Maio de 2013 - Vol.18 - Nº 5 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Maio de 2013 - Vol.18 - Nº 5 História da Psiquiatria JOSIMAR MATA DE FARIAS FRANÇA (1950-2013) Walmor J. Piccinini Muito antes dos Congressos
Brasileiros de Psiquiatria que iniciaram em 1970, existia o Congresso da
Sociedade Brasileira de Psiquiatria Neurologia e Higiene Mental (SBPNH),
fundada em 1938 por Ulysses Pernambucano. Era uma entidade do Nordeste que se
expandiu nacionalmente. Desde o congresso de 1965 muitos psiquiatras do Rio
Grande do Sul passaram a comparecer aos congressos da SBPNH. Segundo Othon Bastos
em seu artigo sobre vida associativa brasileira em que tive pequena
participação (http://www.polbr.med.br/ano01/wal0101.php) “O primeiro Em Além de ativo participante
das atividades políticas, Josimar era cantor e na juventude participou de
diversos festivais universitários. Chegou a vencer em dois deles. Seu conjunto
animava as festas de Maceió. Há dois anos, retornando de Brasília, reuniu os
antigos companheiros e retomou a atividade musical. O grupo chegou a realizar
um show num programa de TV. Sua volta a Maceió está muito ligada ao casamento
com Fátima Torres e as delícias da Praia do Francês ou da sua casa na Praia de
Lajes em Porto de Pedras AL. Além das informações sobre sua vida artística
Fática deu o seguinte depoimento: “era uma pessoa muito
generosa, ético e decente, um marido amoroso e presente e um excelente pai,
muito solidário com os amigos e família. Adorava viajar e ir a restaurantes.
Tinha muito orgulho de sua profissão e de sua história e paixão pela ABP, além
de ser um médico muito acessível e preocupado com os seus pacientes”. Seu filho
Fábio era motivo de orgulho. Atleta, psicólogo, apaixonado pelo karatê, era
motivo de comentários entusiasmados. Nasceu em 11.06.50. Faleceu em 21.04.2013. Não chegou a completar 63
anos. Estava feliz na sua vida em Maceió, com Fátima e a seus amigos de longa
data. Passava muitos dias numa praia paradisíaca. Aposentado, não deixou de
enfrentar novos desafios, voltou à prática clínica e foi novamente eleito para
a Associação Alagoana de Psiquiatria. Sua história pessoal é muito rica, embora sempre
fosse um a pessoa de hábitos simples. Em 1967 terminou o segundo grau na Escola
Estadual Moreira e Silva. Formou-se na UFAL em 1975. Depois de alguns anos em
Maceió mudou-se para Brasília onde logo se destacou como articulador e líder.
Teve cinco mandatos na Associação Psiquiátrica de Brasília e durante quase
cinco anos foi diretor da Faculdade de Ciências da Saúde (1989-1993). Por esta época começou sua ligação com o
atual presidente da ABP, Antonio Geraldo da Silva que sobre ele declarou: “ele será lembrado eternamente como professor e clínico respeitado, e especialmente
por ser um grande amigo de todos. “Josimar foi meu professor, meu amigo e meu
mentor. "Foi ele quem me trouxe para a vida associativa e me contagiou com
a veemência com que defendia a ABP e a psiquiatria brasileira conclui o atual
presidente da ABP”. Josimar França foi presidente
da ABP após participação em diferentes diretorias, já o Antonio Geraldo rompeu
com a rotina da sucessão na ABP e foi eleito numa chapa de oposição. Se fosse
uma dupla de tênis, Josimar jogaria no fundo da quadra e o Antonio Geraldo
seria o jogador mais agressivo junto à rede. Os dois formavam uma boa dupla e
como gosto de uma expressão do Luis Salvador, “eram irmãos por escolha mútua”. Na sua
atividade como presidente da ABP (2004-2006) destaco a Residência de três anos,
obtida no seu mandato. O enfrentamento com o Ministério da Saúde, francamente
antipsiquiátrico e antipsiquiatra e a produção das DIRETRIZES PARA UM MODELO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL Sabíamos que tinha problemas
de saúde desde que, em pleno congresso de Curitiba, teve uma leve isquemia e
não pode comparecer ao congresso que seria seu momento de glória. Depois disso,
sempre que o encontrava, ele me relatava seus problemas. Havia preocupação, mas
nada que pudesse prever um desfecho tão rápido.
