Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Abril de 2016 - Vol.21 - Nº 4 Psiquiatria na Infância e Adolescência CANABIDIOL EM TOURETTE Ana Hounie Foi publicada no DOU a RDC da ANVISA 66/2016 regulamentando a prescrição e importação de canabidiol: 7) fica permitida,
excepcionalmente, a importação de produtos que possuam as substâncias
canabidiol e/ou tetrahidrocannabinol (THC), quando realizada por pessoa física,
para uso próprio, para tratamento de saúde, mediante prescrição médica,
aplicando-se os mesmos requisitos estabelecidos pela Resolução da Diretoria
Colegiada - RDC nº 17, de 6 de maio de 2015. A RDC 17/2015 já havia permitido que produtos contendo canabidiol e THC fossem importados em situações excepcionais. Em seguida, o Conselho Federal de Medicina, por entender que não há ainda estudos científicos válidos amparando o uso do canabidiol em diversas doenças, manifestou-se publicamente dizendo que tentará reverter essa medida da ANVISA. Comentarei aqui o estado atual da pesquisa com canabidiol (CBD) e THC no tratamento da síndrome de Tourette (ST). A cannabis sativa é conhecida como maconha ou marijuana, no espanhol. Possui vários compostos químicos, psicoativos ou não, chamados canabinoides. Estes atuam no SNC e no sistema imunológico por meio de receptores específicos, CB1 (no SNC) e CB2 (em células do sistema imunológico). O THC é o canabinoide com maior ação psicoativa e que torna a maconha atrativa como droga recreativa. O dronabinol (versão sintética do THC) e a nabilona são usados como coadjuvantes no tratamento do câncer em alguns países, para combate de dor e náuseas. O canabidiol não é psicoativo. Outros canabidióis descritos são a anandamida e o araquinodoilglicerol. No Canadá produz-se uma medicação chamada Sativex® que contém um extrato de cannabis com THC e CBD na mesma proporção (1:1), chamadas nabiximóis. A RDC de 2015 permitia a importação de produtos com canabidiol e THC desde que a concentração de canabidiol fosse maior que a de THC. Este inciso foi revogado pela RDC de 2016, ou seja, a importação de produtos que contenham THC em concentração igual ou maior que a de canabidiol estaria permitida. Foram revogados também os artigos quinto e sexto da RDC 17/2015, transcritos abaixo: Art. 5º Não poderá
ser importada a droga vegetal da planta Cannabis sp ou suas partes, mesmo após
processo de estabilização e secagem, ou na sua forma rasurada, triturada ou
pulverizada. Art. 6º Não poderão
ser importados cosméticos, produtos fumígenos, produtos para a saúde ou
alimentos que possuam na sua formulação o Canabidiol em associação com outros
canabinóides e/ou a planta citada no Art. 5 º.
Assim, teoricamente, a própria maconha e quaisquer produtos dela derivados podem ser importados. Além disso, como as diversas subespécies de cannabis apresentam proporções variadas de THC e CBD, algumas com maior poder recreativo por ter mais THC que CBD e outras com maior poder “medicinal” por conter mais CBD, a resolução ampliaria a variedade de plantas que poderiam ser importadas. Esses detalhes são importantes, pois os estudos em ST incluem tanto o THC como o canabidiol. Em 1988, dois psiquiatras relataram os casos de três
pacientes com ST que diziam melhorar dos tiques com a maconha fumada. Os
primeiros e, basicamente, os principais estudos de tratamento da ST com
canabinoides foram e continuam sendo feitos por uma pesquisadora alemã chamada Kirsten Müller-Vahl, na Faculdade de
Medicina de Hanôver. Os primeiros relatos de caso surgiram em 1999 e um estudo
aleatorizado e cruzado com placebo foi publicado em 2002, relatando o uso de
uma dose única de Delta-9-THC em 12 pacientes
com ST. No ano seguinte publicaram os resultados de um estudo de seis semanas
de uso de THC (doses até 10mg) em 24 pacientes com ST. Todos os relatos até o
momento são de melhora nos tiques. A
taxa de efeitos adversos é pequena e eles são brandos e transitórios. A falta de mais
estudos deve-se ao fato da maconha ser ilegal, mesmo para projetos de pesquisas
acadêmicas, e somente mais recentemente terem aprovado estudos científicos com
o Sativex importado do Canadá para a Alemanha.
Os poucos dados disponíveis sobre o uso de maconha medicinal em Tourette refratária, já que os estudos ainda estão em andamento e ainda não foram publicados, são promissores. Em julho de 2015, no Primeiro Congresso Mundial sobre síndrome de Tourette, em Londres, a pesquisadora alemã apresentou os dados até aquele momento do uso do dronabinol ou da maconha fumada em pacientes com ST. Segundo sua apresentação, a utilização da maconha fumada promove um início mais rápido de ação sobre os tiques, mas de curta duração. O medicamento, no entanto, leva mais tempo para fazer efeito, mas tem uma duração maior, de algumas horas. O THC deve ser administrado de duas a três vezes por dia. Nos pacientes com ST refratária, ou seja, naqueles que não responderam ao tratamento com as diversas drogas das várias classes farmacêuticas disponíveis, testar o tratamento com os naxibimóis pode ser uma alternativa. A RDC 17/2015 não permitia o uso dos compostos testados na ST, visto que até o momento não há nada publicado sobre o uso de canabidiol isolado no seu tratamento e sim apenas o THC isolado ou a combinação em proporções iguais com o canabidiol. Já na RDC 66/2016, o artigo que determinava a concentração dos dois compostos, foi revogado. Assim, produtos que contém canabidiol e THC e que já tenham sido testados no tratamento dos tiques podem em tese ser importados para pacientes adultos refratários. Ainda faltam mais estudos controlados com os diversos tipos de canabinoides para estabelecer sua segurança nas diversas faixas etárias. Ressalta-se o alto custo da medicação e o risco de efeitos adversos graves. Como o THC é psicoativo e psicodisléptico, há risco de que provoque alucinações e/ou desencadeie surtos psicóticos em predispostos. Desse modo não deve ser usado em crianças ou adolescentes e em adultos com histórico familiar de quadros psicóticos. O risco de efeitos psiquiátricos adversos é estimado em 1%. O Sativex® está disponível na forma de spray para uso orobucal e o Marinol® está disponível em comprimidos. Referências Lista de substâncias sujeitas a controle especial. O canabidiol está listado no número 22, junto aos medicamentos que necessitam de receita C1 (branca) em duas vias. (https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=317687) Resolução no DOU: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ca877e004c1cfcfea649f629f3404e01/49+-+RDC+n+66-2016.pdf?MOD=AJPERES http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK65755/ http://www.hindawi.com/journals/bn/2013/294264/abs/ http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24778283
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