Volume 6 - 2001 Editor: Giovanni Torello |
Setembro de 2001 - Vol.6 - Nº 9 História da Psiquiatria Eugenia e Higiene Mental Introdução A psiquiatria brasileira tem história, e é dela que nos ocupamos desde agosto de 2000 atendendo ao convite do dr. Giovanni Torello, editor de Psiquiatria Online. Esta minha tarefa é facilitada pelo fato de ser autor do Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria. Um banco de dados que, atualmente abriga 11.280 referências bibliográficas da psiquiatria brasileira. Nossa produção vem crescendo em quantidade e qualidade. Constatamos um número promissor de artigos de autores brasileiros publicados em revistas internacionais. Publicar internacionalmente significa submeter-se a " peer review", significa aceitar críticas e questionamentos. Significa atender solicitações de aprimoramento no material enviado para publicação. Nas nossas atividades acadêmicas, jornadas e congressos há uma certa dificuldade em se exercer uma crítica construtiva. Não é incomum que ela, muitas vezes seja percebida pelo criticado como ataque pessoal em vez de reparos a abordagem realizada. Estou me referindo a certos aspectos específicos de uma pesquisa, não me refiro a crítica exercida por grupos ideológicos que estão numa jornada cívica contra a psiquiatria e não estão interessados na verdade e sim em provar suas teses. Com este objetivo a História é reconstruída dentro de uma perspectiva muito particular. Neste trabalho vamos exercer o direito da crítica, que pretende ser sobre um assunto e não sobre uma pessoa, embora cite o a autor e o objeto da mesma. Vou tocar num tema negligenciado na literatura psiquiátrica e não pela sua desimportância e sim pelo aspecto de desconforto que provoca. Os autores americanos evitam tocar no assunto pois significa uma nódoa na sua história. Os livros mais conhecidos da História da Psiquiatria deixam a sensação que gostariam que o fato não existisse. Trata-se da questão do Movimento Eugênico que foi muito forte nos EUA no primeiro quarto do século XX. E que teve alguns seguidores aqui no Brasil. Estigma degenerativo e a Psiquiatria Os psiquiatras Benedict Morel (1809-1873) e Valentin Magnan ( 1835-1916) postularam que a doença mental era evidência de uma corrente degenerativa hereditária que se tornaria gradativamente mais profunda nas gerações sucessivas causando sua extinção. Na Itália, Cesare Lombroso ( 1836-1909), considerado o pai da antropologia criminal, achava característica degenerativas nos criminosos. Na Alemanha e na França, Kraft-Ebing (1840-1902) e Forel (1848-1931) refletiam nas suas obras conceitos da era Vitoriana, sobre a influência causal na personalidade, de fatores tais como: sexo, masturbação, álcool, homossexualidade, infecções, industrialização e progresso social. O final do século XIX e início do século XX encontra os psiquiatras reclusos nos asilos superlotados, com baixo índice de recuperação e com uma atitude negativa quanto as possibilidades de sucesso terapêutico. Em 1911 Aaron Rosanoff publicou dois artigos em que era traçado o "pedigree" dos pacientes do King’s Park State Hospital de New York e concluía que a insanidade era uma condição que seguia a lei Mendeliana sobre hereditariedade. A repercussão foi enorme e serviu para legitimar a fascinação dos psiquiatras com a eugenia. ( Rosanoff, Aaron e Gertrude L. Cannon. " Preliminary report of a study of heredity in insanity in the light of the Mendelian laws". J. of Nervous and Mental Diseases. 