Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Outubro de 2014 - Vol.19 - Nº 10 Psiquiatria Forense PACIENTE PRESO OU INTERNADO EM MEDIDA DE SEGURANÇA TEM DIREITO DE ACESSO AO SEU PRONTUÁRIO MÉDICO Quirino Cordeiro (1) No ano passado, em 2013, foi firmado convênio
entre a Santa Casa de São Paulo, a Secretaria da Administração Penitenciária e
o Tribunal de Justiça, com o objetivo de prestar atendimento ambulatorial a
pacientes egressos dos Hospitais de Custódia do Estado de São Paulo. A
celebração do referido convênio ensejou a criação de um serviço assistencial no
Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Santa Casa de São Paulo
para dar conta do cuidado a esses pacientes. Com esse novo serviço, diversas
questões éticas e deontológicas começaram a aparecer, já que a equipe
assistencial do CAISM não tinha experiência em trabalhar nesse contexto
clínico. A mais recente questão que surgiu foi relacionada
à possibilidade de o egresso dos Hospitais de Custódia ter acesso ao seu
prontuário médico relativo ao período em que esteve internado. O acesso aos
dados e informações contidas no prontuário médico dos pacientes, no período em
que estiveram internados, é de fundamental importância para o tratamento após
sua saída do sistema de custódia. Sobre o tema, consta do Código de Ética Médica,
em seu Artigo 88, que é vedado ao médico “negar, ao paciente, acesso a seu prontuário,
deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada…”. Fica claro, então, que o
sigilo médico, representado pela guarda do prontuário, visa na verdade à
proteção primordial dos interesses do paciente. Desse modo, sempre que
solicitado pelo paciente, o médico estará livre para quebrar o sigilo. Segundo o Conselho Federal de Medicina
(CFM), em seu Parecer 04/91, a obrigação da guarda do segredo médico não é
absoluta, podendo ser quebrada em algumas situações, como em casos de autorização expressa do paciente, fato esse
que justifica a entrega do prontuário médico. Vale ressaltar aqui que o Código de Ética Médica
não faz qualquer distenção de pacientes em seu texto,
quando determina que o médico deve fornecer acesso do
paciente ao seu prontuário, quando solicitado. Com isso, não há qualquer razão
para que o paciente não tenha direito de acessar seu prontuário médico, quando
de sua saída dos Hospitais de Custódia. Na verdade, o direito do paciente a ter acesso ao
seu prontuário médico é ainda mais amplo e alcança também aquele paciente que
se encontra no sistema prisional, tanto na condição de condenado como em
situação de preso provisório. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São
Paulo (CREMESP) publicou manifetação de seu
Departamento Jurídico sobre o tema, em 2012 (Resposta à Consulta 42.442/12).
Tal documento relata o que segue: “as pessoas que se encontram cumprindo pena
em regime prisional possuem o direito a ter acesso ao seu prontuário médico… Entretanto, caso o estabelecimento prisional se
negue a entregar o prontuário ao detento, este deverá comunicar este fato ao
seu defensor, vez que a Constituição Federal lhe assegura o direito a ter um
advogado ou Defensor Público que represente seus interesses. Este advogado
peticionará ao juiz das Execuções Penais informando o ocorrido, requerendo
providências para que este preso tenha acesso ao sua
correspondência, no caso em pauta, ao seu prontuário médico”. Assim sendo, o fato de o paciente estar
preso não modifica seu direito de ter acesso ao seu prontuário médico. Aos presos são
assegurados todos os direitos não afetados pela sua sentença penal
condenatória. O Artigo 38 do Código Penal traz o seguinte texto: “o preso conserva todos os direitos não atingidos
pela perda da liberdade,
impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.
A Lei de Execução Penal acaba englobando também o paciente em medida de
segurança como detentor de direitos que não são restringidos pela lei: “Art.
3º: Ao condenado e ao internado serão assegurados todos
os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Reforçando ainda mais esse
entendimento, a Assembléia Geral da Organização das
Nações Unidas aprovou o “Conjunto de Princípios para a Proteção de todas as Pessoas Sujeitas a
Qualquer Forma de Detenção ou Prisão”, no qual declara em seu Princípio
26 que “o fato de a pessoa detida ou presa ser submetida a
um exame médico, o nome do médico e dos resultados do referido exame devem ser
devidamente registrados. O acesso a esses registros deve ser garantido, sendo-o nos termos das
normas pertinentes do direito interno”. A única dúvida que poderia ainda surgir é se o
paciente com transtorno mental apresenta condições de ter acesso às suas
informações médicas, em virtude de questões relacionadas ao seu quadro clínico.
Sobre isso, o CFM manifestou-se na Resolução 1.598/00: “Art. 14 - os pacientes
psiquiátricos têm direito de acesso às informações a si concernentes, inclusive
as do prontuário, desde que tal fato não cause dano a si próprio ou a outrem”.
Desse modo, o quadro psiquiátrico do paciente não necessariamente será um fator
impeditivo para que ele possa acessar seu prontuário médico. Diante do exposto acima, é notório que tanto
os pacientes presos quanto aqueles internados em
medida de segurança nos Hospitais de Custódia têm direito de acesso aos seus
prontuários médicos. Assim sendo, os pacientes do serviço de acompanhamento
pós-custódia da Santa Casa de São Paulo também têm direito ao acesso a seus
prontuários médicos do período no qual estiveram internados nos Hospitais de
Custódia. Desse modo, os diretores médicos de serviços de saúde prisionais,
hospitalares ou não, devem estar atentos a essa questão, para que façam valer o
direito dos pacientes.
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