Em 21 de abril de 2013, dia do aniversário da sua e da nossa Brasília, a
notícia do falecimento do Josimar explodiu nas diferentes mídias. Lembrando sua participação nos grandes debates da psiquiatria brasileira
extraí de uma entrevista ao Jornal Brasiliense de Psiquiatria uma resposta de
Josimar a pergunta: O que é preciso fazer para
assegurar um tratamento digno no atual modelo de assistência psiquiátrica no
Brasil? A ABP entende que deve haver uma
reformulação do modelo de assistência psiquiátrica que é ofertado no Brasil
hoje. Esse modelo de assistência é antigo. Nós vislumbramos um atendimento mais
moderno, mais eficaz e de boa qualidade. Que seja mais próximo da comunidade,
mais próximo do paciente, de sua família, buscando a integração com associações
não governamentais ou governamentais e, com isso, ajudando a reabilitação plena
dos pacientes. A reformulação é posição marcada e já definida pela ABP. Porém é
preciso chamar a atenção para uma questão séria: há uma rapidez dos órgãos
públicos, principalmente do governo federal, em fechar leitos e não colocar
serviços substitutivos que correspondam na mesma dimensão à assistência do
paciente. Isso provoca uma desassistência, uma falta de cuidados com o paciente.
O paciente não vai ter como ser atendido já que se fechou um leito e não há
oferta de outro serviço como um Centro de Atenção Psiquiátrica (CAPs). Não há como fechar todos os leitos
psiquiátricos. Há que se ter uma necessidade de bons leitos psiquiátricos. Os péssimos que sejam fechados. Os bons devem existir, sejam eles no
serviço público ou no serviço privado. No serviço privado, em convênios com o
SUS. No serviço público, sendo ofertado aquilo que a população mais carente
precisa. Isso que é importante. Como eu acabei de afirmar, a ABP é
contra todo e qualquer tipo de leito de má qualidade. É preciso que não se tome
o fechamento de leitos como sendo uma bandeira política e sim como uma
prestação de serviços à comunidade – desde que haja novos serviços em
substituição aos leitos fechados. Estamos defendo o aperfeiçoamento do
atendimento psiquiátrico, mas que não haja um viés ideológico e corporativista.
Que não se misture a qualidade da assistência com questões relacionadas ao
corporativismo.
O grande equívoco da política de
saúde mental * Por Josimar
França (Presidente da
ABP) O Programa de Saúde Mental do Ministério
da Saúde apresenta um grande equívoco que impede qualquer avanço nessa área.
