![]() ![]() Maio de 2013 - Vol.18 - Nº 5 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Maio de 2013 - Vol.18 - Nº 5 Psiquiatria na Prática Médica
ORGANICIDADE E CULTURA EM PSIQUIATRIA Prof. Dra. Márcia Gonçalves Transtornos Mentais continuam apresentando uma taxa de prevalência em
torno de 20% da nossa população, ocupando o quarto lugar nos gastos com
internação do Sistema Único de Saúde (SUS), abaixo apenas das doenças
Cardiovasculares; Gravidez, Parto e Puerpério e Doenças Sistema Respiratório. Nós sabemos que os valores culturais e o sistema social influenciam a
manifestação da doença mental e deveriam participar também do seu processo de
recuperação As manifestações psiquiátricas nas diferentes culturas utilizam
disciplinas como psiquiatria epidemiológica, antropologia médica e psicologia
transcultural para o entendimento destas manifestações. Mas, apesar do olhar multifatorial O enfoque biológico sobre os sintomas
mentais, através de medicações, está longe de ser a solução para compreensãos dos fenômenos comportamentais, e igualmente
ineficiente é o enfoque exclusivamente psicológico. Um dos fatores relevantes para o sucesso do modelo médico da psiquiatria
também é A questão financeira , que em países e comunidades com vulnerabilidade
social passam a ser um fator limitante para um trabalho psicoterápico
individualizado. A escassez de recursos financeiros que possibiletem
a contemplação toda a gama emocional envolvida em manifestações
psicopatológicas atraves de psicoterapias dão
abertura às manifestaçoes religiosas e a ritos
culturais, que muitas vezes, é o único acesso de uma escuta real de muitos
enfermos. Quem não tem poder aquisitivo não tem possibilidade de realizar um
tratamento individualizado, principalmente se ele for longo. Entretanto, paradoxalmente, comunidades com menos recursos acabam sendo
mais salutares para portadores de patologias mentais. Em 1998 Bassit e Louzão Neto mostram que você
tem maior chance de ficar deprimido ou louco num país de primeiro mundo do que
num país como Brasil, Peru, Índia, apesar do melhor acesso da população
daqueles países aos serviços de saúde. Num outro estudo, onde foi realizado um segmento de 5 anos do IPSS (International Pilot Study of Schizophrenia)
mostrou-se que o curso do quadro esquizofrênico foi mais benigno em países
"subdesenvovidos", com maior número de
remissões completas e menor número de pacientes cronicamente psicóticos.
(BASSITT & LOUZÃO NETO, 1998). Se diante de fatos não existem argumentos o que nos intriga é exatamente
o verdadeiro ponto de convergência onde a cultura tangencia a patologia e o
físico, e onde está este ponto de encontro entre o físico e o social/cultural,
que tem uma ação tão determinante na melhora ou na piora de um quadro
psiquiátrico. Hoje,sabemos, cientificamente, que este ponto de tangência tem suas
bases estruturadas na neurotrasnmissão e modulação
neuronal. Desta maneira se apesar de não termos ainda toda a compreensão dos
mecanismos da neurotransmissão, já podemos constatar que um dos mecanismos mais
importantes da regeneração neuronal, que é a neuroplasticidade,
já desponta como carro chefe das explicações etiológicas da doença mental. Além disso a neuroplasticidade abre uma brecha
relevante para a compreensão de como e onde a cultura, as vivências pessoais e
individuais interferem neste processo de neurotransmissão, ou seja, aponta o
ponto de intersecçao entre o orgânico e o cultural. Para tentar explanar esta questão temos que enveredar pelos conceitos de
rito, cultura globalizada, e neurotransmissão. Sobre os ritos, nos mantendo nos limites sociologicos,
temos os os "ritos de passagem", e podemos
inferir que a sociedade empresta a seus membros, uma forma de amenizar a
ansiedade frente a questões desconhecidas, como: de onde viemos e para onde
iremos após a morte. No rito, a história de uma sociedade é remodelada e atualizada numa
linguagem simbólica, e a estrutura social é relembrada e reconstruída durante a
execução ritualística. Nos rituais, Os membros de uma sociedade imergem nas danças, cantos,
vestes, pinturas e outras expressões, e desta forma modelam o significado e
reconstroem a história do povo. Os rituais constituem um alicerce simbólico de toda uma vivência
coletiva,que foi construída pelo povo, aceita, reverenciada e agem como uma
sensação acolhedora de união, delineando , desta forma o conceito de
pertencimento. O pertencimento e o aconchego do grupo também possui força simbólica que
alivia as inseguranças e atuam na intersecção dos aspectos psicológicos e
