Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Junho de 2009 - Vol.14 - Nº 6 História da Psiquiatria O Asilo Terapêutico, uma experiência brasileira. (Apreciação do Relatório do Dr. Carlos Lisbôa à Direção da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, em 1884).(II) Walmor J. Piccinini O século XIX, para os habitantes do extremo sul do Brasil, foi um século de guerras, de lutas fratricidas e de construção de um Estado que desfruta de uma posição destacada na comunidade de Estados brasileiros. No início do século tivemos as guerras para estabelecer os limites do Estado e das fronteiras do Brasil. De 1835 a 1845 a guerra dos Farrapos e constituição da República Rio-grandense, no período de 1865-70, grande participação na Guerra do Paraguai. Em 1892-93 a revolução federalista. No meio dessas batalhas ia se consolidando a posição da cidade de Porto Alegre, como centro econômico e cultural do Estado. E entre uma guerra e outra, foi construído o Hospício São Pedro. O Professor Décio Soares de Souza, catedrático de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Porto Alegre (1942), faz questão de destacar que a iniciativa se deveu ao Partido Liberal de Gaspar Silveira Martins, que em 1877 apresentou um projeto, depois transformado em lei pela Assembléia Provincial, autorizando a criação de uma instituição destinada ao abrigo dos doentes mentais. Cita ele o Relatório de 1884, do Provedor da Santa Casa, o Coronel Joaquim Pedro Salgado, apresentado como ilustre liberal: “Vivendo ou como presos – encarcerados na Cadeia civil desta cidade, ou em quartos úmidos e infectos desta Santa Casa, ou abandonados e errando expostos ao riso e desprezo da população; os loucos na nossa província viviam seqüestrados da sociedade, parecendo terem deixado de fazer parte da humanidade, não tinham tratamento algum, não mereciam cuidados e a sorte deles a ninguém preocupava”. Em 29 de junho de 1884, com parte da sua estrutura construída, foi inaugurado o Hospício São Pedro, orgulho dos Porto-alegrenses. Segundo o “Fiscal Honorário”, Felicíssimo de Azevedo: “Se nada mais tivermos para mostrar aos estrangeiros que nos visitarem senão o Hospício de alienados mereceremos, por certo, os elogios a que temos direito, como um povo civilizado e humanitário”. (DS-1942). O Presidente da Província entregou à Santa Casa de Misericórdia a administração do Hospício e solicitou que providenciasse as medidas necessárias à sua inauguração. O Provedor da Santa Casa nomeou uma Mesa Administrativa do Hospício composta pelos senhores Dr. Severino de Freitas Prestes, Antonio Soares Amaya de Gusmão, João Batista Sampaio, Augusto Cesar Fernandes Eiras e Joaquim Francisco Souza Mota. A essa Mesa ficariam subordinados o administrador, Tte Cel. Antonio Augusto da Costa e o médico diretor do serviço sanitário, Dr. Carlos Lisboa. O governo da Província comprometia-se a fazer face às despesas de sustento, cabendo a Santa Casa apenas a administração, sem qualquer ônus. Para a transferência dos primeiros pacientes, 24 homens e 17 mulheres, O presidente da Província entregou para a Santa Casa a quantia de 3:000$000 (três contos de réis). Desses 41 pacientes, 25 vieram da Santa Casa e 16 da Cadeia Civil. O Hospício São Pedro despertou o interesse de muitos historiadores e temos sobre ele uma série de artigos e teses, pouco se conhece sobre a história do seu primeiro diretor e sobre isso trata esse nosso artigo. Segundo o Dr. Décio Soares de Souza, psiquiatra, psicanalista e catedrático de psiquiatria pela Faculdade de Medicina da UFRGS, o Dr. Carlos Lisboa, pelo seu trabalho na assistência aos doentes mentais, deve ser considerado o patrono da psiquiatria sul-rio-grandense. O exame da vida e obra desse grande médico me deixa muito à vontade em concordar com essa colocação. Vamos à história. O Dr. Carlos Lisboa nasceu em Porto Alegre, no dia 16 de junho de 1859. Filho do Comendador Francisco Pereira da Silva Lisboa e de Dna. Juliana de Azambuja Lisboa. Seu pai era homem de recursos, participou da funda cão da Beneficência Portuguesa e pode enviar o filho para estudar medicina no Rio de Janeiro. Sua formatura ocorreu em 22 de dezembro de 1881 e sua tese de doutoramento foi na área da cardiologia. Aos 23 anos iniciou uma fulgurante carreira médica em sua terra natal. Foi Delegado especial da Inspetoria