Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9 História da Psiquiatria O JAPÃO E JULIANO MOREIRA Walmor J. Piccinini Introdução. Fugindo
dos mitos oficiais em que o Brasil é colocado como terra de oportunidades e que
todos que aqui chegaram foram e eram bem recebidos, constatamos que os
imigrantes em geral sofreram e muito na sua luta para construir uma nova vida
no Brasil. Os negros escravos, migrantes forçados são a face mais sombria dos
maus tratos, mas não foram os únicos. Sofreram os italianos, os alemães, os
japoneses, os judeus e muitos outros indivíduos provenientes de todas as partes
do mundo. Examinar
a conduta do nosso governo, dos seus líderes políticos, de muitos dos seus
cidadãos nos deixa envergonhados. Alguns autores discutem as ideias de
“branqueamento” da população como um ente político por trás das correntes
imigratórias. Outros fatores devem ser considerados, a religião um dos mais
intolerantes. Aos judeus deveria ser impedida a entrada por não serem passíveis
de conversão, os japoneses por ser uma “raça inferior” e assim por diante. Neste
artigo vamos tecer algumas considerações sobre a conduta do psiquiatra Juliano
Moreira em relação à imigração japonesa, sua visita ao Japão a convite do
Governo Imperial do Japão e uma manifestação dele em Nara antiga capital
Imperial do Japão. Cronologia A
Cronologia da Imigração japonesa foi publicada na Folha de São Paulo e pode ser
vista em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2004200805.htm 1888 1895 1907 1908 1911 1914 Década de 1920 1941-45 Além desta cronologia publicada na Folha de são Paulo acrescentaríamos: 1946 Assembleia Nacional
Constituinte de 1946. O Senador Pelo Distrito Federal Luiz
Carlos Prestes e toda bancada comunista fechou questão a favor da emenda 3.165
de autoria do médico e deputado carioca Miguel Couto Filho cujo teor era o
seguinte: É proibida a entrada no país de imigrantes japoneses de qualquer
idade e de qualquer procedência”. (Suzuki Junior). Rompendo silêncio de Matinas Suzuki Junior). http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2004200804.htm No meio de
tanta politicagem e pseudociência destaca-se a figura de Juliano Moreira. Juliano Moreira: um psiquiatra negro frente ao racismo científico (Oda e Dalgalarrondo, RBP ano 2000 v.22, n.4.) “Um aspecto marcante na obra de Juliano Moreira foi sua explícita discordância quanto à atribuição da degeneração do povo brasileiro à mestiçagem, especialmente a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação. A posição de Moreira era minoritária entre os médicos, na primeira década do século XX, época em que ele mais diretamente se referiu a esta divergência, polemizando com o médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906). Também desafiava outro pressuposto comum à época, de que existiriam doenças mentais próprias dos climas tropicais.” “Resumidamente, pode-se dizer que, de meados do século XIX até cerca de 1910, o país se definia prioritariamente pela raça, isto é, as discussões sobre o caráter nacional e o futuro da nação passavam pela solução dos problemas atribuídos à miscigenação do povo brasileiro. A partir da década de 1910, e especialmente após o fim da Primeira Guerra Mundial, o movimento pelo saneamento rural do Brasil ganhou força, e se deslocou o foco para a doença ou as doenças dos brasileiros. Um Brasil desconhecido seria revelado a partir de expedições de órgãos do governo, como as de Cândido Rondon, do Mato Grosso ao Amazonas, em 1907 e 1908, e as expedições científicas de Oswaldo Cruz. A famosíssima frase do médico Miguel Pereira, "O Brasil é um imenso hospital", dita em 1916, marcou o início deste movimento. A exprobração à mestiçagem e ao nosso clima tropical cedeu lugar à condenação ao governo por abandonar as populações interioranas; seu atraso passou a ser atribuído ao isolamento geográfico e às infestações por doenças parasitárias, especialmente ancilostomose e doença de Chagas. Ao mesmo tempo, intensas campanhas sanitárias eram coordenadas