Volume 13 - 2008
Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini

 

Janeiro de 2008 - Vol.13 - Nº 1

História da Psiquiatria

Caminhos Cruzados de dois grandes realizadores da psiquiatria brasileira: Antonio Carlos Pacheco e Silva e Jacintho Godoy

MD. Walmor J. Piccinini
Psiquiatra.
Professor da Fundação Universitária Mário Martins.
Pesquisador da História da Psiquiatria Brasileira

Os primeiros médicos que se dedicaram à assistência aos doentes mentais no Brasil eram clínicos e, na maioria, interessados na Medicina Legal. Alguns, como o Dr. José da Cruz Jobim e José Cândido Soares Meirelles, eram formados na França, os médicos que atendiam a família imperial, eram franceses, Jean Maurice Sevres e José Xavier Sigaud. Vários autores afirmam que nossos primeiros alienistas sofreram marcada influência do alienismo francês. José da Cruz Jobim, foi o primeiro e único médico do Asilo Provisório (1841-1852) foi, também, o primeiro catedrático de medicina legal e, tudo indica, foi o motivador de Machado de Assis para compor a figura do alienista no seu famoso conto “O Alienista”. A cadeira de clínica psiquiátrica foi criada em 1881 e seu primeiro titular foi o Dr. Nuno de Andrade, que também era diretor médico do hospício. Em 1882 a lei 3141 determinava que se realizasse concurso público para a cátedra de psiquiatria na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo aprovado e empossado no ano seguinte o prof. João Carlos Teixeira Brandão (1854-1921). Em 1887, pouco antes do advento da República, Teixeira Brandão tornava-se também diretor do hospício, permanecendo no cargo por dez anos. (Venâncio, A.)

O professor João Carlos Teixeira Brandão é considerado o defensor das idéias de Pinel e Esquirol no país. Em 1903, como deputado federal, conseguiu a aprovação da lei baseada na legislação francesa de 1838 defendida por Esquirol. (Decreto no. 1.132, de 1903 (Rodrigues Alves). "Reorganiza a assistência a alienados.")

1.     A construção do Hospício Pedro II. O decreto imperial de 1841 e sua inauguração em 1852. Para muitos, foi obra dos médicos e seria uma forma de medicalização e apropriação da loucura. Vamos examinar o acontecimento sob outro ângulo. José Clemente Pereira, Provedor da Santa Casa (1838 a 1854), líder maçom, utilizou a construção do asilo para remodelar e reconstruir a Santa Casa. Essa mesma estratégia foi utilizada em vários Estados Brasileiros.

 

2.     A Proclamação da República em 1989, e o afastamento dos maçons que eram considerados fiéis ao Imperador destituído, possibilitaram a entrada dos médicos na administração efetiva dos asilos.

3.     A Presidência de Rodrigues Alves que enfrentou o processo de saneamento e a remodelação do Rio de Janeiro que, até então era uma cidade insalubre, assolada pela febre amarela, episódios de cólera e outras doenças. Na prefeitura Pereira Passos fez o que hoje chamaríamos de uma reengenharia da cidade. Na saúde pública Oswaldo Cruz enfrentou os problemas sanitários e iniciou a vacinação regular. Em 1904 tivemos a revolta da vacina que sacudiu a cidade. Antes disso, em 1903, Juliano Moreira, assumia o Hospital Nacional de Alienados e construiu as bases para o estabelecimento da psiquiatria no Brasil.