geral de Instrução Pública do Rio de Janeiro. Inspetor de Saúde Pública no Rio Grande do Sul e Diretor do Lazareto de variolosos durante a epidemia de 1882. Seu trabalho chamou a atenção do Provedor da Santa Casa que o nomeou diretor do hospício. Eram poucos os médicos de Porto alegre e existe uma historia não confirmada que sua escolha para o cargo teria sido por voto popular em concurso organizado por um órgão da imprensa. Sua vida foi curta, e nos últimos quatro anos dedicada ao Hospício São Pedro. Faleceu em 26 de abril de 1888 em consequência de abscesso cerebral. O Dr. Olinto de Oliveira, pediatra, professor e quem o substituiu no cargo, assim se referiu ao fato. “E nos fins de abril, deixava de existir o Dr. Carlos Lisboa, o amigo prestativo, o médico inteligente, que foi o primeiro a introduzir nesta província a clínica psiquiátrica, e o primeiro diretor do Hospício são Pedro, de cujo serviço sanitário pode-se dizer que foi o fundador”. Ao lermos o Relatório do Diretor do Hospício São Pedro fomos descobrindo algumas das idéias que norteavam a atividade psiquiátrica de Carlos Lisboa e admirado da atualidade das mesmas. Vamos colocá-las em destaque: A idéia de detectar patologia mental antes de internar um paciente, com isso evitar que problemas sociais fossem levados para dentro do hospício. Para isso criou um Serviço de Admissão de Psicopatas (doentes mentais). A condenação do uso de contenção física, de camisa de fôrça ou de amarras, evidenciada na idéia de celas acolchoadas para que os pacientes não se ferissem ao se debater. A preocupação com os salários dos enfermeiros, pois com baixos salários cairia o nível do atendimento. A queixa que as enfermeiras mulheres eram injustiçadas, pois faziam o mesmo trabalho que os enfermeiros homens e ganhavam a metade. As incertas que dava indo ao hospital durante a noite para acompanhar o que acontecia com os pacientes. Os enfermeiros se trancavam nos seus quartos e não viam os pacientes. Não é de estranhar, não havia luz elétrica, eram 3 enfermeiros e cerca de 100 pacientes. No cair da noite, todos se escondiam. A criação de um ambulatório que atendia o Bairro onde se situava o hospício e, também, atendia os familiares dos funcionários. A luta permanente para que os pacientes viessem acompanhados de uma história clínica adequada, evitando o simples despejo de homens sem identidade no hospício. No próprio relatório se diz seguidor dos ensinamentos de John Connoly, médico inglês que propagou a idéia de “no restraint” para os doentes mentais e defendia um diagnóstico de doença mental para a pessoa ser internada. Esse fato nos trás uma diferente perspectiva para a nascente psiquiatria brasileira que, de modo geral é considerada uma filha da psiquiatria francesa de Pinel e Esquirol e depois tendo sofrido a influência da psiquiatria alemã por obra e graça de Juliano Moreira. Tenho em meu poder a reedição do livro de John Connoly de 1830 “The Indications of Insanity” o que me permitiu detectar sua influência no primeiro diretor do hospício e, talvez, o primeiro psiquiatra do Brasil. Nas próprias palavras de Carlos Lisboa: “Adepto fervoroso do sistema inglês de Conolly, pondo-o em prática constantemente, julgo, entretanto que o isolamento na célula é um grande meio, quando empregado a tempo e com critério”. Quando se imagina maneiras civilizadas de tratar os enfermos, podemos encontrar em 1884 esse tipo de idéia: “Fundei no Hospício uma biblioteca destinada aos alienados, para o que fiz imprimir circulares pedindo livros. Pequeno número de circulares tem sido distribuído; entretanto, já conta a biblioteca com 225 volumes, havendo entre eles obras de grande merecimento literário, e recebendo o Hospício, gratuitamente, todos os jornais que se publicam na capital. Alimento a esperança de realizar plenamente, e como desejo, esta minha idéia. Acha-se encarregado do serviço da biblioteca um dos alienados. Estabeleci em uma das salas do Hospício uma aula primária, destinada aos alienados, cujo espírito ainda fosse susceptível de instrução ou a aquelles, que já possuindo alguns conhecimentos, contribuíssem com a criação desta escola e dever de exibi-los diariamente, afim de que as não perdessem. Manifesto à V.Exa. O meu imenso prazer, participando que um dos alienados já aprendeu a ler na aula do Hospício”.(RDHSP-1884).
