Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Março de 2009 - Vol.14 - Nº 3 História da Psiquiatria Notas Biográficas MD. Walmor J. Piccinini Foto do Professor Mostardeiro com David Zimmermann, quando esse recebeu o título de Cidadão de Porto Alegre. Médico formado peça UFRGS em 1953 Psiquiatra da segunda turma do Curso de Psiquiatria da UFRGS (1958-60) Presidente da Sociedade de Psiquiatria, Neurologia e Neurocirurgia do RGS Psicanalista pela SPPA Fundador da SBP de PA em 1992 Psiquiatra Efetivo da ABP Fundador e Presidente da Fundação Mário Martins Professor da Fundação Universitária Mário Martins de Porto Alegre O tempo passa inexoravelmente, para mim parece inacreditável que já tenham se passado dois anos da morte do Professor Antonio Luiz Bento Mostardeiro. Com ele tive oportunidade de conviver e aprender a valorizar sua imensa capacidade como médico, como homem digno e como colega. Era um homem grande, pesadão, tórax de remador, como toda pessoa grande, era seguro de si, paciente com os que o rodeavam e sempre tinha uma palavra objetiva para manter o rumo do diálogo. Suas reuniões clínicas com os alunos eram uma oportunidade de conviver com sua erudição e sua paciência para ensinar os mais jovens. Espero que essas notas biográficas permitam que sua memória seja homenageada e que mais pessoas conheçam algumas facetas dessa grande figura humana. Médico, psiquiatra, psicanalista, ex-presidente da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul que agora se chama Associação Psiquiátrica do Rio Grande do Sul. Quando foi eleito presidente da então Sociedade de Psiquiatria, Neurologia e Neurocirurgia do RGS fui eleito Secretário e trabalhamos bastante para preparar a transformação da nossa sociedade em duas, uma de psiquiatria e outra de neurologia o que acabou acontecendo em 1973. Anos depois e muitas voltas do destino, tornamos a nos encontrar na Fundação Mario Martins que ele ajudou a fundar, foi seu presidente duas vezes e ensinou até poucos dias antes do seu falecimento. Mostardeiro, como todos o chamavam, veio ao mundo em 12 de
maio de 1928. Quem conheceu sua maneira tranqüila e discreta de se comportar,
vai estranhar que tenha tido Manteve essa característica no Conselho dos Fundadores da
Fundação Mário Martins onde funcionava como um irmão mais velho, aparando
arestas e determinando rumos seguros. Em 1992 participou de um grupo que fundou o Centro de
Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre que foi reconhecido pela International
Psychoanalytical Association, no congresso de Barcelona, em 1997, como
Sociedade Provisória da International. Mostardeiro foi analista didata nessa
nova sociedade. Publicou vários trabalhos psicanalíticos. Um dos mais
importantes foi sua participação no livro da IPA ”On Freud’s ‘Analysis
Terminable and Interminable”. Edited by Joseph Sandler Contributors: Jacob A.