1911, vol.38 272-9). Muitos psiquiatras acreditavam nas teorias Mendelianas de hereditariedade. Os fatores exógenos pareciam ter menor efeito nas características humanas do que a hereditariedade. A transmissão de traços sugeriam regras simples e imutáveis. Adolf Meyer, ícone da psiquiatria americana em dado momento da sua vida considerava a eugenia como uma maneira de compreender, e mesmo tratar doenças mentais. Por volta de 1917, com a compreensão dos reais objetivos atrás destas idéias, afastou-se do movimento. No discurso presidencial de posse na American Medico-Psychological Associacion ,em 1914, Carlos Mac Donald afirmava " Existe a necessidade de impedir por uma década ou duas, a reprodução dos deficientes mentais da mesma maneira que deteremos a varíola se cada pessoa no mundo for vacinada com sucesso". Os tratamentos eugênicos eram baseados nos Testes de QI, segregação institucional, restrições ao casamento, esterilização involuntária, controle da imigração e ouros. Nos EUA, 30 estados tinham leis de esterilização eugênicas e calcula-se que tenham sido realizadas cerca de 15 mil esterilizações cirúrgicas. ( No tribunal de Nuremberg, os advogados de médicos nazistas utilizaram estas estatísticas na sua linha de defesa) Em 1924 os eugenistas conseguiram que fosse aprovada uma lei. US Imigration Restriction Act que era baseado em estatísticas que mostravam maior procriação e maior índice de doenças entre imigrantes de certas partes da Europa. Abraham Myerson marcou seu nome na História da psiquiatria combatendo estas idéias. Segundo sua concepção, os fatores ambientais eram mais cruciais do que a natureza na compreensão do desenvolvimento humano. A respeito dos estatísticos comentava: : " As I see it, statitians are first class pathologists i.e. they do good post-morten work, but as prophet, they are failures." Rosanoff, que se afastou dos eugenistas em 1915 defendeu a mesma idéia. Os problemas dos imigrantes deveriam ram vistos como um problema social e não biológico. Gradativamente, os psiquiatras americanos foram se afastando das idéias eugênicas, passaram a desenvolver idéias de higiene mental que mais tarde deu origem ao movimento de saúde mental. Ambos os movimentos davam ênfase na adaptação e ajustamento do paciente na comunidade. Movimento Eugênico e o Movimento de Higiene Mental No Brasil observamos uma certa defasagem nos acontecimentos. Inauguramos asilos quando seu funcionamento era questionado em várias partes do mundo. Ao invés de utilizarmos antigos mosteiros ou lazaretos como na Europa, construímos prédios imponentes. O movimento de eugenia passou desapercebido e quando iniciamos a trabalhar as idéias da higiene mental aconteceram algumas manifestações eugênicas. Acho incorreto, no entanto, tratar o movimento de higiene mental brasileiro como movimento eugênico. Algumas teses tratam do assunto de forma inadequada e por trás dela está um pequeno livro que será objeto das nossas considerações. Vamos utilizar como referência o livro do Dr. Jurandir Freire Costa. História da Psiquiatria Brasileira. Editora Campus, RJ 1981.(3ª ed.) O autor examina alguns aspectos históricos, porém, o cerne do livro está dedicado a o exame das atividades e uma crítica inflamada contra a Liga Brasileira de Higiene Mental baseado em suas publicações no período de 1928-1934. ( Archivos Brasileiros de Hygiene Mental). O livro do Dr. Jurandir Freire Costa criou um grande mal estar no meio psiquiátrico por acusar de nazismo e racismo os psiquiatras que se envolveram nos movimentos de Higiene Mental. Não sei como o livro foi recebido no meio psiquiátrico, mas se considerarmos as opiniões do Professor Leme Lopes ( tinha publicado um artigo sobre alcoolismo, nos Archivos, em 1930) e do Prof. Othon Bastos ( Ulisses Pernambucano também publicara nos Archivos), não deve ter sido nada positiva. As críticas maiores do livro eram dirigidas aos psiquiatras do Rio de Janeiro. O autor procurou desvincular a figura do Prof. Ulysses Pernambucano das críticas de racismo e nazismo, isso não ficou suficientemente claro e ofendeu particularmente os pernambucanos que entre outras coisas taxaram o livro de desonesto e tendencioso. Resolvemos examinar o material do livro sem idéias pré-concebidas. No seu prefácio encontramos observações objetivas e instigantes e com as quais não tenho discordância. 1. " O psiquiatra brasileiro aceita, de antemão, que nada em sua psiquiatria merece atenção ou comentário. Este preconceito é totalmente infundado. Não se pode julgar algo que não se conhece. A Psiquiatria brasileira não pode ser legitimamente julgada, pois é extremamente mal conhecida". 