Psyquiatry online Brazil
polbr
Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Fevereiro de 2015 - Vol.20 - Nº 2

Psiquiatria na Prática Médica

ALTERAÇÕES HEPÁTICAS DECORRENTES DA TERAPIA COM PSICOFÁRMACOS: UMA REVISÃO DE LITERATURA

Poliana Gasparin Correa Leite*
Prof. Dra. Márcia Gonçalves**


INTRODUÇÃO: Os psico-fármacos são medicamentos com predomínio de ações sobre o psiquismo, as emoções, as atitudes mentais e o comportamento dos seres humanos. Mas, para que os efeitos dos medicamentos psicotrópicos sejam satisfatórios e a terapêutica eficaz, deve ser mantida sua utilização por um tempo mínimo, que varia de fármaco para fármaco. Porém, apesar de muito eficazes, mesmo se administrados da forma correta, invariavelmente todos os fármacos terão efeitos colaterais. As referidas alterações do componente morfológico podem se tornar preocupantes, pois representam um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônico degenerativas, como as hepatopatias por exemplo. OBJETIVOS: Analisar a influência negativa da utilização dos psicofármacos sobre a função hepática dos pacientes psiquiátricos. METODOLOGIA: Pesquisa em bases de dados e posterior correlação dos artigos encontrados. RESULTADOS E DISCUSSÃO: A escolha e o início da intervenção medicamentosa devem ser baseados na história do paciente, na situação clínica atual e no plano de tratamento. Uma dificuldade existente na pratica psiquiátrica é a escolha das medicações para os diversos quadros clínicos. Em relação às interações medicamentosas que se manifestam por mecanismo farmacocinético, análises por imunoblotting identificaram inúmeras isoformas em preparações microssomais hepáticas. Alguns exemplos de alterações são a anemia hemolítica, uma reação rara à metildopa. O valproato de sódio tem sido associada com hepatite aguda, incluindo necrose hepática e morte. Uma das causas de insuficiência hepática aguda que podem originar encefalopatia hepática é a hepatite medicamentosa. Contudo, em algumas situações não é possível evitar a doença hepática, sendo que quando ela já estiver instalada, deve-se tomar algumas precauções ao prescrever medicamentos à esses pacientes. CONCLUSÃO: Conclui-se, portanto, que o uso de psicofármacos tem a possibilidade de causar hepatopatias, necessitando então de grande discernimento para prescrevê-los, cuidado para associá-los e precaução com a realização de exames, tanto antes do início da terapia quanto durante ela, para monitorização do funcionamento do organismo do paciente. Caso já haja doença hepática instalada, os cuidados com a administração devem ser ainda maiores, para que o quadro do paciente não progrida, levando ao aumento da morbimortalidade.


Os psico-fármacos (também chamados de fármacos psicotrópicos ou psicoativos), são medicamentos com predomínio de ações sobre o psiquismo, as emoções, as atitudes mentais e o comportamento dos seres humanos, resultando, dessa forma, as suas potencialidades terapêuticas. São as doenças psiquiátricas graves as que melhor respondem a estes fármacos10.

Alguns estudos realizados em Portugal, sobre prescrição de psico-fármacos em Clínica Geral, evidenciaram que uma percentagem elevada (25 a 39%) de pessoas receberam uma ou mais prescrições de psicotrópicos, sobretudo as mulheres e pessoas com idade igual ou superior a 40 anos. Os fármacos mais prescritos foram os tranquilizantes/hipnóticos seguidos pelos anti-depressivos10.

Mas, para que os efeitos dos medicamentos psicotrópicos sejam satisfatórios e a terapêutica eficaz, deve ser mantida sua utilização por um tempo mínimo, que varia de fármaco para fármaco. Os anti-depressivos, por exemplo, devem ser utilizados durante vários meses para prevenir recaídas. Por outro lado, os benzodiazepínicos só devem ser administrados durante poucas semanas, por causa do risco de tolerância e dependência. Já o lítio normalmente é mantido por vários anos e, por vezes, é necessário por toda a vida10.