por Oswaldo Cruz, contra a febre amarela e contra a varíola, doenças que espantavam muitos visitantes e imigrantes do Brasil. A doença tornou-se a chave para a identificação do Brasil, a higienização sua possibilidade de redenção. A ciência, mais especificamente a medicina, tendeu, então, a se auto-representar como norteadora do processo de definição da nacionalidade e da modernização do país.” Num momento em que boa parte do “stablishment” médico do Rio de Janeiro e São Paulo liderava a oposição à vinda de imigrantes japoneses, uma voz se levantava contra o “racismo científico” e contra a discriminação aos cidadãos japoneses. Era a voz e a autoridade de um ilustre cidadão e psiquiatra brasileiro, Juliano Moreira. Em reconhecimento o governo japonês convidou-o a visitar o Japão. Neste artigo vamos divulgar relatórios do próprio Juliano Moreira sobre sua visita ao Brasil. (O material foi colhido pela infatigável historiadora da psiquiatria, a Dra. Ana Galdini Raimundo Oda). Em julho de 2002, numa biografia publicada na Psiquiatria Online Brasil nos referíamos a esta viagem (http://www.polbr.med.br/ano02/wal0702.php) “Em 1928, foi convidado pelas Universidades de Tóquio, Kyoto, Sendai, Hokaido, Fukuoka, Osaka, etc. no Japão, para fazer conferências sobre assuntos de sua especialidade. Em julho, seguiu ele para aquele país, para dar cumprimento à incumbência. Ali, foi recebido com especial deferência pelos médicos japoneses. As Sociedades Japonesas de Neurologia e Psiquiatria elegeram-no membro Honorário. Antes de partir, fez ainda na Universidade Feminina de Tóquio e no anfiteatro do grande diário "Nichi-Nichi" e na Rádio Sociedade, conferências de despedidas sobre o Brasil e os brasileiros e impressões sobre o Japão. O Imperador conferiu-lhe a Ordem do Tesouro Sagrado. Depois de cerca de quatro meses de permanência naquele país, visitou as cidades de maior importância no extremo oriente, seguindo então para a Europa, a fim de efetuar, em Hamburgo e Berlim conferências para que fora convidado. As Sociedades de Neurologia e Psiquiatria de Berlim, e Hamburgo elegeram-no seu membro Honorário. Assim como a Sociedade Médica de Munique e a Cruz Vermelha Alemã, a Universidade de Hamburgo conferiu-lhe a Medalha de Ouro, que é a maior honra que lhe é dado conferir a um professor estrangeiro. Juliano Moreira foi o primeiro psiquiatra brasileiro a receber reconhecimento internacional e não é exagero dizer que nenhum outro depois dele conseguiu alcançar sua proeminência e aceitação internacional. Notícias Publicadas sobre a viagem de Juliano Moreira
Ao Japão http://www.saude.ba.gov.br/hjm/index.php?option=com_content&id=254&Itemid=194 BRAZILIAN scholar arrives in Japan: famous scientist to study progress of medicine in Nippon. J times, 15 set. 1928. CONVEM ao Brasil a imigração Japonesa? a
palpitante enquête do "Diário de Medicina". Localiza um dos mais
altos problemas sociais da atualidade nacional Como pensa, a respeito, o prof.
Juliano Moreira. Diário de Medicina, p. 24-25, 25 out. 1926. DISTINGUISHED Brazilian visitors. Osaka
Maini & Tokyo Nichi Nichi. Osaka,
28 out. 1928. DR.MOREIRA
will leave Osaka for Kobe oct. 31: Brazilian visitor enternained by Osaka
hosts. Osaka Maini & Tokyo Nichi Nichi. Osaka,
31 out. 1928. FAREWELL to Japan's friends. Osaka Maini & Tokyo Nichi. Osaka, 22 dez. 1928. PLATA Maru. Japan Times, Nota, 12 set. 1928. REGRESSOU ontem de sua viagem ao Japão o Prof. Juliano Moreira. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 5 jun. 1929. VIAGEM do Dr. Juliano Moreira ao Japão: o Imperador Hiroíto distinguiu-o com a Ordem do Sagrado Tesouro do Japão. O Jornal, 15 dez. 1928. Trazemos a consideração dos nossos leitores duas manifestações de Juliano Moreira sobre o assunto da imigração japonesa. Não devem ser lidos como trabalhos científicos e sim, como manifestações pessoais. A entrevista para o jornal Nichi-Nichi é francamente laudatória e a apreciação sobre os imigrantes apologética, mesmo assim devem ser conhecidas por todos. 1.