2." Na formação psiquiátrica que recebemos ou continuamos a dar, o pensamento psiquiátrico brasileiro jamais é estudado." Os problemas do autor, no meu entendimento começaram quando ele esqueceu essas palavras e passou a tirar conclusões a partir de uma visão preconcebida dos acontecimentos. Nesse ponto eu responsabilizaria seu orientador francês, pois lá que o trabalho foi escrito, que mostrou uma visão muito localista sobre o assunto. Aqui caberia uma extrapolação, segundo Lucien Bonafé, durante a II guerra mundial, os psiquiatras franceses deixaram seus pacientes crônicos morrerem de inanição. Daí concluirmos que a psiquiatria fosse francesa composta de sádicos eugenistas e nazistas, vai uma grande distância. É bem provável que muitos seguissem a cartilha nazista, mas seriam opções pessoais. No caso do livro de Jurandir Freire Costa, algumas afirmações devem ser toleradas como arroubos retóricos. Vamos pinçar algumas frases: "Este preconceito levou-os (os psiquiatras da Liga de Higiene Mental) levou-os a elaborar programas de higiene mental baseados na noção de "prevenção eugênica" nascida da psiquiatria nazista." ( É certo que os nazistas deturparam e levaram ao extremo certas idéias eugênicas, mas isso aconteceu mais tarde.). Outras afirmações panfletárias: "A eugenia fundamentava-se racionalmente na Psiquiatria organicista". " ... a atitude preventiva transformou a Psiquiatria em veículo de propaganda ideológica do nazismo". " Os psiquiatras acreditavam que o Brasil degradava-se moral e socialmente por causa dos vícios, da ociosidade e da miscigenação racial do povo brasileiro". A isso se segue uma interpretação silvestre do psiquiatra brasileiro. " ... a ilusão narcísica que captou e aprisionou a consciência do psiquiatra. A prevenção eugênica destinava-se a criar um indivíduo brasileiro mentalmente sadio. Mas este indivíduo não era um indivíduo qualquer. Ele deveria ser branco, racista, xenófobo, puritano, chauvinista e antiliberal. O novo indivíduo brasileiro deveria reeditar a imagem do psiquiatra da liga. A prevenção era o álibi da onipotência narcísica. Era o desejo narcísico do psiquiatra que aspirava a ver-se multiplicado em milhões de corpos e psiquismo. O psiquiatra seria a norma psicossomática do indivíduo brasileiro." Em dado momento do livro, o autor registra a publicação nos Archivos, na íntegra, a lei alemã sobre a esterilização compulsória dos " doentes transmissores de taras que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1934. Daí seguiu-se sua conclusão que a LBHM identificava-se assim ponto por ponto, à psiquiatria nazista. No parágrafo seguinte há uma ressalva em relação a alguns psiquiatras. " ... na mesma época, Odilon Galotti, no Rio, James Ferraz Alvim em São Paulo, e Ulises Pernambucano, em Recife (para citar alguns nomes reconhecidos pela própia LBHM como legítimos representantes da Psiquiatria brasileira), orientavam suas pesquisas numa direção totalmente oposta à higiene social da raça. Para estes psiquiatras que mantinham também ligações com a LBHM a higiene mental continuava a ser aquilo que Riedel havia desejado que fosse: melhoramento e humanização da assistência psiquiátrica aos doentes mentais. Galotti e Alvim lutaram pela humanização do asilo e pelo respeito à pessoa do doente mental. Pernambucano promovia a humanização dos hospitais e conduzia a Psiquiatri para o estudo que veio a ser chamado, em seguida, Psiquiatria Intercultural ( Social, na visão de Cerqueira, segundo nossa observação) e que buscava demonstrar a irracionalidade do preconceito racial... As críticas do autor se concentraram a seguir no moralismo, no antiliberalismo e no racismo dos psiquiatras. Já não havia espaço para bons e maus psiquiatras, todos estavam a serviço do diabo nazista. Vamos tentar dar ao leitor algumas informações sobre algumas idéias então discutidas. Em primeiro lugar a Eugenia, idéia nascida na Inglaterra, desenvolvida nos Estados Unidos e levada a uma deturpação malévola na Alemanha. Sob diferentes formas ela se espalhou pelo mundo. O termo Eugenia foi