Volume 14 - 2009
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

sETEMBRO de 2009 - Vol.14 - Nº 9

Farmacoterapia

A ERA DOS PSICOTRÓPICOS ou O Começo é Sempre Difícil e, ao invés de Roma pode levar ao Irajá...

J. Romildo Bueno

A chamada era dos psicotrópicos cujo início, trabalho princeps é impreciso, chegou titubeante e com dificuldades de se expressar, meio gaga: seus conceitos eram saídos do forno, seus termos, oriundos de pesquisa básica eram um jargão diferente do utilizado em pesquisa e clínica psiquiátricas: complexo de Èdipo poderia ser neurotransmissor, recalque se transforma déficit mnêmico, seio bom pode ser lido circuito do prazer e assim indefinidamente; no difícil começo o pessoal preso às tradicionais rádios AM, OM e OC de 25m não captava o que já estava sendo transmitido em OT ... onda tropical, precursora da FM...

         De qualquer modo, 1949 é o ano zero dessa nova época que modifica a visão sobre doença mental,  mas não muda o conceito de normalidade. Esse fato, visto como fraqueza ou falha nas novas hipóteses é em realidade seu ponto forte: se criado fosse um novo conceito de normalidade caberia aos novos métodos terapêuticos reverter a essa nova normalidade os pacientes por eles tratados, mas como já afirmado a psicofarmacoterapia jamais, em tempo algum afirmou curar doença mental e, assim não há necessidade de nova normalidade (como se houvesse algum conceito válido de “velha normalidade)...

         Dois fatos marcam 1949: o emprego de reserpina púrificada, como neuroléptico e a introdução do carbonato de lítio como terapia para a agitação psico-motora, principalmente a de origem maníaca.

         A reserpina teve passagem meteórica em clínica psiquiátrica sendo substituída pelos fenitiazínicos em menos de dez anos. Entretanto sua contribuição à pesquisa continuou importante e paradigmática e, por isso é interessante resgatar esse período agora que “clínica psiquiátrica” (?) orienta-se por algorítimos, diretrizes e guide-lines.

         Reza a lenda que chá de raiz de cobra é eficaz tratamento para pessoas que se apresentam para tratamento enrubescidas, com pulso firme e forte e incapazes de dormir ou de ficarem sentadas ou paradas... podendo tornar-se agressivas... essa descrição para uma indicação terapêutica foi encontrada por Bose em sagrados livros de medicina hindu com mais de cinco mil anos de conservação... a raiz de cobra foi batizada por Sen & Bose de Rauwolfia serpentina Benth. No período que antecedeu a segunda guerra mundial, Sen & Bose publicaram um artigo que passou desapercebido: “ Rauwolfia serpentina, a new Indian drug for insanity and high blood pressure” – Indian Med. World 2: 194, 1931 (grifo nosso)

         As propriedades anti-hipertensivas foram as primeiras identificadas e,  mesmo hoje doses baixas de reserpina, 10 metóxideserpidina ou de deserpidina são usadas em certos tipos de hipertensão.

         Durante a segunda guerra mundial, Gupta e cols apresentaram na Indian Medical Gazette, em 1943 os resultados preliminares  do emprego do extrato bruto de Rauwolfia serpentina no “tratamento dos distúrbios mentais”.

         O emprego psiquiátrico da reserpina pura, isolada por Sen & Bose para o tratamento hipertensão em doses de 0,25 a 1 mg/dia. A seguir principiou-se seu uso psiquiátrico utilizando-se doses substancialmente maiores: de 1,5 a 6 mg/dia. Os primeiros trabalhos clínicos datam de 1953 (Hakim) que utilizou a substância em pacientes esquizofrênicos e seu uso nessa indicação estendeu-se até a segunda metada da década seguinte.

         Gozando de bom conceito quanto aos resultados obtidos, a reserpina ampliou algumas de suas indicações em psiquiatria incluindo aí as psiconeuroses tanto que o psicanalista Ostow chegou a publicar trabalho de revisão onde analisa sua ação psíquica( no sentido antigo, onde  psíquico era uma concepção anímica, quase religiosa ).