Convém ao Brasil a imigração japonesa? Juliano
Moreira Dentre os
povos do Oriente o que melhor se adaptou aos chamados progressos do Ocidente
foi incontestavelmente o japonês. Em todas as ciências e até nas artes maiores
como nas menores, são inúmeros os filhos do Japão que tem distinguido,
como demonstram as reiteradas contribuições por eles publicadas, quer em
revistas europeias e norte-americanas, quer em revistas japonesas escritas não
só na língua daquele país, mas também em alemão, inglês, francês e ultimamente
o esperanto. A
circunstância de procurarem eles escrever em uma das chamadas línguas
universais, demonstra nem
só que eles desejam dar ao mundo seu contingente de trabalho intelectual como
ainda que não se esquivam a ação desnacionalizante do intercambio de ideias com
outros países. Assim sendo,
não sei por que não nos conviria a imigração japonesa? Não vejo
inconveniente na localização dos japoneses no vale do Amazonas, sobretudo se ao
Governo brasileiro ocorrer instalar nas proximidades dos colonos japoneses
núcleos de gente nacional ou proveniente de outros países de origem ocidental.
O essencial será o desbravamento, sem dúvida que lá afluirão elementos de outra
origem, tornando dentro em pouco mais habitáveis aquelas regiões que atualmente
tanto amedrontam operários e trabalhadores de toda a espécie e toda as origens. Os artigos de
propaganda contra a emigração para aquela região existem em todas as línguas de
povos que por excesso de população necessitam emigrar. A propósito
do cruzamento do japonês com o nacional, conheço um número considerável de
japoneses casados com estrangeiras, inglesas, francesas, belgas, alemães,
italianas e brasileiras, etc. Os produtos
destes casamentos são do ponto de vista ocidental, incontestavelmente mais
belos que o comum do tipo japonês. A capacidade de nacionalização destes
produtos ao país do progenitor não japonês é tão grande quanto à de qualquer
outro povo, dependendo apenas da capacidade de assimilação deste ou aquele
país. Temer a
imigração japonesa com receio de que não a assimilação, é descrer da capacidade
do brasileiro de incorporar o alienígena. E esta capacidade é, a meu ver,
inconteste. Não ser, talvez, o inglês, todos os outros povos anda aí, diluidos em nossa população, às vezes até com a perda
completa das características mais frisantes dos seus ascendentes, com a
aquisição das qualidades e até infelizmente dos defeitos de nossa gente. E isso
aumenta cada vez com o aumento paralelo de nossa confiança em nossa
nacionalidade. Ora, se os Schmidts e os Mullers, os Wagners e Hagendorns, os
Hasslocher, os Gaffrees e Guinles, os Porchat e Frontins, os Smiths e Darcys,
os Dodworths e Himes, os Marchezinis e Sicilianos, etc. etc. foram nacionalizados,
porque não o hão de serem os japoneses se os não isolarmos nós do convívio do
resto da nacionalidade brasileira. Eu mesmo já
conheço filhos de japoneses que não falam a língua de seus pais. Só conhecem a
nossa língua. É claro que no Japão há publicistas inquietos pela perda dos
elementos emigrados em favor dos países que os recebem. O mesmo,
porém, incorre em relação aos outros povos que são obrigados a emigrar. Os remédios
indicados para evitar esta ocorrência felizmente nenhum resultado tem dado. Os países que
recebem os imigrantes vão assim aproveitando os elementos que lhes chegam
tratando apenas os mais avisados de fazer a seleção individual dos ádvenas. Caso se
verifique este cruzamento as consequências serão boas e até excelentes, se
cruzarem bons elementos de um ou outro grupo, por isso que os tipos resultantes
dos cruzamentos estão quase sempre em relação às qualidades dos elementos que
se cruzam. Do estudo que há muito venho fazendo sobre cruzamentos em nosso
país, veio-me a convicção de que não devemos tirar regras absolutas
condenatórias de tais cruzamentos. Sob o ponto
de vista biológico e social não condeno a imigração japonesa, pelas razões já
alegadas, assim como porque sob o ponto de vista biológico estou certo de que o
japonês da segunda geração em diante, nascido no Brasil, será um brasileiro tão
afastado do tipo original como o filho e neto do português, do espanhol,
