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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Dezembro de 2014 - Vol.19 - Nº 12

COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA

PODEMOS SER SUBSTITUÍDOS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL?

Fernando Portela Câmara
Prof. Associado, UFRJ


Nossa mente não é perfeita, na verdade, ela cria mais problemas e conflitos que soluções. Intolerância religiosa, guerras, conflitos, obscurantismo são forças poderosas na humanidade, no meio das quais vicejam timidamente a ciência e o desenvolvimento tecnológico. Pensamos que somos o apogeu da inteligência no mundo animal, ou ainda únicas criaturas no universo a ter poder e inteligência para exercê-lo. Porém, nossa inteligência não conseguiu solucionar muitos dos problemas que afligem a humanidade nesses 5 mil anos de civilização e a sociedade continua confrontando-os cada vez mais perigosamente.

Não temos evoluído em nossa capacidade mental, apenas adquirimos e acumulamos conhecimentos, descobrimos as “leis da natureza” (hoje dizemos “modelos testáveis”), criamos tecnologias, isto tudo dentro de uma capacidade mental limitada a um conjunto de operações definido pelo limite da conectividade neuronal. O fato de a maior parte de nossa tecnologia atual ser controlada por computadores não deve ser tomada como uma expansão da nossa inteligência, mas de nossa capacidade de cálculo e de gerar modelos de conhecimento com bases na computação de muitas variáveis. Conquistamos maior poder computacional, e não novas percepções.

Por outro lado, pergunta-se se o extraordinário desenvolvimento da tecnologia da computação, a criação de redes integradas e controladas por computadores que atualmente governam os negócios que se realizam no mundo, o mercado financeiro, a inteligência militar e a administração pública, fará emergir uma inteligência alienígena governada pela complexidade da comunidade de máquinas interconectadas pela Internet. Ou ela já emergiu e não percebemos porque seus efeitos ainda não provocaram transformações suficientes para nos darmos conta de que algo não está mais sob o nosso controle?

Nossa origem e evolução decorreram da disponibilidade de material e criação de complexidade espontânea dentro de um ambiente natural que abstratamente denominamos “Natureza”. As propriedades dos nossos corpos se originaram desse material protoplasmático terrestre, e das forças que moldaram o planeta, e até mesmo muito de nossos comportamentos são programações selecionadas naturalmente para melhor interagirmos com o nosso entorno e melhorar nossas chances de sobrevivência. Todos os animais estão presos definitivamente a esse atavismo, mas nós contrariamos a ordem das coisas: nossa inteligência levou à criação de um mundo artificial, constituído por alavancas, ferramentas, máquinas, chips, softwares, etc. Há um mundo paralelo à Natureza, ativo e em evolução, um mundo de máquinas, computadores e robôs, que emergiu de matéria não protoplásmica por obra da engenharia humana. Esse mundo está em permanente evolução desde quando a informação foi incorporada a ele através da eletrônica e códigos digitais (veja-se, p. ex., a evolução dos smartphones). Essa evolução caminha em direção á uma inteligência própria, talvez em bases lógicas e conceituais diferente da nossa. Em outras palavras, embora a lógica dos circuitos seja binária, novos significados e relações podem ser criados pelas máquinas, levando à uma concepção de mundo estranha e talvez até ininteligível para nós. Um mundo regido por essa nova ordenação semântica seria inviável para a nossa vida social ou nos escravizaria. Da mesma forma que criamos máquinas que tornaram obsoleta a força de trabalho humano e reduziram os custos operacionais e previdenciários, poderíamos chegar a uma situação semelhante diante da cibercomplexidade que está se organizando.

A velocidade de computação é de 1010/s, dez milhões de vez maior que a de um neurônio (103/s), e tem uma precisão imensa, nem de perto compartilhada com o cérebro humano (isto explica porque somos muitos ruins em fazer cálculos e erramos frequentemente nas contas, e somos muito lentos e limitados em analisar dados). Portanto, a velocidade de computação e a capacidade de lidar com muitas variáveis permitem feitos que a nossa mente não consegue, e assim é uma poderosa ferramenta para avançar em tarefas onde o cérebro não consegue dar conta. Isto nos trouxe avanços científicos importantes. Contudo, as conexões que um neurônio pode fazer com outros chega a dezenas de milhares, enquanto um chip faz três ou quatro conexões com outros. Um computador armazena uma quantidade considerável de memória, enquanto um cérebro humano possui inteligência e cognição que um computador não consegue chegar perto. Isto, porém, é provisório, pois a capacidade de computação pode aumentar tremendamente em ligações paralelas e assim chegar a uma inteligência artificial, o que sem dúvida acontecerá quando a tecnologia de miniaturização se desenvolver o suficiente. Esperamos com isso que essas inteligências resolvam problemas que afligem a humanidade e que nunca fomos capazes de resolver, como distribuição de riquezas, fontes de energia limpa, segurança alimentar, controle de pragas e epidemias, etc. Este é o sentido verdadeiro da inteligência artificial (IA).

A pergunta que este estágio futuro da tecnologia suscita frequentemente é se isto tornará nossos cérebros supérfluos, como a automatização tornou supérflua a mão de obra humana em muitos empreendimentos industriais. Poderia a IA governar o mundo de uma maneira melhor que a nossa nesses poucos milhares de anos? Isto certamente tornaria a humanidade obsoleta, e abriríamos caminho para uma nova espécie dominante na Terra, agora evoluindo de forma controlada e planejada pelas suas próprias ações. Não é ficção científica e nem uma profecia, mas um fato que neste momento já ensaia os primeiros passos.


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