Como se nota, psicotrópicos serviram como traço de união entre psiquiatras e psicoanalistas...

         Como a reserpina age via depleção de mono-aminas – serotonina e nor-adrenalina – há um predomínio do sistema nervoso para-simpático e esse efeito é dose-dependente e, conseqüentemente diarréias, por vezes profusas eram os primeiros efeitos colaterais a surgirem colaborando para que o mau cheiro presente atingisse níveis insuportáveis nas enfermarias psiquiátricas. Com a duração do tratamento e o aumento de doses, surgiam os sintomas extra-piramidais . Muitos hospitais psiquiátricos não passaram pela fase reserpínica e entraram diretamente na idade dos fenotiazínicos que exibiam os mesmos efeitos terapêuticos, mas com menor(?) incidência de efeitos indesejáveis.

         Os resultados, tanto em esquizofrenias, agitação psicomotora de qualquer etiologia e fase maníaca foram descritos como bons e ótimos, apesar da dificuldade em se individualizar doses (e diminuir efeitos adversos...)

         Devemos ao uso da  reserpina dois corolários importante: as mono-aminas têm algo a ver com sintomas psicóticos, uma vez que ao depletá-las das vesículas pré-sinapticas, diminuindo assim sua utilização neuropsicofisiológica ocorre encapsulação dos sintomas produtivos. Esse dado, neurotransmissores e sintomas psiquiátricos, tornou-se tão corriqueiro que em nossos dias já circula até em revistas de fofocas televisas, foi  a pedra angular para o futuro desenvolvimento da neuropsicofarmacologia...

Por outro lado, a depleção de serotonina e de nor-adreanlina decorrente de uso prolongado de reserpina, mesmo em pacientes hipertensos recebendo doses baixas e sem história prévia ou familiar de doença depressiva induz depressão, semelhante à doença e com o mesmo risco de tentativas  e de índice de suicídio que o observado na doença maníaco-depressiva e nas depressões recorrentes, principalmente as melancólicas. Digno de nota mesmo no século XXI: esses “estados depressivos” respondem aos antidepressivos da mesma forma que as

“doenças depressivas!”... essas cujos espectros nos assustam dia e noite...

         De vez em quando [(vide digitálicos (chá de dedaleira), salicilatos (chá de casca de salgueiro ou de raiz de cobra)], chazinhos podem trazer enorme progresso...

         A neuroquímica, primeiro interesse do alemão THUDICHUM – excelente sommelier a autor de um guia de vinhos e de seus benéficos efeitos aos portadores de anima nobile – já dizia que no sistema nervoso central com certeza haveria muito mais que simples neurônios, glia, cefalinas, gorduras, esfingomielinas e outros compostos inativos, isso em 1896...

         Dois outros derivados semi-sintéticos da reserpina foram testados em psiquiatria: a deserpidina e a 10-MeO-deserpidina em tentativas de diminuir a indidência de efeitos colaterais e manter a eficácia terapêutica. Os resultados, inclusive os por mim obtidos com a 10-MeO-deserpidina, foram desalentadores. De todos os derivados sintéticos da reserpina o que mais se aproximou dos efeitos da substância-mãe foi a tetrabenazina que utilizei em pesquisas animais aqui e nos EE.UU.

         De qualquer modo, revisão ( e não meta-análise...) publicada em meados da década de sessenta no prestigioso JAMA, apontava um risco de suicidio três vezes maior entre os pacientes hipertensivos tratados com a reserpina que aqueles tratados com bloqueadores ganglionares.

         Essa observação foi muito mal recebida pelos cultores da psiquiatria psicodinâmica que se recusavam a aceitar influências neuroquímicas na gênese de sintomas psíquicos... que só poderiam ocorrer a partir do teatro mitológico freudiano: ego-id-super-ego-recalque- super-mãe –libido – castração - totens e tabús-culpa-reparação – complexo de Édipo- de-Elektra ou o non-du-père... uma pena que jamais foi mencionado o super-id, nem se conceituado o que seja consciência,  essa sim a única e real via que permite chegar-se ao inconsciente, arenque vermelho das hipóteses psicanalíticas e que, talvez esteja escondido na  psiquiatria psico-estática...