italiano, alemão, etc. nascido no Brasil que não se julgam
mais ligados, senão excepcionalmente, à pátria de seus pais e avós. Do
ponto de vista social não vejo perigo daquela imigração, porque se em seu país
de origem são os japoneses da máxima tolerância para as crianças um dos outros,
quanto mais os seus filhos nascidos em terras em que esta tolerância também
existe. Muitos supõem
que no Japão só há budistas, xintoístas. É certo que assim não é por isso que a
propaganda cristã ali iniciada por São Francisco Xavier deixou vestígios
inapagáveis e atualmente ninguém irá fazer desaparecer do solo japonês as
religiões cristãs. Grande
injustiça faz ao Brasil quem dos fatos ocorridos na Coréia tira conclusões a
nós desfavoráveis. Em primeiro lugar a proximidade entre o território japonês e
o coreano, torna incomparáveis os dois casos. Em segundo lugar aquele recanto
da Ásia, cujo atraso era enorme não tem senão tirado lucros inestimáveis do
interesse japonês pela sorte daquela região. Além disto
é sabido que desta mesma região provieram muitos elementos constituintes do
japonês da atualidade. Circunstâncias estratégicas, defesa do próprio Japão,
explica de sobra a necessidade de interessar-se esse país pela sorte da Coréia. Eis aí o que sinceramente penso destas questões, de acordo com as convicções que cheguei a ter sobre o assunto. Impressões de uma viagem ao Japão em 1928. (Moreira,
Juliano) Rio de Janeiro, Oficinas Reginaldo Neustadt, 1935. (Impressões do Japão (Conferência feita no Jornal
Nichi-Nichi em 28 de novembro de 1928). Depois de
percorrer o Império Nipponico de Norte a Sul, eu sentiria um imenso prazer em
externar com minúcias algumas de minhas impressões recebidas durante tão útil
travessia. Infelizmente o tempo de que posso dispor na presente palestra sem
fatigar o auditório do Tókio Nichi-Nichi não me permitira demorar-me demasiado
na tribuna sem abusar de vossa mui benévola attenção. Minha vinda
ao Japão teve dois principaes intuitos: 1º. Conhecendo por leituras múltiplas a
intensa atividade intellectual dos japonezes no seu firme propósito de
assimilar tudo o que houver de bom nos outros centros de civilização do mundo
inteiro, eu desejava de há muito ver de perto essa actividade, por isso que a
considero um exemplo digno de ser seguido por todos os povos que nutrem um
justo desejo de concorrer para a maior aproximação das varias nações da terra.
2º. Corresponder à extrema gentileza das varias Universidades do Império
Nipponico, assim como de varias associações medicas do Paiz que entenderam
convida-me para efetuar conferencias sobre cousas
relativas à minha especialidade e seus progressos no Brasil. Ao lado
desses dous intuitos tinha eu, o propósito de averiguar “de visu” até onde iam
as affinidades ethnicas do povo japonez com o povo de meu paiz, onde uma grande reserva de ente descendente dos
nossos aborígenes torna mais sympathica a vinda ao
Japão. A quem vive
no Brasil uma vinda ao Japão dá a frequente impressão deestar
a cada passo encontrando homens seus conhecidos, sobretudo no norte do meu paiz. E isto ocorre não somente pelo aspecto puramente anthropologico como ainda pela frequência de certos gestos
e attitudes nos actos da
vida quotidiana. Analoga impressão tem tido vários
japonezes ao atravessarem sertões de nossos Estados brasileiros sobretudo no norte do paiz. Destas e
outras circunstancias vae por certo resultar muito efficaz
para amb os os
povos a corente emigratória japoneza para o Brasil. Graças a extrema gentileza das autoridades do Imperio,
dos professores das universidades, dos collegas
médicos de todas as cidades por onde passei e de varias personalidades de
destaque social, consegui ver tudo, ou quase tudo que há digno de ser visitado atravez do Imperio nipponico. Bem natural
seria por certo que eu me interessasse sobretudo pelos
progressos scientíficos do paiz
e então minhas visitas às Universidades. Faculdades Médicas, laboratórios,
prestassem mais attenção à actividade
do trabalho scientífico dos scientistas
japonezes. Por toda a parte verifiquei desvanecido
que essa actividade tem as proporções que eu previra.