Desde a introdução dos psicofármacos, tenta-se elucidar o mecanismo de ação dessas drogas, como também introduzir novos agentes com maior seletividade e menor latência de ação, toxicidade e efeitos colaterais, além de utilizá-los como instrumentos na geração de hipóteses biológicas sobre a fisiopatologia dos transtornos mentais5.

Entretanto, a latência de 2 a 3 semanas entre o início do tratamento antidepressivo, por exemplo, e a resposta terapêutica é, há muito, considerada como uma evidência de que são necessárias alterações na função neural para se obter um efeito terapêutico. Assim, provavelmente, a simples interação das drogas com os sítios de recaptura ou com receptores de certos neurotransmissores é insuficiente para justificar os efeitos clínicos desses compostos, mesmo considerando as alterações induzidas pelo tratamento prolongado com esses fármacos5.

Porém, apesar de muito eficazes, mesmo se administrados da forma correta, invariavelmente todos os fármacos terão efeitos colaterais. Os doentes idosos, as mulheres grávidas ou que estão amamentando e os pacientes com doença orgânica estão em maior risco de apresentar efeitos adversos. Muitos psicotrópicos interagem com outros fármacos ou com o álcool e diminuem a capacidade de conduzir veículos10. Além disso, seu uso prolongado ocasiona também o aumento de peso, um dos efeitos colaterias mais freqüentes. Observa-se que o ganho de peso é significativamente maior nas mulheres, se comparado aos homens9.

As referidas alterações do componente morfológico podem se tornar preocupantes, pois, além de acarretarem a diminuição da sensação de bem-estar, favorecendo a deterioração progressiva dos mecanismos de controle, e reduzindo a capacidade de adaptação ao meio, promovendo a perda da auto-estima, também representam um importante fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônico degenerativas9.

A partir das referidas informações, que permitem questionar os efeitos colaterais dos psicofármacos no organismo humano, o presente trabalho pretende analisar especificamente os efeitos hepáticos nocivos desses medicamentos.


Analisar a influência negativa da utilização dos psicofármacos sobre a função hepática dos pacientes psiquiátricos a partir de dados da literatura.

METODOLOGIA: Foi realizada pesquisa em bases de dados online (Scielo, PubMed) sobre o assunto “hepatotoxicidade relacionada à psicofármacos”, sendo selecionados artigos publicados e de relevância significativa. Com o resultado da pesquisa, foi produzida uma revisão de literatura, onde procurou-se correlacionar as informações encontradas em todas as pesquisas com o conhecimento sobre o assunto e as experiências vivenciadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO: A escolha e o início da intervenção medicamentosa devem ser baseados na história do paciente, na situação clínica atual e no plano de tratamento. Os psiquiatras devem conhecer o propósito ou o objetivo do ensaio com o medicamento, o período em que o mesmo medicamento precisa ser administrado para avaliar sua eficácia, a abordagem a ser tomada para se reduzir quaisquer possíveis efeitos adversos, estratégias medicamentosas alternativas a serem utilizadas caso a atual falhe e as indicações para a manutenção do regime de longo prazo.8

Uma dificuldade existente na pratica psiquiátrica é a escolha das

medicações para os diversos quadros clínicos. Desta forma, é bastante comum na pratica substituições apressadas de medicamentos, ou seu uso

em subdoses e, principalmente, a associação de psicofármacos de diferentes

classes. Neste contexto, faz-se uso da polifarmácia, ou seja, do uso concomitante de vários psicofármacos, o que acarreta no aumento da possibilidade de interações medicamentosas. As interações medicamentosas ocorrem devido à alteração da farmacocinética e da farmacodinâmica de uma determinada droga provocada pela adição de um novo medicamento ao tratamento4.