Arlow, Arnold M. Cooper, Terttu Eskelinen de Folch, Peter Fonagy, André Green,
Harald Leupold- Löwenthal, A. L. Bento Mostardeiro, Ethel Spector Person, David
Rosenfeld, Joseph Sandler, David Zimmermann. Trechos de uma entrevista de Mostardeiro para a Revista Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre. (Revista Psicanálise, Vol. 5(2)2003) SBPdePA – Gostaríamos
que nos falasse da tua trajetória pessoal como psicanalista. Mostardeiro – A minha trajetória para chegar ao mundo
analítico começou com o Curso de Especialização SBPdePA – Qual a tua
experiência como professor de Psiquiatria, Psicoterapia e Psicanálise? Como vês
a integração entre essas disciplinas? Mostardeiro – A Psicoterapia Psicanalítica nasceu da Psicanálise, e acho que o mal dela, se se pode dizer assim, é que até hoje ela se alimenta da Psicanálise. Então, na verdade, ela é uma aplicação da Psicanálise. É estudar o aparelho psíquico, estudar suas características e adaptá-las numa aplicação que pode variar de muitas formas. Tu podes fazer, por exemplo, uma psicoterapia de apoio, em que tu estás usando o apoio através do entendimento que tu tiveste do caso, que a psicanálise te deu, a medida que tu sabes onde é o ponto necessário para apoiar aquele paciente. Tu podes entender uma causa externa desencadeante, e ver a possibilidade de remover essa causa externa, o que também pode ser entendido através da compreensão psicanalítica. SBPdePA –Porque isso
seria o mal dela? Mostardeiro – Porque ela não cria corpo próprio. Eu acho que as coisas mais importantes, mais profundas da psicoterapia, ela não tem. Existe uma coisa que eu acho que a gente tem de pensar que é a compreensão, o entendimento mesmo, que a gente pode ter das pessoas, do psiquismo. É aquilo que vocês falaram há pouco: a transferência e a contratransferência. No momento que tu não tens um instrumento de trabalho em que tu vais tratar disso, vais entender, o avanço fica pequeno. O verdadeiro insight, a verdadeira compreensão, eu acho que só se dá através da compreensão da transferência e da contratransferência. Não é que isso não seja possível na psicoterapia, mas acho que em psicoterapia isso só ocorre através de flashes. SBPdePA - Mais alguma
coisa da história? Bem, tem da tua história, a pergunta sobre o que foi
marcante na tua experiência no Instituto Psiquiátrico Forense? Mostardeiro – O que é que eu posso dizer sobre isso? O Instituto Psiquiátrico Forense, não sei como ele está hoje, mas na minha época nós atendíamos muitos pacientes psicóticos e eles tinham um diferença em relação ao paciente do Hospital Psiquiátrico São Pedro, eles eram indivíduos que tinham concretizado a fantasia inconsciente. Em uma ocasião eu estava examinando um psicótico para fazer o laudo dele, e ele disse que “tinha matado o pai dele porque o pai dele estava no caminho dele e impedia que ele crescesse”. E eu perguntei assim: “tem mais alguém que atrapalha a tua vida?” “Minha mãe”, ele respondeu. Era um homem que dizia às pessoas que ele mataria seriam o pai e a mãe. O pai ele já havia matado; se ele saísse de lá iria matar a mãe. É uma concretização de uma fantasia infantil. Eu diria, assim, nesse sentido os pacientes do manicômio permitiam uma visão, uma compreensão de coisas que, em geral, nos outros pacientes não estão presentes; as coisas ficam mais caricaturais, mais visíveis. Só que a impressão que me dá é que este tipo de pessoa não tem volta. Havia, por exemplo, um paciente psicótico que tinha estuprado a mãe; nunca houve melhora em seu quadro psicótico. Nesse tipo de pessoa a possibilidade de reparação não existe. Eu tive pacientes, lá com quem eu trabalhei esse tipo de fantasia e que, no momento em que iam adiante e se defrontavam com a realidade, eles dizia “só resta me matar”. Quando um paciente chegava a nesse ponto e dizia isso, a sensação que dava n gente era horrorosa, uma das piores coisas que senti na minha vida; transmitia uma angústia, um negócio pavoroso. No manicômio nós conseguimos mudar alguma coisa no sentido de sedar ao paciente uma liberdade de saída; isso era para pacientes especiais e, também, se a gente via que a possibilidade de recidiva era algo remoto. Esse tipo de paciente que a gente está falando comete um crime de um tipo muito específico. Então, o risco que ele apresentava de voltar a delinqüir era o de a gente surpreender no comportamento dele alguma aproximação de uma situação em que ficasse de novo presente a história do seu conflito. Na sequência da entrevista fala de melhoras em que não sabe a que atribuir, dando uma idéia que não se deve desanimar no trato com os pacientes. Essa nossa homenagem, obedece a sua maneira de ser. Simples,
sincero, avesso ao brilho pessoal. Ficará para sempre guardado em nossos corações
agradecidos.
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