Por vezes os edifícios estão abaixo do apparelhamento
eficaz nelles contido e do alto merecimento e
inexcedível competência dos que lá dentro trabalham. Mas isto é bem melhor do
que possuir esplendidos edifícios, sem bom apparelhamento
e sem bons técnicos. Aos collegas japo0nezes que
chamavam minha atenção para a pobreza de certos edifícios em que continuavam a
trabalhar com devotamento, lembrando-me que o grande
terremoto ultimo, destruira muita instalação
excelente, alegrava-me eu em repetir o que há pouco vos disse. Muito melhor que
uma instalação luxuosa sem técnico competente do que um technico
perfeito numa instalação medíocre.E bem digno de nota
é aliás que a maior parte das grandes descobertas scientíficass
foram efetuados em laboratórios muito modestos. Claude Bernard por exemplo, o grande physiologista
francez, fez em modestíssimo laboratório uma grande
parte das pesquizas fundamentaes
da physiologia moderna. Nutro a convicção de que os pesquizadores japonezes, mesmo os
que não dispõem de grandes institutos, continuarão a supreender
o mundo com as suas pesquizas tão cuidadosas quanto
valiosas. O National Research Counsil, organizado em
1920 é uma organização do trabalho científico digno dos maiores applausos e do maior apoio não só dos poderes públicos como
ainda dos homens ricos do paiz que devem continuar a
mostrar sempre seu patriotismo digno dos maiores louvores, dando aquelle Instituto lementos cada
vez mais amplos para maior desenvolvimento das pesquizas
scientíficas tão úteis não somente ao Japão como
ainda o resto da humanidade. Concorrerá
assim o Japão com seu valioso contingente moral para a maior approximação e effetivo
congraçamento dos povos da terra. Não
mencionarei em especial os nomes de muitos pesquizadores
japonezes que tive a feliz opportunidade
de ver em actividade nos seus laboratórios, pois que
receio esquecer alguns e prolongaria demasiadamente a presente palestra. De um
deles porém seja-me permitido declinar o nome porque
representa o typo de pesquisador tão concentrado no seu
trabalho que a muitos se afigura por modéstia arredio do convívio do resto dos
homens, como se receasse o contacto danninho de gente
de preocupações fúteis. Refiro-me ao Professor Honda da Universidade de Sendai
a quem parece o jury da Universidade de Oslo vae
conferir um dos prêmios Nobel do anno corrente. Cito
de preferência Honda e não um dos pesquisadores dos vários ramos da medicina
para que não pareça que as affinidades de classe
inspiraram minha preferência e, citar um nome entre os grandes trabalhadores do
Imperio Nipponico. Um outro lado muito sympathico do
Japão moderno é seu carinho mui accentuado pela instrucção publica. Visitei escolas desde o Jardim de Infancia até as escolas medias e em todas recebi a maiss agradável das impressões sobre methodos
pedagógicos que vão sendo adoptados. Louvabilissima é
também a preocupação de cuidar o mais possívelde
melhorar cada vez mais o cabedal de saúde das creanças
e rapazes. Os gabinetes dentários installados nas
escolas novas, com a assistência sistemática aos dentes dos alunos merecem
especial louvor. Por toda a parte o velho preceito “mens sana in corpore sano” vae sendo aplicada com o
possível vigor de modo a melhorar de mais em mais a vitalidade sadia do
povo japonez, que só tem a lucrar e,m valer não
somente pelo numero mas ainda pela quantidade de cada um. Como membro
que sou da Sociedade Internacional de Hygiene Mental e Presidente de honra da
Sociedade brasileira de igual título, não poderia eu deixar de ver com muita sympatia todas as manifestações japonezas
em prol da hygiene mental. E por isso desde que
cheguei ao Japão não tenho perdido opportunidade de
visitar escolas e instituições tendentes a melhorar o padrão de saúde do
excelente povo que habita o Imperio. Há poucos
dias fui ver a exposição permanente de hygiene mental
feita no palácio da Cruz Vermelha onde, aliás, já existe uma
outra exibição permanente de hygiene geral. A
de hygiene mental agora posta à vista do público
merecia evidentemente, tão bem organizada está, tornar-se permanente para maior
aproveitamento dos japonezes que devem ser instigados pela imprensa de Tokio a lá irem e meditarem sobre tão instructiva
lição de cousas. A
benemerente Cruz Vermelha
japponeza por esses e outros serviços
que mantem, merece os mais calorosos applausos de
todos nós. Das visitas que fiz às suas diversas dependências em especial à
escola de enfermeiras, o hospital, a maternidade, levo
a mais agradável impressão. A direção da
Sociedade, representada por sua Excelência o Barão Hirayama, o
Marquez Tokugawa e as damas protectoras,
em nome da Cruz Vermelha brasileira e no meu próprio dirijo daqui minhas mais
sinceras felicitações por tudo que já tem obtido fazendo votos para que
realizem tudo que projectam realizar para maior gloria
de tão benemérita instituição. Entre os thesouros do Japão actual há um
que merece ser mais conhecido do que é dos forasteiros que aqui aportam.