Vários fármacos tem ação sobre o metabolismo de outros e muitas

vezes o mecanismo de ação ou os efeitos colaterais se sobrepõem aumentando a chance de toxicidade.4 Além do número de medicamentos prescritos, a ocorrência e a gravidade das interações estão relacionadas com a duração do tratamento, idade e sexo do paciente, estado da doença, fatores genéticos, consumo de álcool, tabagismo, tipo de dieta e fatores ambientais. As interações consideradas clinicamente relevantes geralmente apresentam início de ação rápido (em até 24 horas), podem representar risco à vida do paciente, causar dano permanente ou deterioração do quadro clínico. Em relação às interações medicamentosas que se manifestam por mecanismo farmacocinético, análises por imunoblotting, combinadas com uso de marcadores funcionais relativamente seletivos e inibidores seletivos das enzimas do citocromo P450 (CYP), identificaram inúmeras isoformas em preparações microssomais hepáticas, sendo as CYP1A2, CYP2C9, CYP2D6, CYP2E1 e CYP3A4 de maior ocorrência. Essas enzimas podem ser inibidas ou induzidas, resultando em aumento ou à diminuição da concentração sérica dos fármacos (juntamente com os efeitos associados), respectivamente1.

Alguns dos fármacos do substrato do P450 quimicamente dissimilares, sob a administração repetida, induzem o sistema P450, aumentando a taxa de sua síntese ou reduzindo sua taxa de degradação. A indução resulta em uma aceleração do metabolismo do substrato e, em geral, em uma redução da concentração do próprio indutor e também dos fármacos coadministrados. As interações envolvendo carbamazepina e fármacos como a prometazina, diazepam e haloperidol, ocorrem pela atividade indutora do primeiro1.

Em contrapartida, determinados substratos de fármacos inibem a atividade das enzimas do citocromo P450. Essa inibição pode ocorrer através de vários mecanismos, mais comumente, um inibidor do CYP liga-se competitivamente ao sítio ativo da enzima e, consequentemente, impede que os substratos se liguem ao mesmo sítio, impedindo-o de ser metabolizado, enquadrando-se, nesta categoria, a interação diazepam e haloperidol, na qual ocorre redução da atividade da isoforma CYP3A4.1

Anemia hemolítica é uma reação rara a metildopa, embora cerca de 200 pacientes tratados possam desenvolver uma reação positiva em um teste de Coombs 1. É uma hemólise grave, com múltiplas auto-aglutininas. A cirrose também pode ser atribuída a metildopa, embora a relação seja menos segura. O quadro histológico e antinuclear positivo sugerem um processo auto-imune. Tem sido enfatizado o risco de hepatite crônica de baixo grau durante o tratamento com metildopa, sendo que são notados poucos sintomas, pouca alteração dos testes de função hepática, mas há progressão insidiosa para cirrose.6

O valproato de sódio tem sido associada com hepatite aguda, incluindo necrose hepática e morte. Os fatores de risco incluem uma idade inferior a 2 anos, a politerapia, e anormalidades neurológicas ou metabólicas. Não há outros fatores de risco evidentes, apesar de ser possível que este evento seja auxiliado por características do Sistema citocromo P450. Assim, o risco de fatalidade de valproato em monoterapia deve ser considerado no risco-benefício, sendo avaliado durante a escolha do tratamento, mesmo na ausência de outros fatores de risco2.

Uma das causas de insuficiência hepática aguda que podem originar encefalopatia hepática é a hepatite medicamentosa. Um dos principais eventos precipitantes da EH na doença hepática crônica é o uso de fármacos com efeito sedativo, em particular psicofármacos. O Psiquiatra deve estar atento e saber detectar estes doentes com encefalopatia hepática mínima, bem como deve saber reconhecer as outras alterações possíveis. O quadro neuropsiquiátrico, muitas vezes flutuante e nem sempre reversível, sobreponíveil ou isolado, mimetiza as grandes síndromes psiquiátricas: confusional, ansioso, depressivo, maniforme, psicótico, demencial e até perturbação da personalidade. No entanto o quadro deve ser compreendido e tratado no contexto da doença hepática,7

Porém, quando a doença hepática já estiver instalada, os doentes apresentarão capacidade reduzida para metabolizar determinadas substâncias que circulam no organismo, nomeadamente os fármacos que, acumulando-se no sangue atingem elevadas concentrações. Capacidade reduzida para sintetizar proteínas plasmáticas e fatores de coagulação com hipoalbuminemia, hipocoagulabilidade e as devidas consequências clínicas,

além de um aumento da toxicidade dos fármacos que se ligam a proteínas.