criado por Francis Galton (1822-1911), que o definiu como: O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja fisica ou mentalmente. Galton publicou, em 1865, um livro "Hereditary Talent and Genius" onde defende a idéia de que a inteligência é predominantemente herdada e não fruto da ação ambiental. Nos EUA o grande defensor da eugenia foi Charles Goddard com seu Eugenic Record Office. A idéia que a "psiquiatria nazista" seria a responsável pelas idéias eugênicas não se consubstancia nos fatos. Terminada a guerra o mundo tomou conhecimento dos horrores nazistas, antes disto, as idéias eugênicas eram vistas sob o prisma de aprimoramento da raça. Pouco se conhecia desta nova especialidade a Genética. Não nos parece adequada esta confusão do Movimento Eugênico com o Movimento de Higiene Mental Movimento Eugênico. Eugenia é uma maneira de encarar a procriação, uma forma de gerar melhores seres humanos, encorajando a reprodução de pessoas com "bons genes" e desencorajando aqueles com " maus genes". Os eugenistas trabalharam para criar legislação que mantivesse separados os diferentes grupos étnicos, para restringir a imigração de indesejados e na esterilização dos incapacidados. Elementos do movimento americano de eugenia serviram de modelo para nazistas, cujas radicais adaptações culminaram no Holocausto. Os arquivos do Eugenic Record Office at Cold Spring Harbor, que foi o centro do movimento americano de eugenia no período de 1910-1940 pode ser encontrado no site http://vector.cshl.org/eugenics/ Algumas das observações extrai desta página: Como esta observação do filósofo George Santayana, " Aqueles que não conseguem lembrar o passado são condenados a repeti-lo." Este adágio é apropriado para o atual momento da corrida aos genes, que apresenta muitas semelhanças com o movimento eugênico das primeiras décadas do século XX. O movimento eugênico atingiu seu pico de notoriedade na América do Norte no período de 1908-1925. Atraiu proeminentes cientistas, reformadores sociais, educadores, políticos e industriais. A partir de 1925 a oposição ao movimento ganhou força. Um dos primeiros a questionar o movimento eugênico foi Abraham Myerson. Uma das suas perguntas é digna de nota: Who shall say who is a useful person? Depois da Segunda Guerra Mundial ninguém mais se interessava pelo assunto, por motivos óbvios. Eugenia e Psiquiatria Asilos superlotados, ausência de terapêuticas eficazes, as idéias de degeneração tornavam os psiquiatras interessados nas idéias eugênicas. Os eugênicos se mostravam particularmente interessados nas doenças mentais, embora algumas fossem conhecidas por nomes diferentes como a "demência precoce" que nós conhecemos por esquizofrenia e pela Idiotia Mongolóide agora denominada Síndrome de Down. Mente fraca (feeblemindness) era considerada a doença mental mais importante pelos eugênicos, junto com baixo QI era conectada a conduta anormal, promiscuidade, criminalidade e dependência social Os eugênicos temiam os "feebleminded" porque estes podiam passar por normais e procriar com pessoas normais. Este foi o caso de Martin Kallikak, um homem normal que procriou com uma moça atrativa, mas de mente fraca e gerou uma prole corrupta. ( Charles Davenport, fundador do Centro Eugênico de Cold Springs ganhou notoriedade científica com um estudo sobre a família Khalikak). Os eugênicos propunham leis de controle da imigração, alegando que os imigrantes eram mais passíveis de doenças mentais que os demais. Aaron Rosanoff, em 1915, afastou-se deles e afirmava que a tendência dos imigrantes à insanidade se devia a emigração em si e não a hereditariedade. O US Imigration Act de 1924 teve direta participação dos eugênicos. Os tratamentos eugênicos propunham Teste de QI, segregação institucional, esterilização involuntária, controle da imigração e outros. Este modelo chegou até os psiquiatras brasileiros nos anos 20-30. Vamos lembrar alguns fatos: a psiquiatria americana estruturou-se em torno dos asilos. Em 16.10.1884, na Filadélfia, 13 Superintendentes de Hospitais fundaram a Associação