Refiro-me à Bibliotheca Oriental Morison
Iwasaki. Denominou-a assim porque o Barão Iwasaki a isto fez jus, adquirindo a magnífica coleção de
livros e gravuras sobre a China e toda a Asia, feita
em Pekim, pelo Dr. Morison,
antigo correspondente do “Times”, acrescentando-lhe
novas acquisições que tornam a bibliotheca
referida uma das mais ricas fontes de estudo das cousas do Oriente. Com essa acquisição, hoje installada em
tão bom e valioso edifício, prestou o Barão Iwasaki à
capital do Imperio, um inestimável serviço que lhe
deve conferir sem nenhum favor o título de benemérito da cidade. Nos últimos
dias de minha estadia no Japão, um dos factos que mais me alegraram foi uma
visita à nova Bibliotheca da Universidade Imperial . Pode agora o Japão
orgulhar-se de possuir uma das mais bem installadas bibliothecas do mundo. É a certeza de uqe
o thesouro bibliographico
que alli vae ser guardado estará preservado de uqalquer destruição por meio de incêndio, causa a todos os
amigos do Japão, o mais intenso jubilo ficou ainda mais assignalado
Mem minha retentiva por uma circunstancia digna de nota. Apoz
três meses de estadia no Japão ainda não havia conseguido ver nitidamente o
monte sagrado “Fujiyama”. Do alto da Bibliotheca, de
repente divisei no horizonte sem nuvens de um dia glorioso, o olympico Fuji, coroado de neve, nítido e fulgurante sob um
céu transparente e límpido na suavidade do seu azul incofumdivel. Entre as
cousas dignas de serem exaltadas no Japão, está sem duvida a
cultura de perolas. /visitei com extrema satisfação o lugar principal em que se
effectua tal cultura. Ao Professor Miyajima que providenciou para que me fosse facilitada tal
visita, agradeço-lhe de público tamanha gentileza. Todos vos
sabeis o que é a empresa Mikimoto e os
extraordinários serviços por Ella prestados aos lugares em que estão as
estações de cultura de perolas assim como ao Japão inteiro que tamanho proveito
econômico tira dessa cultura. A memória do sábio Kakishi
Mitsukuri aos conselhos de Kishinoye
e Sasaki assim como a tenacidade patriótica de Kokishi
Mikimoto tenho o prazer de render aqui
a mais sincera homenagem. Entre as
grandes empresas industriaes do Japão merecem especial atenção, ao lado das duas grandes Companhias
de navegação ultramarina Osaka Shosen Kaisha e a Nippon Yusen Kaisha devo assignalar os estaleiros do Consortium Mitsubishi e as
minas de carvão Mike do Barão Mitsui, como dignos de nossa admiração sincera. Para o fim
deixei muito propositalmente uma palavra ainda que poucas sobre a imprensa do
Japão. Todos vós sabeis como se desenvolveu aqui esta força extraordinária que é a
imprensa. O paiz que possue
duas empresas como o Nichi-Nichi e o Asahi é
positivamente um alto centro de cultura intellectual
a que o resto do mundo não pode deixar de prestar o mais sincero preito da mais
profunda admiração e estima. A cada
momento indagam os amigos japonezes qual a cidade do
Japão que mais me agradara. Bem se vê a dificuldade de responder a tal
pergunta. Nunca devemos olhar as cidades varias que visitamos, com um só
prisma. As do Japão ainda mais que as do Occidente
porque aqui ainda se não deu a uniformização que no Occidente
é cada vez mais. Nara e Nikko pro exemplo, conservam todo o encanto de um cunho japonez
puro. Tokio e Osaka se occidentalizaram
mui rapidamente e acentuadamente. Kyoto, maravilhoso centro de arte nipponicas porque ellas não
precisam da minha vinda aqui para serem julgadas. São lindas no juízo do mundo
inteiro. Seria um sacrilegio opinar sobre a obra do creador da natureza. Permita-me a