         Além de difícil, era estranhíssimo ver e ouvir ignorâncias pomposas negar dados ou considerá-los falseados, manipulados! Essa fase dividida, esquizofrênica da psiquiatria  tomou vários matizes entre nós: psiquiatria antropológica – os seguidores de von Gebsatell e Bastide -, psiquiatria social – aqueles que comungavam as idéias de Maxwell Jones-,  anti-psiquiatria – os sóciogenéticos de Laing, Cooper e Esterson-, positivistas-deterministas - herdeiros da tradição forense - até desembocar na cloaca magna do basaglianismo-negador-da-psiquiatria e da inutilidade do psiquiatra...

         Enfim, foram bons os tempos reserpínicos ...

         Durante a fase coreana do passado século da guerra, em 1952 Delay e o grupo de Saint’Anne já assinalara os efeitos antidepressivos da isoniazida, um poderoso tuberculostático derivado da nicotinamida.

         Posteriormente, em 1952 Selikoff e colaboradores apontavam o efeito “euforizante” do derivado isopropílico da isoniazida, a iproniazida que pareceia ser melhor tolerada.

         A substância ficou em compasso de espera até que em 1957 os grupos de Kline, de Crane e de Scherbel redescobriram os efeitos antidepressivos da iproniazida e, por extensaõ, iniciaram a época dos inibidores da mono-amino- oxidadase – IMAO – em clínica psiquiátrica.

         À iproniazida seguiu-se a isocarboxazida, a fenelzina, a tranilcipromina, a nialamida e a moclobemida, primeiro (e até hoje único... comercializado...) Inibidor Reversível da MAO,  conhecida pela sigla RIMA e que tornou mais fácil o emprego clínico dos IMAO.

         Apesar da potencial hepátotoxicidade, das restrições dietéticas – referentes aos alimentos ricos em tiramina que é uma substância liberadora de  nor-adrenalina dos terminais simpáticos e que leva às crises hipertensivas e à encefalopatia hipertensiva – os IMAO  representam um marco nas intervenções terapêuticas psiquiátricas: um medicamento          que trata as diferentes formas de doença maníaco-depressiva, da melancolia até a depressão agitada, que é eficaz na timopatia ansiosa – descrição clínica de Lopez-Ibor(pai) e que corresponde quase que ipsis verbis à “doença do pânico” – cujo uso prolongado (...6 meses...) e que, além disso podia induzir viragens maníacas nos deprimidos tratados era algo impensado!

         Essa capacidade – a de induzir viragens maníacas – chegou mesmo a ser considerado como pré-requisito para confirmação de efeito antidepressivo...

         Foi grande o entusiasmo causado pelos inibidores da MAO tanto na psiquiatria clínica como nas pesquisas psicofarmacoterápicas. Zeller em 1952 demonstrou in vitro que essas substâncias inibiam a monoamino-oxidase mitocondrial, Horita demonstrou a presença de MAO no tecido nervoso central e os trabalhos de Himwich e Rinaldi demonstraram que a inibição da MAO aumentava o armazenamento e a quantidade total liberada de monoaminas neuromoduladoras na fenda sináptica.

Tais observações permitiram postular que a depressão reserpínica – observada com a depleção de monoaminas cerebrais – podia ser revertida com o emprêgo clínico de IMAO. A partir daí, diversas hipóteses surgiram vinculando os sintomas depressivos à ausência de neuromoduladores – serotonina e nor-adrenalina – na fenda sináptica.

Em 1957, Kuhn  observou que a imipramina, anteriormente testada como neuroléptico agravara os sintomas psicóticos da grande maioria dos pacientes esquizofrênicos, exceção feita ao reduzido número de pacientes esquizoafetivos incluidos na amostra.