4.     Um outro momento, nem sempre lembrado, foi o decreto de Getúlio Vargas em 1937 proibindo o acúmulo de cargos estaduais e federais. Os psiquiatras tiveram que optar entre o Asilo e a Universidade. Henrique Roxo optou pela Universidade do Brasil e em 1938 fundou o IPUB. Antônio Carlos Pacheco e Silva deixou a direção do Juqueri e assumiu a cátedra da USP onde fundou o Instituto de Psiquiatria. Luiz Guedes deixou o Hospital Psiquiátrico São Pedro e desenvolveu a cadeira de psiquiatria na UFRGS. (Fragmentos da História da Psiquiatria no Brasil - http://www.polbr.med.br/ano05/wal0605.php

“Verifica-se que o percurso dos alienados, nas várias províncias, foi semelhante, indo das enfermarias dos hospitais das Santas Casas aos hospícios exclusivos". Apenas no Estado de São Paulo o hospício de alienados não foi precedido de assistência sistemática em hospital de caridade, talvez pela precoce decisão do governo provincial de custear-lhes um asilo próprio. Cumpre ressaltar que, assim como no Hospício Pedro II, nesses hospícios não havia atuação significativa de médicos, pelo menos até o fim do Império. Somente no início do século XX, com algum custo, os médicos conseguiriam deslocar as poderosas administrações leigas das Santas Casas, bem como as ordens religiosas que prestavam serviços nesses locais,e os hospícios foram se tornando, gradativamente, estabelecimentos médicos (Oda e Dalgalarrondo, 2005). Pode-se dizer que a Cena Inaugural da moderna psiquiatria brasileira foi à posse de Juliano Moreira na direção do Hospital Nacional dos Alienados e a conseqüente transposição para os trópicos de um modelo de assistência europeu”. Juliano Moreira, por motivos de tratamento da saúde pessoal, aproveitou sua estada na Alemanha para conhecer seus serviços de atendimento psiquiátrico e trouxe para o Brasil o modelo alemão de assistência psiquiátrica. Seguiu em contato com Kraepelin, com quem mantinha correspondência, e difundiu as idéias e conceitos kraepelinianos entre nós.

Estas afirmativas, foram válidas para o que se fazia no Rio de Janeiro, já não se pode afirmar o mesmo para o Estado de São Paulo e do Rio Grande do Sul, onde dois dos seus maiores psiquiatras construtores, mantiveram seus laços com a França e a psiquiatria francesa. São eles os Doutores Jacintho Godoy (1886-1959),   (http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0404.htm) e

Antonio Carlos Pacheco e Silva (1898-1988). (http://www.polbr.med.br/arquivo/wal0704.htm).

A história pessoal desses dois grandes psiquiatras brasileiros se cruzou em Paris, no Serviço do Professor Pierre Marie (1853- 1940). Corria o ano de 1919 e um grande número de médicos latino-americanos se dirigiu a França em busca de aperfeiçoamento. Era uma época difícil, a guerra recém tinha terminado, nesse ano foi assinado o Tratado de Versalhes. Além das primeiras manifestações do fascismo e do nazismo, a gripe espanhola fazia vítimas pelo mundo todo. Há referências que o Professor Antonio Austregésilo, que veio a ser o fundador na neurologia e neurocirurgia no Brasil, também lá esteve na mesma época. Dos companheiros latino-americanos, descobrimos alguns nomes: Dr. Nerio Rojas (Santiago del Estero, 7 de marzo de 1890 - Buenos Aires, 1971) fue un psiquiatra y médico legista argentino. Si bien nació en Santiago del Estero, desde joven se trasladó a Buenos Aires. Allí estudió en la Facultad de Ciencias Médicas de la Universidad de Buenos Aires. Su tesis, La literatura de los alienados: su valor clínico y médicolegal, ganó en 1914 el Premio Wilde. Luego se perfeccionó en la Universidad de París. Rojas se formó como médico legista, interesado especialmente en la psiquiatría forense. En el ámbito académico, Rojas fue designado profesor titular de la cátedra Medicina Legal de la Universidad de Buenos Aires, cargo que ocuparía entre 1926 y 1946. Durante algunos meses de 1955 ejerció el cargo de Rector de esa Universidad, al ser designado interventor. Además, Rojas fundó la Sociedad de Medicina Legal y los Archivos de Medicina Legal, fue presidente del Rotary Club y escribió numerosas obras. (Wikipedia). Outros dois alunos foram os Uruguaios Mucio Fournier e José Maria Estape. Não temos dados sobre o Dr. Mucio Fournier, mas o Dr. José Maria Estape tornou-se médico militar e se dedicou à neurologia. Beretoide, Balestra e Angesta eram argentinos e não conseguimos descobrir seus nomes completos.