Concepção eclética sobre tratamento: “Duas são as teorias que existem na ciência sobre o tratamento da alienação mental, baseadas sobre o modo diverso de encarar a natureza da moléstia. Os que acreditam que a loucura seja um fato de ordem puramente física sustentam que o único tratamento a empregar-se é o tratamento físico; aqueles, porém para quem a loucura é uma perturbação psicológica, só admitem o tratamento moral. Tai as duas espécies de tratamento: o físico e o moral. A psiquiatria moderna, aproveitando o que há de bom n´uma e n´outra d´essas histórias, lança mão de ambas para atingir os fins, que tem em vista, colhendo desse ecletismo as maiores vantagens. “Acredito que ambos os métodos de tratamento são bons; mas estou convencido também, que cada um isoladamente quase nada faz em proveito do alienado, é com o concurso de ambos que se tem conseguido os brilhantes resultados, que as estatísticas registram”. (RDHSP-1884)
Tratamento moral Relativamente ao tratamento moral, devo dizer à V.Exa. Que não me tem sido possível estabelecê-lo com todos os requisitos necessários como desejo, devido isto às muitas faltas de que ainda actualmente se ressente o Hospício e das quais algumas já foram apontadas, O trabalho para os alienados, a convivência com seus companheiros, ou o isolamento, quando se torna necessário, a liberdade de que gozam, a leitura, o estudo, os jogos, os passeios, as diversas distrações etc. são agentes de uma influência incalculável, quer se tenha em vista o tratamento moral coletivo ou o individual. A conversa diária com o médico e com os enfermeiros, que com inteligência e delicadeza convençam os alienados da verdade dos factos, procurando regularizar o chão de seu espírito, afastando a attenção das imagens criadas no delírio para os objetos que lhes despertem a curiosidade, disciplinando-os, tornando-os obedientes e amigos emfim, tal é, em síntese, o tratamento moral, que resultados mais brilhantes tem dado para esses infelizes cujo espírito vive em trevas.(RDHSP-1884).
Terapia pelo trabalho
O trabalho, um dos principais elementos do tratamento moral, atua, não só debaixo desse ponto de vista, distraindo o alienado e prendendo a sua atenção no que executa, como ainda fisicamente, abatendo a excitabilidade nervosa, quando exagerada, estabelecendo um salutar equilíbrio, entre as funções fisiológicas. E, finalmente, predispondo o corpo ao repouso de que tantas vezes carece. Além disso, se a ociosidade no homem são de espírito, é um grande mal, no alienado, que pode entregar-se ao trabalho ela assume as proporções de um verdadeiro perigo. Existem muitos alienados que não gozam da benéfica influência desse meio de tratamento por falta de oficinas. Destaquei para o serviço da chácara alguns, que tem sido bons auxiliadores do jardineiro-hortelão e que trabalham com verdadeiro prazer. Os demais alienados não têm propriamente uma ocupação, a exceção de alguns que se encarregam da limpeza do Hospício e até de seu serviço doméstico. É de algumas alienadas que lavam e cosem as roupas do estabelecimento.
Terapêutica “No tratamento dos alienados do Hospício São Pedro, tenho procurado seguir, bem de perto, as lições dos mestres, pondo em prática as indicações terapêuticas que a prática vai sancionando. Assim, de um modo geral, nos casos em que o superfunccionalismo do sistema nervoso se manifesta trazendo como conseqüência uma excitabilidade exagerada, tenho empregado o bromuro de potássio, o brometo de sódio, o chloral, a belladona, o meimendro, o ópio, a morfina, etc. etc. Lanço mão, também, nos casos, a que me refiro, dos banhos frios e d´elles raramente tenho deixado de tirar reais vantagens. Quando o alienado apresenta justamente o lado oposto, ao que venho de fallar, isto é quando a depressão domina a cena, lanço mão da noz-vomica, da valeriana, dos tônicos, e quando este estado depende ou se acha ligado à anemia, a chlorose ou a ambas estas moléstias reunidas emprego as ferruginosas e as preparações iodadas, etc. O iodureto de potássio, o sulphato de quinina, a digitalis, os eméticos, os purgativos, os emenagogos, os revulsivos, etc. são ainda medicamentos de que tenho lançado mão conforme as indicações se apresentam”. (RDHSP-1884).