dos Superintendentes Médicos das Instituições Médicas para os Insanos. Com a sua expansão, ela passou a se denominar American Medico-Psychological Association, tornou a mudar de nome e chegou aos nossos dias com o conhecido nome de American Psychiatric Association. O American J. of Insanity tornou-se o American J. of Psychiatry. Essas entidades, dese sua fundação tiveram grande poder político e elas determinaram os rumos da psiquiatria do norte. Após uma adesão inicial a eugenia, os mentores da psiquiatria americana sentiram que o terreno era perigoso e recuaram. Concluíram que, estavam errando politicamente ao atrelar a psiquiatria a eugenia que, em última análise, condenava o psiquiatra a ser mero conselheiro de reprodução e isso podia perfeitamente ser feito por biólogos. Coincidia este momento com o surgimento da medicina científica e eles necessitavam de uma ferramenta que os distanciasse dos biólogos, psicólogos e assistentes sociais e esta ferramenta foi a psicanálise. Segundo alguns historiadores, a adesão maciça dos psiquiatras americanos à psicanálise estaria ligada ao abandono da eugenia. Se alguém estiver interessado em ler mais sobre o assunto, sugiro o trabalho do Prof. José Roberto Goldim da UFRGS, ele se dedica a Bioética e tem um trabalho sobre Eugenia que pode ser encontrado em http://www.hcpa.ufrgs.br/gppg/eugenia.htm Extrai alguns trechos em que faz um resumo didático da questão. "Ao longo da história da humanidade, vários povos, tais como os gregos, celtas, fueginos (indigenas sul-americanos), eliminavam as pessoas deficientes, às mal-formadas ou as muito doentes. Como já referimos, Francis Galton criou o termo Eugenia. Galton publicou, em 1865, um livro "Hereditary Talent and Genius" onde defende a idéia de que a inteligência é predominantemente herdada e não fruto da ação ambiental. Parte destas conclusões ele obteve estudando 177 biografias, muitas de sua própria família. Galton era parente de Charles Darwin (1809-1882). Erasmus Darwin era avô de ambos, porém com esposas diferentes, Darwin descendeu da primeira, por parte de pai, e Galton da segunda, por parte de mãe. Darwin havia publicado "A Origem das Espécies" em 1858. No seu livro, Galton propunha que "as forças cegas da seleção natural, como agente propulsor do progresso, devem ser substituídas por uma seleção consciente e os homens devem usar todos os conhecimentos adquiridos pelo estudo e o processo da evolução nos tempos passados, a fim de promover o progresso físico e moral no futuro". Em 1908, foi fundada a "Eugenics Society" em Londres, primeira organização a defender estas idéias de forma organizada e ostensiva. Um de seus líderes era Leonard Darwin (1850-1943), oitavo dos dez filhos de Charles Darwin. Ele era militar e engenheiro. Em vários países europeus (Alemanha, França, Dinamarca, Tchecoslováquia, Hungria, Áustria, Bélgica, Suiça e União Soviética, dentre outros) e americanos (Estados Unidos, Brasil, Argentina, Perú) proliferaram sociedades semelhantes. Segundo Oliveira, a Sociedade Paulista de Eugenia, foi a primeira do Brasil, tendo sido fundada em 1918. O 1o. Congresso Brasileiro de Eugenismo foi realizado no Rio de Janeiro, em 1929. Um dos temas abordado era "O Problema Eugênico da Migração". O Boletim de Eugenismo propunha a exclusão de todas as imigrações não-brancas. Em março de 1931 foi criada a Comissão Central de Eugenismo, sendo o seu presidente Renato Kehl e o Prof. Belisário Pena um dos membros da diretoria. Os objetivos desta Comissão eram os seguintes: 1.manter o interesse do estudo de questões eugenistas no país; 2.difundir o ideal de regeneração física, psíquica e moral do homem; 3.prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam dignas de consideração. Em vários países foram propostas políticas de "higiene ou profilaxia social", com o intuito de impedir a procriação de pessoas portadoras de doenças tidas como hereditárias e até mesmo de eliminar os portadores de problemas físicos ou mentais incapacitantes. Jiménez de Asúa defendeu a idéia de que as políticas alemã, italiana