O neurologista Pierre Marie, foi discípulo de Charcot, era brilhante e temperamental. Andou por Bicêtre e só aos 64 anos, em 1916 chegou à chefia do Serviço da Salpetrière. Seu Serviço era de Neurologia, Seu nome está associado ao estudo da Acromegalia e ao da Esclerose Múltipla.

As cuidadosas notas das aulas e observações clínicas que o Dr. Jacintho Godoy realizou no seu estágio, era de casos clínicos neurológicos em sua maioria. Mesmo assim, graças ao seu empenho pessoal, visitou todos os Centros psiquiátricos da época e de lá trouxe ensinamentos que aplicou no Hospício São Pedro.

Os dois brasileiros trouxeram na sua bagagem o que havia de mais moderno da psiquiatria francesa da época. A idéia da clinoterapia, a balneoterapia, a estimulação elétrica que não deve ser confundida com o ECT. O preenchimento da historia clínica com a descrição acurada dos achados, a preocupação com a especialização profissional e a formação de enfermeiros. A criação de um Laboratório de Anatomia Patológica era uma idéia defendida por Juliano Moreira, Pacheco e Silva e Jacinto Godoy. A contratação de Constantin Trétiakof, um emigrado russo que trabalhava no Serviço de Pierre Marie, deu grande vantagem ao Juquery, pois esse profissional já tinha experiência e um nome internacionalmente reconhecido, na área. A idéia da laborterapia era adotada por ambos. Jacintho Godoy instituiu um programa que, hoje é a menina dos olhos de setores ditos reformistas, à volta para casa e os lares protegidos. Godoy escolheu funcionários que receberiam pacientes crônicos para uma vida fora do hospital.

Godoy, cujo objetivo inicial na sua ida a Paris era estudar Medicina Legal, no seu retorno fundou, em 1924, o Manicômio judiciário, hoje Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso. Foi a segunda instituição brasileira dedicada aos detentos portadores de moléstia mental. O de São Paulo, fundado por Pacheco e Silva, abriu suas portas em 1927.

A psiquiatria da primeira metade do século XX era muito pobre em terapêutica, predominavam ações administrativas com objetivo de melhorar as condições dos pacientes que a ela recorriam. Ambos se destacaram no treinamento de profissionais.

AC Pacheco e Silva, - teve marcada atuação no ensino, tendo sido professor das duas grandes Faculdades de Medicina de São Paulo, a Paulista e a da USP. Nessa última criou um hospital psiquiátrico ligado ao HC da USP. O Instituto de Psiquiatria foi fundado em 1952. Hoje, remodelado e reciclado, é um dos pólos de desenvolvimento da psiquiatria brasileira.

Jacintho gostava de destacar o valor dos médicos de São Pedro e estimulava suas viagens e estágios: Dr. Januário Bittencourt, em 1929 fez estágios na França, Alemanha e Bélgica e depois se radicou no RJ. (Seu filho, Raul Bittencourt participou ativamente na fundação da ABP). Dyonélio Machado, psiquiatra e escritor, em 1929, estagiou por um ano no RJ, no Serviço do Professor Antônio Austregésilo. Décio de Souza conquistou a Cátedra de Psiquiatria da Fac. De Medicina e em 1934 saiu para analisar-se em Londres. Na volta morava no RJ e seguia catedrático em Porto Alegre. Ernesto La Porta estagiou no RJ, mais tarde tornou-se analista e mudou-se para o Rio. Mário Martins foi fazer formação analítica em Buenos Aires e em 1947 voltou e iniciou a formação analítica no Estado. (Um fato pouco conhecido é que Mário Martins não era abonado e tinha que trabalhar para estudar. Durante algum tempo, residiu e trabalhou no Sanatório São José que pertencia ao Dr. Jacinto Godoy). Luiz Pinto Ciulla e Almir Alves estudaram dois anos nos EUA. Almir Alves fez a maioria das lobotomia do HSP e depois trouxe o primeiro eletroencefalógrafo para a cidade. Cyro Martins seguiu os passos de Mário e foi para Buenos Aires.