A partir disso, deve-se tomar algumas precauções ao prescrever medicamentos para essa classe de pacientes, como por exemplo: prescrever o menor número de fármacos possível, iniciar o tratamento com dosagens muito baixas, sobretudo para fármacos que se ligam muito a proteínas ou

que apresentam no seu metabolismo um efeito de primeira passagem importante. Ter um cuidado especial (doses reduzidas) com a administração de fármacos extensamente metabolizados no fígado, ter em atenção que a meia vida dos fármacos está aumentada nos doentes com insuficiência hepática pelo que desta forma que os aumentos das dosagens deverão ser feitos de forma mais gradual, monitorizar com cuidado os efeitos secundários que poderão surgir mais tardiamente nestes doentes, evitar fármacos demasiado sedativos para impedir a precipitação de episódios de encefalopatia hepática, evitar fármacos que provoquem obstipação para prevenir a precipitação de episódios de encefalopatia hepática, evitar fármacos hepatotóxicos (clorpromazina, antidepressivos IMAO), escolher fármacos de baixo risco e monitorizar a função hepática regularmente.

CONCLUSÃO: Conclui-se, portanto, que o uso de psicofármacos tem a possibilidade de causar hepatopatias, necessitando, portanto, grande discernimento para prescrevê-los, cuidado para associá-los e precaução com a realização de exames, tanto antes do início da terapia quanto durante ela, para monitorização do funcionamento do organismo do paciente. Caso já haja doença hepática instalada, os cuidados com a administração devem ser ainda maiores, para que o quadro do paciente não progrida, levando ao aumento da morbimortalidade.


BIBLIOGRAFIA: Andrade KVF. “Perfil Farmacoepidemiológico das Interações Medicamentosas Potenciais em Prescrições de Psicofármacos”. Rev Eletronica de Farmácia (2014); 11: CAPA

  1. Bauer MS. “Fatal Hepatic Failure and Valproate”. Am J Psychiatry (2005); 162:1

  2. Correia DT; Guerreiro DF; Coentre R; Zuzarte P; Figueira L. “Psicofármacos na Doença Hepática”. Acta Med Port (2009); 22: 797-808

  3. Fernandes MA; Affonso CRG; Sousa LEN; Medeiros MGF. “Interações Medicamentosas entre Psicofármacos em um Serviço Especializado de Saúde Mental”. Rev interdisciplinar NOVAFAPI (2012); 5: 9-15

  4. Gorenstein C; Scavone C. “ Avanços em Psicofarmacologia – Mecanismos de Ação de Psicofármacos hoje” . Rev Bras Psiquiatr (1999); 21: 64-73

  5. Hyer SL; Knell AJ. “Cirrhosis and Haemolysis Complicating Methyldopa Treatment”. British Medical Journal (1977); 2:879

  6. Marques JG; Correia DT; Canhoto M. “Psicopatologia e Encefalopatia Hepática”. Rev do Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Dr Fernando Fonseca. 35-46

  7. Moreira MS; Morais RG; Moreira EA; Leite SF; Teixeira CC; Silva ME; Freitas DF. “Uso de Psicofármacos em Crianças e Adolescentes”. Rev Universidade Vale do Rio Verde (2014); 12: 1013-1049

  8. Roeder MA; Petroski EL; Farias SF. “Análise da Composição Corporal em Pessoas com Transtornos Mentais em Tratamento”. Rev Bras Cineantropometria e Desempenho Humano (2001); 3: 70-83

  9. Simões JA; Teixeira JÁ. “Psico-fármacos – Utilização Racional”. Csgois.web.interacesso.pt. (2000)


*Interna do departamento de medicina da Unitau

** Professora coordeandora da disciplina de psiquiatria da Unitau.

correspondência: [email protected]




TOP