Direção do Grande jornal de Tokio, Nichi-Nichi, que
eu aproveite a presente opportunidade
para agradecer de publico a extrema amabilidade com que fomos recebidos, Madame
Moreira e eu nesse maravilhoso paiz. Nós viemos do
outro lado do mundo certos do vosso bondoso acolhimento. Tendes porém sabido exceder à nossa expectativa. Às várias Universidades
e Faculdades do Japão em que tive a grande fortuna e não menor honra de fazer
preleções sobre assumptos de minha especialidade. A Sociedade de medicina, a de
psychiatria, à de neurologia de Tokio,
ás sociedades medicas de todas as outras cidades do Imperio,
sou muito grato pelo carinho cordial com que me receberam. A hora em
que vos fallo, meus compatriotas mal despertam do somno reparador das fadigas cotidianas. Enquanto elles repousamé preciso que os
que estão longe da Patria trabalhem pelos ideaes communs. Entre ellles está sem dúvida a confraternização sincera dos povos
do mundo inteiro. Partidario convicto deste ideal estou sempre ao serviço de qualquer forasteiro que vive
entre nós. Se o forasteiro vem deste Oriente radioso donde veio outrora a mais
intensa luz, eu recebo como um emissário de um passado glorioso. Se desse
Oriente provem elle do Japão minha alegria pé ainda
maior, pois que que vós outros daes
ao mundo um exemplo de uma inesgotável força de vontade e de uma extrema confiança
no trabalho contínuo e methodico. Tendo eu no momento
de ser o Presidente da Academia Brasileira de Sciencias
e Vice-Presidente da Academia Brasileira de Medicina, peço-vos permissão para
considerar como endereçadas a minha pátria e as sociedades sabias de lá, as
amabilidades que me tem sido dispensadas pois que não
sou mais do que uma parcella mui insignificante do
Brasil, ao qual levarei as boas palavras que aqui me têm sido dirigidas. (Foi
mantida a grafia original). Uma das
manifestações de Juliano Moreira pode ser encontrada na Revista Latinoamericana
de Psicopatologia Fundamental ( Rev. Latinoam. Psicopat. Fund. 2005, VIII, 2, 364-369) A seleção
individual de imigrantes no programa da higiene mental É uma reprodução do artigo com o mesmo nome publicado nos Archivos
Brasileiros de Hygiene Mental, anno I, p. 109-115,
março de 1925. No artigo era examinada a questão dos imigrantes doentes e era m
sugeridas medidas semelhantes às dos Americanos do Norte que estavam alarmados
com o número de imigrantes
doentes. Num trecho ele cita: “Em uma
estatística de dez anos (1905-1914) de pacientes admitidos no Hospital Nacional
para tratamento de doenças mentais, verificamos que em 7.212 alienados homens,
2.258, isto é, mais de 31% eram estrangeiros. Depois daquela data, a proporção
tendendo a aumentar de modo assustador, achei de bom
alvitre ampliar o serviço de assistência externa aos pacientes que pudessem ser
tratados em domicílio, vindo apenas à consulta no ambulatório do Hospital.” Para encerrar, mesmo sendo um pouco repetitivo, transcrevo uma parte de
um artigo publicado por Oda no Psiquiatria online
Brasil. Dezembro de 2001 - Vol.6 - Nº 12 História
da Psiquiatria: A
teoria da degenerescência na fundação da psiquiatria brasileira: contraposição
