na versão em português, que utilizando a ferramenta do hipertexto nos oferece todas as facilidades de se acessar o manual, selecionar trechos, colá-los entre si e, eventualmente, imprimí-los. Existem, também, alguns ótimos softwares em inglês. Um exemplo de destaque é o cd-rom do American Journal of Psychiatry, que num único cd, renovado a cada 3 meses, reúne, além de todos os números da revista, mais 9 jornais psiquiátricos e 10 livros textos, incluindo o próprio DSM-IV. Aí, chegou a Internet e com ela o grande salto qualitativo no uso do computador em medicina. Fui um dos primeiros a conseguir uma senha de acesso à rede mundial de computadores, e logo configurei o computador do consultório para entrar a rede. Inicialmente foi só curiosidade. Depois, aos poucos, fui selecionando os sites de Psiquiatria mais interessantes e percebendo que, na verdade, o que eu tinha a minha frente, na tela do computador, era o acesso a praticamente qualquer informação atualizada em qualquer área da especialidade, era só procurar. Descobri as mailing list de Psiquiatria, verdadeiros fórum de especialidades onde colegas do mundo inteiro, divididos segundo seus respectivos interesses, escrevem breves notas informais, trocando experiências, esclarecendo duvidas, discutindo diagnósticos, condutas, informações sobre medicações, efeitos colaterais, novos psicofármacos, etc. E tudo isso feito da forma mais informal possível, no maior espirito cooperativo, sem todas aquelas restrições e cautelas tão freqüentes no mundo científico. No começo fiquei apenas lendo e passivamente aprendendo. Inúmeras vezes me surpreendi ao ler uma mensagem que continha uma dúvida, uma questão que eu mesmo poderia ter formulado. Fiquei admirado ao perceber algumas assinaturas freqüentes nas mensagens como: Donald Klein, Ivan Goldberg e outros grandes nomes da Psiquiatria atual. Depois de algum tempo, timidamente, comecei a escrever as minhas primeiras mensagens. A primeira foi sobre um paciente crônico com o diagnostico de esquizofrenia paranóide que estava tomando clozapina a cerca de 1 ano, quando começou a apresentar quedas, aparentemente casuais, mas repetidas. Coloquei uma mensagem explicando o caso resumidamente, no inglês mais primário possível, e logo depois de algumas horas começaram a chegar as repostas. Em 2 dias contei 11 mensagens respondendo a minha inicial. Em menos de 2 dias tive acesso aos dados e experiências no tratamento com a clozapina de alguns dos mais cotados centros do mundo. Um das respostas veio de um serviço que mantém cerca de 50 pacientes em tratamento ambulatorial com clozapina e já tinha tido 5 casos de quedas em condições semelhantes, uma até resultando numa fratura de perna. Recebi hipóteses quanto a provável causa do fenômeno e sugestões quanto a possível conduta a adotar. E tudo isso sem sair do meu consultório e em apenas 2 dias. Atualmente sou assíduo leitor e ativo participante de varias mailing list psiquiátricas como: Psyco-pharm, Psychotherapy-practice, Neuro-psych, Current-issues-in-psych, Computers-in-mental-health e algumas outras. O uso da Internet em Medicina e conseqüentemente em Psiquiatria está se ampliando cada vez mais. A partir de um futuro muito próximo (começo do próximo ano), as principais editoras médicas americanas vão ter sites próprios na Net e colocarão neles todos os textbooks e revistas publicados. Claro que isso não será gratuito, mas estima-se que por uma anuidade de cerca de 30 dólares o assinante terá direito a acessar todo esse material através da tela do seu computador, podendo imprimí-lo se o quiser. Hoje o computador é parte integrante do meu consultório, tão importante que não posso me imaginar trabalhando sem ele dentro da minha sala. Finalizando quero fazer algumas considerações a respeito do objeto primeiro desse artigo: o computador. O computador é uma máquina complexa e até certo ponto delicada e temperamental. Seu uso útil e satisfatório, requer um conhecimento do seu funcionamento que não se adquire rapidamente, nem pode ser transmitido apenas por terceiros. Aquelas frases tão ouvidas como: computador é fácil, qualquer um aprende, é mentira! Só aprende quem se dispõe a conhecer seriamente o seu funcionamento. O computador não é uma máquina de escrever sofisticada. Quem usá-lo como tal, estará fadado a não aprender nunca a aproveitar o seu verdadeiro potencial. É uma máquina que requer muitas horas de aprendizado, freqüentemente empírico e frustrante, e acima de tudo persistência e curiosidade. Não se deixe intimidar pelo desconhecido. Não se esconda atrás daquelas tão conhecidas racionalizações do tipo: sou muito velho para isso, isso é coisa para o meu filho, etc. No último congresso da American Psychiatric Association, em Maio último, em New York, existia, todas as tardes, um espaço reservado para um fórum sobre Informática e Psiquiatria. A sala inicialmente reservada para o evento teve que ser mudada para uma maior devido ao grande número de interessados. Estava sempre lotada e a faixa etária entre os 50% dos participantes era de colegas acima dos 50 anos, fazendo perguntas sobre informática das mais primárias possíveis e sem o menor constrangimento. Todos querendo apreender sobre esse novo instrumento de trabalho. Ao colega que se sente interessado no uso do computador e tem alguma dúvida, o meu conselho é: leve-o para o consultório e use-o. Não se arrependerá. |
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