O estudo dos mecanismos de ação desses iminodibenzílicos tricíclicos demonstrou que os efeitos observados são devidos ao bloqueio da ‘bomba de recaptação da membrana neuronal pré-sináptica’ ou, trocando em miúdos pela inibição seletiva da recaptura de serotonina e/ou de nor-adrenalina.

Em um decênio passamos do carro-de-boi para o avião a jato.

Algumas substâncias, como a imipramina, a amitriptilina, a monocloroimipramina, a doxepina a trimiprimina interferem inicial e preferencialmente com a serotonina enquanto outras, como a desmetilimipramina, a protriptilina, a nor-triptilina e a nor-monocloroimipramina bloqueiam preferencial e inicialmente a recaptura de nor-adrenalina.

Essas pequenas nuances revelar-se-ão de grande importância para as futuras tentativas de explicação de como agem os antidepressivos.

Assim, ao encerrar-se a década uma confirmação aparece aquém, muito aquém de aquela pedreira que ainda acinzenta o horizonte: a esquizofrenia poderia ser desencadeada por uma dismetabolia dos neurotransmissores e as doenças do humor cursam com a falta ou excesso desses moduladores presentes na fenda sináptica.

Tremeram as fortalezas kleinianas, neo-freudianas, freudianas, culturalistas, jungianas; o inconsciente coletivo sofreu um abalo: como era possível jogar por terra o complexo de Édipo, os mal-estares da civilização com simples remédios por via oral!!!... ora pílulas!!!... declarou-se unilateralmente uma guerra... “os remédios não passam de camisas-de-força químicas” ...  “o emprego de psicotrópicos recalca o trauma e torna impossível a “cura” ... “ os medicamentos impossibilitam a relação dual-pura” ... “ o setting terapêutico é maculado pelo uso de remédios” ... “ psicoanalistas não podem prescrever” ... “ é necessário um psiquiatra de retaguarda” ... “ a cura só pode ser atingida com a solução analítica do núcleo da doença”...

 Essa melopéia saturou-me os ouvidos por mais de vinte anos... e era dita sem nem um fundamento quer de pesquisa, quer de resultado empírico, do alto de uma turris ebúrnea e com a certeza dogmática de um almuadem convocando à prece

 

“... Al fin del camin di nostra vita

      mi ritrovo per una selva oscura,

      ché la diritta via era smarrita... “

 

Peço perdão a Dante por lhe roubar e aggionare o verso,  pois me pespego a matutar: de que adianta contar essa história sem fim, quais seriam os interessados em conhecê-la... parece que nossos são dias das tabelinhas, dos testes dirigidos, dos miniquestionários, das árvores, não mais da vida, mas sim decisórias que por mim decidem e levam minha ausente curiosidade a buscar uma diretriz, um algoritmo  ou mesmo um guide-line aprovado em trocentos países que me exima da tortura de conhecer ao menos algo para melhor curar quem procura minha magia, minha medicina que não é mais minha pois já foi apropriada pelas classificações que exigem dos que as utilizam o fatalismo de um outro verso dantesco

 

“...lasciate ogni speranza o voi ch’entrate...”

 

Nessas relembranças diacrônicas vejo pouca utilidade uma vez que  dependem de ‘um’ conhecimento da evolução das idéias psiquiátricas, disciplina que hodiernamente é mais encontradiça no dr. Google que nos trabalhos escolares.

De um modo ou d’outro, todos citam as mesmas coisas em se citando, todos usam os mesmos instrumentos e os chamam de metodologia que nada mais que o estudo do método, todos querem que seus escritos sejam de alto impacto, tanto quanto o de uma Magnum .45... a maldição psicanalítica sobre as qualidades do terapeuta  se cumpre: a psiquiatria moderna se move sem memória...

         Mas a danada da década de cinqüenta ainda nos trouxe mais coisas além do paralelo 38, de Dien Bien Phu, da batalha de Algéria, da invasão de Budapeste, da denúncia dos gulags e da queda de Stalin: deu-nos em bandeja de prata os ansiolíticos!..