Em relação ao tratamento o Dr. Carlos Lisboa lamenta a impossibilidade de utilizar banhos para acalmar os doentes e da eletroterapia (não é a eletroconvulsoterapia que só foi surgir em 1938). Na época, o diretor médico não se limitava a práticas da medicina mental, consta no relatório a realização de cirurgias entre elas uma de amputação de uma perna.
Durante os quatro anos que o Dr. Carlos Lisboa esteve à testa do hospício, só se afastou uma vez, indo para o Rio de Janeiro a passeio e lá permanecendo por três meses, período em que foi substituído pelo Dr. Ramiro Barcelos, personagem da historia do Rio Grande do Sul.
Bibliografia: Carlos Lisboa. Relatório do Diretor do Hospício São Pedro para a Provedoria da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre em 1884. Décio Soares de Souza. Notícia Histórica sobre as origens da assistência a Psicopatas no /Rio Grande do sul e sua evolução. Porto Alegre. Editora Globo, 1942. Polyantheia Riograndense. Wadi, Yonissa Marmitt. Palácio de guardar doidos. Editora da UFRGS. 2002 Nota Especial: John Conolly From Wikipedia, the free encyclopediaJohn Conolly MD DCL John Conolly (May 27, 1794 - March 5, 1866), English physician, was born at Market Rasen, Lincolnshire, of an Irish family. He graduated with an MD degree at University of Edinburgh in 1821. After practising at Lewes, Chichester and Stratford-on-Avon successively, he was appointed professor of the practice of medicine at University College, London, in 1828. In 1830 he published a work on the Indications of Insanity, and soon afterwards settled at Warwick. In 1832 in co-operation with Sir Charles Hastings and Sir John Forbes, he founded a small medical association with a view to raising the standard of provincial practice called the Provincial Medical and Surgical Association. His brother William Brice Conolly became the association's 'Widows and Orphans Benevolent Fund' treasurer and secretary.[1]In later years this grew in importance and membership, and finally became the British Medical Association. Conolly and Forbes went on to start a new publication in 1836, : the 'British and Foreign Medical Review, or, A Quarterly Journal of Practical Medicine', for which they shared the editorship from 1836 to 1839. [2] It was the first publication of its type, being aimed at sharing newly won medical knowledge with all its readers. The Review was read widely in Europe and America, and helped to promote modern methods of treatment and to enhance the reputation of British medicine. The BMA library still holds a complete set of its volumes.[3] In 1839 he was elected resident physician to the Middlesex County Asylum at Hanwell (now known as West London Mental Health NHS Trust's St Bernard's Hospital). In this capacity he made his name famous by carrying out in its entirety and on a large scale the principle of non-restraint in the treatment of the insane. This principle had been acted on in two small asylums--William Tuke's Retreat near York, and the Lincoln Asylum; but it was due to the energy of Conolly in sweeping away all mechanical restraint in the great metropolitan lunatic hospital, in the face of strong opposition, that the principle became diffused over the whole kingdom, and accepted as fundamental. John Conolly's headstone (Hanwell Cemetery) Ironically perhaps for the 'land of the free,' many American doctors saw this doctrine as more of a 'restraint' upon their clinical judgment, so refused introduce it.[4] In 1844 he ceased to be resident physician at Hanwell, but remained visiting physician until 1852. On the 21st July 1852 the honorary degree of Doctor of Civil Law was conferred on Conolly together with his two friends Dr. John Forbes and Dr. Charles Hastings.[5] He married Elizabeth Collins by whom he had three children. Their only son, Edward Tennyson, was born whilst Conolly was working at Chichester in Sussex. Edward became a successful lawyer having been called to the Bar on 30 January 1852. However, in 1865 he emigrated with his family to Picton, New Zealand. There he continued to practice law and became very active in politics. Following his father's concerns for humane treatment of the incarcerated he introduced the teaching of trades to prisoners. He died in Auckland in 1908.[6] John Conolly's elder daughter, Sophia Jane, married Thomas Harrington Tuke in 1852. Tuke ran a private Lunatic Asylum at Manor House in Chiswick, Middlesex. (This Tuke, it must be noted, is not related to the Tukes of the York Retreat.)[7] Conolly's youngest, Ann, eventually married Henry Maudsley when she was thirty six, just two months before her father's death. Conolly died on 5 March 1866 at Hanwell, where in the later part of his life he had a private asylum called Lawn House. Henry Maudsley had by then taken over the running of Lawn House. Ann died on 9 February 1911 at the age of 81.[8] His works include:
|