Seu planejamento foi desenvolvido a partir de antigos preconceitos e com viés
populista. Por desinformação ou interesses ocultos, os dirigentes do programa
conseguiram desmantelar esforços de muitos anos, promovidos por pessoas
realmente comprometidas com a saúde mental. O equívoco começou a se desenhar quando
elegeram como prioridade a “desospitalização” de pessoas portadoras de
transtornos mentais. Para justificar essa atitude, obviamente, foram obrigados
a adotar o discurso de que a internação psiquiátrica não é um procedimento
adequado, o que não é verdade. A psiquiatria precisa de internações e
atendimento em centros especializados tanto como a ortopedia e a cardiologia. A argumentação oficial nesse sentido,
porém, fugiu de critérios clínicos e foi fundamentada na percepção equivocada,
construída durante anos, de que todos os internos em unidades psiquiátricas
sofrem maus tratos. Para isso ressuscitaram o conceito de manicômio e toda a carga
pejorativa que acompanha a palavra. Dessa maneira, a discussão ganhou todo o
aspecto sensacionalista que essa abordagem é capaz de despertar. Animados com a
repercussão, os servidores resolveram encenar o roteiro. Para materializar a
mensagem de sucateamento da área de saúde mental, passaram a contingenciar
recursos e, consequentemente, muitas instituições fecharam as portas e o
atendimento começou a enfrentar dificuldades graves em razão da asfixia
financeira. E foi essa situação que teve destaque na mídia. Em seguida, numa movimentação batizada de
“reforma psiquiátrica” (como se a especialidade médica necessitasse de
reforma...), fecharam leitos em hospitais públicos, vejam bem, públicos, e
posaram de “salvadores da pátria” para os flashes. Quem precisa de reforma é o
modelo assistencial e não os médicos. Na mais recente medida em busca da unção
popular, atraíram a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República para a assinatura de uma portaria interministerial que trata de saúde
mental. Mais explícito o objetivo, impossível. Conseguiram oficializar a
relação entre tratamento de transtornos mentais com os maus tratos. O resultado disso tudo, que não aparece
nos jornais, é preocupante. O Programa de Saúde Mental ignorou anos de pesquisa
científica que atestam a internação como procedimento adequado. Em muitos casos
trata-se da única medida indicada. A Coordenação de Saúde Mental do Ministério
da Saúde também não considerou que a psiquiatria, como qualquer outra
especialidade médica, utiliza-se de procedimentos com diversos graus de
complexidade, desde uma simples consulta até intervenções cirúrgicas e
internação. Não atentaram ainda para o atual nível da
psiquiatria brasileira, que se esforçou durante anos para formar profissionais
capacitados, desenvolver pesquisas e aparelhar instituições para que os
tratamentos, inclusive à internação, fossem conduzidos de maneira apropriada em
locais adequados, como existem em todo o Brasil, alguns serviços públicos
estaduais, serviços em universidades conceituadas e ou de instituições
filantrópicas que funcionam muito bem. Além disso, bem a maneira das resoluções
casuísticas, o plano governamental não apresentou alternativas viáveis para a
continuação do tratamento dos pacientes desalojados com o fechamento dos
leitos. Muitos simplesmente voltaram para casa e ficaram sem assistência
médica, pois o modelo apresentado pela Coordenação de Saúde Mental mostrou-se
caro e de difícil implementação, sem contar a política equivocada de
medicamentos importantes que não são custeados durante a internação e em alguns
casos, não são oferecidos á população nem mesmo no ambulatório ou em qualquer
outro equipamento de saúde. Porém, o pior estrago é impossível de
medir Atualmente o estigma foi estimulado contra
doentes, familiares e até médicos. Esse sentimento impede a socialização dos
pacientes, fator fundamental em sua recuperação; dimensiona o problema para as
pessoas próximas e desestimula os profissionais da área. Nos últimos anos, as sugestões dos
psiquiatras foram sucessivamente desconsideradas pela Coordenação de Saúde
Mental do MS. Representados pela Associação Brasileira de Psiquiatria, a classe
defende a necessidade urgente da promoção de campanhas de esclarecimento
público. A sociedade precisa ser informada sobre os diversos aspectos dos
transtornos mentais e seu tratamento. Qualquer política será inócua enquanto se
considerar os doentes como “loucos” passíveis de exclusão. E esse é apenas o
primeiro passo para colocar o barco na direção correta e recomeçar do zero. Estimativas demonstram que 15% da
população convivem, conviveu ou conviverá, com transtornos mentais. Incluindo
nessa estatística os familiares, que sofrem tanto ou mais por conta do
preconceito, é possível afirmar que o problema atinge grande parte dos
cidadãos. Atualmente a maioria dessas pessoas, por falta de informação, é
incapaz de lidar com a situação de maneira equilibrada, e grande parte dos
doentes, em consequência de ações governamentais equivocadas, não recebem o
tratamento adequado. Concluindo estas breves linhas sobre
Josimar França esperamos ter dado uma ideia do que foi este apaixonado pela
psiquiatria brasileira que estará sempre em nossa memória.
|