Primeiro os propanedióis, o meprobamato... miraculosa substância que nos proporcionava um céu sem ansiedade, regularizava o sono, apresentava resistência cruzada com o álcool e causava dependência... afinal, ninguém é perfeito. Para o meprobamato criou-se um novo termo: ataráxico, o que causa uma indizível sensação de bem-estar, o contrário da taraxeina que se acumulava no cérebro durante a vigília e a atividade diurna e tóxicamente o desligava e nos conduzia ao sono, ao nepente odisseu.

Na década de 40, Berger procurava substâncias antibióticas sintéticas testado quinolínicos e propanedióis. Topou com a mefenesina que, desprovida de ação antibiótica, provocava profundo relaxamento muscular em ratos. Berger e seu colaborador Ludwig concentraram seus esforços no meprobamato.

Esse tipo de trabalho científico, com o pesquisador lutando pessoalmente, quase num corpo-a-corpo por suas idéias ou por seu produto era comum na década de cinqüenta, basta ver a descoberta do benzodiazepínicos por Sternbach & Reeder e o canto de cisne desse tipo de postura científica, a descoberta do haloperidol por Paul Janssen.

Berger inicia uma era totalmente nova: o controle da ansiedade, a redução do stress recentemente promovido à condição de co-fator em diversas condições patológicas coroando o trabalho de vinte anos de Hans Selye.

Dessa vez o stablishment psiquiátrico teve abaladas suas fundações: pode-se modificar o curso das reações de Adolf Meyer ou das neuroses das classificações européias e internacionais com a utilização de uma pílula tomada de doze em doze ou de oito em oito em horas sem as inconveniências dos barbituratos como o amilobarbital sódico.

Caia por terra fragorosamente a falsa divisão entre neuroses e psicoses: psiquiatras tratam de psicoses e psicanalistas curam neuroses...

A necessidade de se rever sistemas de classificação de doenças é trazida à luz nessa interminável década onde se inicia a era dos psicotrópicos...

A já declarada guerra unilateral contra a nova psiquiatria pelos adeptos da postura psicodinâmica toma novas feições. Os “muristas” da psico-somática ficam divididos: Alexander pende para a dinâmica, Ostow admite as duas vertentes e Tellenbach inclina-se mais para as novidades. A pergunta era simples: deve-se ou não prescrever medicamentos “paliativos” aos pacientes psico-somáticos para aliviar seu sofrimento e abafar seus sintomas?    

Os seguidores de Selye não tinham dúvidas: prescrever o que for necessário para reduzir o stress para permitir ao organismo recuperar sua capacidade de adaptação;  idéias que serão retomadas cinqüenta anos mais tarde quando homeostasia e alostasia passam a ser igualmente importantes na manutenção do ritmo vital que é a melhor proteção contra o stress.

As promessas do meprobamato cumprem-se pela metade, a outra é tingida pelo desenvolvimento de tolerância e de dependência.

Mais coisas aconteceriam...

Em 1957, Sternbach teve chamada sua atenção por dois compostos que ainda não tinham sido submetidos a ensaios clínicos: o clordiazepóxido e o diazepam, fixando-se mais no segundo deles. Seu colaborador, Leeder esclarece ser o diazepam um metabólito do clordiazepóxido.

Os primeiros testes clínicos com o clordiazepóxido emj pacientes esquizofrênicos foi lamentável, os pacientes apenas ficavam sedados, exceção aos catatônicos que experimentavam fugaz ativação.

Sabedor do sucesso do meprobamato, Sternbach teima em continuar os ensaios clínicos com o clordiazepóxido em pacientes neuróticos, ansiosos...

O que se seguiu já é mito: os benzodiazepínicos tornam-se as substâncias mais prescritas do mundo, continuam sendo receitadas até hoje e um seu representante moderno, nascido nos anos setenta, o clonazepam ainda se inscreve entre as substâncias mais receitadas no mundo inteiro.