A C. Pacheco e Silva foi Diretor do Juqueri e Depois catedrático da USP. Constantin Trétiakof foi seu Chefe de Laboratório de Anatomia Patológica. A idéia de Laboratório funcionando em Hospital Psiquiátrico era defendida por Juliano Moreira, Pacheco e Silva e Jacintho Godoy. Jacintho Godoy introduziu a Malarioterapia no Hospício São Pedro em 1929, (com a ajuda do parasitologista Raul di Primio que ia buscar os impaludados no município de Tôrres). Logo que chegou a penicilinoterapia, foi dos primeiros a utilizá-la. Jacintho Godoy está ligado à estruturação do Hospício São Pedro nos moldes dos hospitais franceses. Com já citamos, introduziram a idéia do paciente no leito hospitalar, a chamada clinoterapia, os serviços de emergência, serviços abertos e as modernas técnicas terapêuticas da época. Era um homem de baixa estatura, enérgico, defendia com todo vigor suas realizações. Deixou sua marca na psiquiatria do Rio Grande do Sul seu trabalho continua na figura dos netos que hoje dirigem o Sanatório que fundou.

Pacheco e Silva dirigiu o Hospício de Juqueri no período de 1923 a 1937 e suas realizações podem ser encontradas no seu trabalho de candidatura à cátedra de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. “A Assistência a Psicopatas no Estado de São Paulo”. O trabalho foi apresentado em 1936 e teve uma publicação em 1945. (Composto e Impresso nas Oficinas Gráficas da Assistência a Psicopatas. Juqueri, São Paulo. Brasil). Por qualquer ângulo que se olhe a obra do professor Pacheco e Silva, ela apresenta marcos significativos. Uma das suas primeiras realizações foi editar em 1924, a Revista “Memórias do Hospital de Juqueri” Essa revista foi publicada no período de 1924-1935. Depois dela editou os Arquivos de Assistência a Psicopatas do Estado de São Paulo. Finalmente, em 1972, participou da criação da Revista de Psiquiatria Clínica, ligada ao Instituto de Psiquiatria da USP. No Juqueri, ao lado das tarefas de construtor e administrador, como já citamos anteriormente, contratou um emigrado russo que conheceu no Serviço do Prof. Pierre Marie, e foi assim que, com profícuo trabalho e os conhecimentos de Constantin Trétiakoff, desenvolveu o Laboratório de Biologia e Anatomia Patológica do Juqueri. Essa era a vocação do Professor Pacheco e Silva, o estudo do cérebro, das bases biológicas das patologias psiquiátricas. Já no fim da vida propôs a fundação do Instituto Nacional do Cérebro.

A falência de o modelo asilar, o surgimento do macro-hospital psiquiátrico, fenômeno que caracterizou o abandono da psiquiatria pelos gestores responsáveis pela assistência atingiu ambos os profissionais e, de certa forma contribuiu para ofuscar suas realizações e o fato de serem os responsáveis pela introdução da psiquiatria em dois importantes estados brasileiros. Nesse artigo, reunimos observações de outros trabalhos e procuramos demonstrar que a influência francesa, graças a Jacintho Godoy e Antonio Carlos Pacheco e Silva, perdurou até os anos cinqüenta e foi coroada com a introdução da clorpromazina e da imipramina que revolucionaram a assistência psiquiátrica.


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