possivelmente nos orgânicos. É por isso que o rito se torna eficiente. As sociedades se modernizam,
mas não abandonam totalmente alguns de seus ritos. Alguns autores, com ampla visão dos processos que podem acarretar um
distúrbio psicopatológico, atribuem á cultura os mecanismos compensatórios da
sociedade frente a sucessivos choques e perdas. Um ponto crucial na modernidade é o que Barreto (1993) explicou que, a
medida que os mecanismos culturais estão sendo destruídos com o advento da
modernidade, os tratamentos biológicos se impõem. Ainda esse autor alerta para a importância de se considerar os aspectos
culturais no tratamento para recuperação e integração do indivíduo. O luto, por exemplo, é um ritual da qual a sociedade moderna vem
deixando de dar o seu devido valor. É através do luto, que o indivíduo expõe sua dor para a sociedade e tem
a chance de seu compadecimento, como também de receber dela a experiência para
enfrentar a importante perda. Sob um outro olhar , se apreciarmos o modelo psiquiátrico num continuum histórico veremos que em 1899,
temos um direcionamento da neurologia para a psiquiatria, e em 1999, da
psiquiatria para a neurociência. Atualmente este movimento bidirecional segue os passos da cientificidade
e começam a ser descartadas as antigas crenças destituídas de metodologias
replicáveis para uma nova forma de avaliar e descrever os sintomas
comportamentais, ou seja, já se pode inferir que existe uma intersecção do
orgânico influenciando no comportamental e vice versa. A plasticidade neuronal amplamente citada por Sthal
no capitulo do livro Psicofármacos em 2010, e em
milhares de trabalhos em todo o mundo, é uma área de estudo tão promissora, que
mesmo sem todas as pedras do quebra cabeça, já consegue esboçar uma explicação
sobre a tangencialidade das vivencias psicológicas e
aquisição cultural. Assim, a neuroplasticidade determina
modificações neuronais que amenizam a sintomatologia psiquiátrica. Além disso,
podem resgatar todo o comportamento individual, e a qualidade de vida, através
dos mais diversos estímulos. Os estímulos que influenciam na plasticidade neuronal e o
desenvolvimento de novas redes neuronais podem ser diversos, e, como exemplo, podemos
citar as psicoterapias, a aprendizagem formal e de artes, e o uso de psicofármacos . Talvez tudo isso seja o início do fim deste movimento pendular ao qual a
psiquiatria parecia estar condenada a viver, em função de estar o objeto de
seus estudos efetivamente dois campos diversos, o orgânico e o simbólico. A neuroplasticidade, como consequência do
aumento da rede neuronal estimulados pelos diversos fatores culturais e sociais
pode ser o ponto de intersecçao que diminui o abismo
entre a psiquiatria organicista versus psiquiatria "dinâmica", a
psicogênese contra a organogênese da doença mental. O desafio que devemos enfrentar é justamente poder integrar estes dois
campos, o que nos permitirá utilizar os diversos conhecimentos por eles
produzidos. No momento pendular em que vivemos, com a primazia quase exclusiva do
tratamento farmacológico, a escuta do sujeito que sofre, do paciente, estava quase
totalmente abandonada. A ciência da interface entre a recuperação da rede
neuronal, desencadeada pelas psicoterapias, aprendizagem, etc,
reafirmam a importância da cultura e de todos os processos sociais e simbolicos, como a história, as religiões , os rituais, a
educação no processo de recuperação das patologias psiquiátricas. A pesquisa da plasticidade neuronal tem como metodologias a neuroimagem
funcional e as novas, entre outras e estas descobertas tecnológicas lançam
luzes sobre qual caminho as pesquisas psiquiátricas vai se deslocar Um artigo de Fernando Portela Câmara, intitulado Psiquiatria
Transcultural Brasileira: Seitas Espiritistas e Saúde Mental Coletiva, refere: “O saber psiquiátrico, como todo o saber médico em geral, é hoje
essencialmente um saber acadêmico gerado em sua maior parte nos países do
Primeiro Mundo, com paradigmas espelhados em sua realidades e teorias
socioculturais e econômicas que influem nos modelos médicos assistenciais e nas
teorias aplicadas à saúde mental.” Assim, epistemologicamente falando, no dia de hoje a resposta para a
questão do ponto de convergência entre a cultura e a organicidade aponta para a
neuroplasticidade. Outras vias de estudo apontam para os estudos genéticos e em pouco tempo
devem fazer parte das considerações
sobre a etiologia das doenças mentais. Mas naturalmente estas idéias ainda precisam ser refletidas com muita
parcimônia. ![]()
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