Com os ansiolíticos, acaba-se a psicanálise ortodoxa, a que exigia cinco sessões por semana e segundo Stekel, com caráter interminável!!! Hodiernamente o conceito é mais elástico, como o hímen tão valorizado nas sessões de cinco às seis: é psicanalisado o padecente que se trata com psicanalista, independente do número de sessões semanais, quinzenais ou mensais e, como os tempos andam bicudos, o próprio analista polui o setting e prescreve diversos psicotrópicos (às vezes mal, por ignorância...)

Os anos cinqüenta ainda não acabaram...

Do seu início – lítio, neurolépticos fenotiazínicos e antidepressivos – ao seu final – butirofenônicos, tioxantênicos e ansiolíticos – cria-se um novo modo de “pensar” as doenças mentais.

Com o advento dos psicotrópicos cria-se um novo paradigma: nem as psicoterapias devem ser intermináveis, nem os doentes mentais são condenados na apodrecer em depósitos.

SEM O ADVENTO DOS PSICOTRÓPICOS SERIAM IMPOSSÍVEIS QUAISQUER PLANEJAMENTOS OU AÇÕES PREVENTIVAS NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL...

Acontece que os psiquiatras e suas associações representativas são “himenêuticas”, cedem sempre, sentem-se quase envergonhados do progresso obtido, têm recaídas e voltam ao psicodinamismo de outrora... melhor seria ficarem parados, psico-estáticos... e deixar que o progresso se instale afinal, ele é inevitável e inexorável.

Nem um psiquiatra de mediana formação é favorável à permanente “medicamentalização” da sociedade, mas concordar com o avanço das novas trevas é inadmissível e retrógrada.

Suponhamos por um momento que os  psicotrópicos não existissem: quantos pacientes estariam “depositados” em hospitais de variada qualidade, quantos estariam penhorando seus bens para continuar se “analisando”, quantos estariam acorrentados nesses cús de judas desse pais-continente?

Impossível determinar-se corretamente, seria um exercício de futurologia estatística, quase uma metanálise...

Para compreender a dimensão do problema que nos acossa necessário é conhecer a história das coisas, deixar de lado suas interpretações pseudo-marxistas, exterminar a ideologia da atividade exclusivamente médica... aliás, parafraseando Jonhson podemos repetir que a ideologia é a última trincheira da ignorância médica...

A unanimidade não deve ser buscada, toda unanimidade é burra, dizia Nelson Rodrigues, o indispensável é discutir tecnicamente o que melhor podemos fazer: por exemplo, demonstrar aos outros profissionais da área de saúde mental que a equipe é necessária, que é impossível qualquer atuação nessa área sem a presença do especialista psiquiatra... que toda equipe tem um membro diferenciado: o líbero no volleyball, o reboteador no basketball e o goleiro no football: eles podem fazer o que todos podem y otras cositas más e que lhe são peculiares. (uso nomes em inglês para os jogos para que os leitores valorizem mais a erudição ou me chamem de entreguista...)

É nossa missão tratar da melhor forma possível nossos pacientes, melhorar-lhes a qualidade de vida e reduzir a carga de stress acumulada em bolsões denominados megalópolis...

A HISTÓRIA NÃO ACABOU... CONSTRÓI-SE!

Falta-nos analisar o impacto dos anti-psicóticos, do lítio e de outros denominados estabilizadores de humor, o papel dos neurolépticos modernos e, em havendo interesse, da importância da nova psiquiatria no tratamento, na “cura” desse quase um quarto de nossos cidadãos que padecem de uma forma ou outra de doença mental já que de sofrimento psíquico sofremos todos...

Conforme já dito, desde 1959 que faço parte dessa estória, testemunhei o que relato, distorções e digressões são inevitáveis, a memória, essa espiral que conecta o que hoje vejo com o acontecido trinta ou mais anos atrás por vezes toma partido... apesar disso muito erro não foi cometido bate agora já que o relatado é de conhecimento universal. Impossível não adaptar as imbecilidades globais às sandices locais, faltam nomes – prometo-os em minhas anti-memórias – mas as rememorações que se seguirão talvez ajudem alguns a entender melhor o que se passa na atualidade.

Vexilla regis prodeunt inferni  


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