entre Raimundo Nina Rodrigues e Juliano Moreira . Ana Maria Galdini Raimundo Oda III- Juliano Moreira e as causas da degeneração do povo brasileiro Juliano Moreira (1873-1933), nascido na Bahia, é também designado fundador da disciplina psiquiátrica no Brasil (diria que, como Nina Rodrigues, ele ocupa lugar entre os "mitos de origem" da disciplina). Alguns dados biográficos são relevantes: era mulato, de família pobre, precocemente ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, graduando-se aos 18 anos (1891). Já em 1896, era professor substituto da seção de doenças nervosas e mentais da mesma escola. De 1895 a 1902, freqüentou cursos sobre doenças mentais e visitou muitos asilos na Europa (PASSOS, 1975; CARVALHAL, 1997). Dirigiu o Hospício Nacional de Alienados de 1903 a 1930 e, embora não fosse professor da Faculdade de Medicina do Rio, colaborou na formação de muitos de seus alunos. Ao seu redor reuniram-se médicos que viriam a ser organizadores de diversas especialidades: neuropsiquiatria, medicina legal, pediatria e clínica médica, tais como Afrânio Peixoto, Antonio Austregésilo, Francisco Franco da Rocha, Henrique Roxo, Fernandes Figueira e Miguel Pereira, entre outros (LEME LOPES, 1964). Sua obra escrita é extensa: no início da carreira publicou estudos nas áreas de sifiligrafia, dermatologia e infectologia. Depois, concentrou-se na área de neuropsiquiatria, escreveu sobre modelos assistenciais e sobre a legislação referente aos alienados, discutiu a nosografia psiquiátrica, estudou as histórias da medicina e da assistência psiquiátrica no Brasil. Sua correspondência com Emil Kraepelin mostra ainda outra faceta sua, o interesse pela psiquiatria comparada (DALGALARRONDO, 1996). Juliano Moreira também opinou sobre a questão da degeneração do povo brasileiro: porém, ele recusou-se a atribuir à mestiçagem a sua causa, especialmente no que se referia a uma suposta contribuição negativa dos negros na miscigenação. A posição de J. Moreira era minoritária entre os médicos, nas primeiras décadas do século XX, quando polemizou sobre o assunto com Nina Rodrigues (MOREIRA, 1908, 1922). Outra posição sua, divergente da de muitos alienistas, era a negação de que existissem doenças mentais próprias dos climas tropicais (MOREIRA & PEIXOTO, 1906). Ressalte-se que a teoria da degenerescência nunca foi colocada em questão por Juliano, mas sim os seus fatores causais. Para ele, na luta contra as degenerações nervosas e mentais, os inimigos a combater seriam o alcoolismo, a sífilis, as verminoses, as condições sanitárias e educacionais adversas; o trabalho de higienização mental dos povos, disse ele, não deveria ser afetado por "ridículos preconceitos de cores ou castas (...)" (MOREIRA, 1922). Lembremos que, de meados do século XIX até cerca de 1920, o Brasil se definia pela raça, isto é, as discussões sobre o caráter nacional e o futuro da nação passavam pela solução dos problemas atribuídos à miscigenação do povo brasileiro. Já a partir das décadas de 1910/20, o foco passa gradativamente para as doenças do povo brasileiro: o isolamento geográfico, as infestações por doenças parasitárias (como ancilostomose e doença de Chagas) e a triste situação sanitária das populações interioranas explicariam seu atraso e sua apatia (LIMA & HOCHMAN, 1996). Consoante com esta crença no papel redentor da ciência, Juliano Moreira defendeu que a função mais importante da psiquiatria era a profilaxia, a promoção da higiene mental e da eugenia (ODA & DALGALARRONDO, 2000, 2001). Sobre tal ponto, deve-se ressaltar que a eugenia defendida por J. Moreira (assim como por vários neuropsiquiatras a ele ligados) não era uma eugenia racista. Sem dúvida, seu projeto médico tinha um caráter intervencionista, mas não pode ser identificado à ideologia eugênica nazista. Na falta de melhor termo, a chamamos de uma eugenia sanitarista - e este é um ponto da história da psiquiatria brasileira que está a merecer melhores estudos.
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