e espanhola nesta área não eram eugenistas, mas sim "racismo" oriundo do nacional-socialismo alemão. Vale lembrar que as idéias alemãs se originaram do trabalho do Conde de Gobineau - "Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas" - publicado em 1854. Antes, portanto, das idéias darwinistas terem sido divulgadas e do termo Eugenia ter sido criado. O Conde de Gobineau esteve no Brasil, onde coletou dados. Neste ensaio era proposta a superioridade da "raça ariana", posteriormente levada a extremo pelos teóricos do nazismo Günther e Rosenberg nos anos de 1920 a 1937. Outro autor alemão, Gauch, afirmava que havia menos diferenças anatômicas e histológicas entre o homem e os animais, do que as verificadas entre um nórdico (ariano) e as demais "raças". Isto acabou sendo objeto de legislação em 1935, através das " Leis de Nuremberg", que proibiam o casamento e o contato sexual de alemães com judeus, o casamento de pessoas com transtornos mentais, doenças contagiosas ou hereditárias. Para casar era preciso obter um certificado de saúde. Movimento de Higiene Mental Em 1908 um ex-paciente, Clifford Beers ( 1876 – 1943 ) publicou " A Mind that Found Itself" . era um relato autobiográfico da sua experiência de 3 anos de internamento num "asilo de loucos". Este livro foi o estopim de reformas no atendimento hospitalar pelo mundo todo. Em 1909, Beers e alguns amigos fundaram o Comitê Nacional de Higiene Mental nos EUA. A idéia se difundiu pelo mundo e no Brasil, em 26 de janeiro de 1923, foi fundada a Liga Brasileira de Higiene Mental. Da Liga originou-se o Movimento de Saúde Mental. O Professor A C. Pacheco e Silva chegou a ser presidente da Federação Mundial de Saúde Mental nos anos de 1960-1961. A Liga de Higiene Mental tinha ramificações em vários estados brasileiros. Sua ação era centrada no Tratamento das doenças mentais, na Profilaxia, mediante campanhas educativas junto a médicos e professores, e educação ao público. Alguns dos profissionais envolvidos com o Movimento Eugênico, também participavam da Liga, mas daí se concluir que era uma Liga nazista vai uma grande distância. No índice bibliográfico brasileiro de psiquiatria tenho coletados 164 artigos dos Archivos Brasileiros de Hygiene Mental que tiveram uma publicação regular a partir de 1925. Por alguma razão ainda inexplicável, tenho um artigo de Juliano Moreira de 1919 atribuído aos Archivos e outro de Olinto de Oliveira de 1920. Em 1925 ( 16 artigos), depois pula para 1929 (9 artigos). Nesse ano, por ex. Julio Porto Carrero publicou um artigo ‘A sexualidade em Freud". Em 1930 (14 artigos) Em 1931 920, em 1932 (3), em 1933 (23) , em 1934 (14), em 1935 (2), em 1938 (4) , 1939(110), 1940 (9), 1941 (3), 1942 (16), 1943 (5), em 1944 (14), 1945 (4), 1946 (2), 1947 (7). A esmagadora maioria dos artigos trata de profilaxia das doenças mentais. Alguns poucos apresentam idéias eugênicas e podem ser atribuídos a Renato Kehl. Neste mesmo período começam a se formar os primeiros grupos psicanalíticos que atraíam numerosos jovens psiquiatras. Walderedo, Alcyon, Cyro, Mário Martins e outros foram para Buenos Aires para desvendar as potencialidades desta nova maneira de enfrentar os problemas emocionais. As idéias eugênicas entraram em latência, e podem reaparecer agora com os mapeamentos genéticos e clonagem. O racismo continua necessitando de um combate constante. A Psiquiatria está aí, com novos recursos e nova linguagem. Seja como for, a loucura é um desafio que necessita da colaboração de todos. Não adianta querer matar o mensageiro. Considero razoável pensar que, os psiquiatras de asilos, conscientes da precariedade dos seus métodos terapêuticos, do volume crescente de pacientes procurando internamento, tenham se interessado com a idéia de prevenir o adoecimento das pessoas. Preocupações com a sífilis que poderia ser evitada com a mudança de hábitos sexuais. A preparação para o casamento. O ensino de hábitos de higiene nas escolas. O combate ao alcoolismo como grande flagelo, representavam alguns dos seus interesses. Creio ser oportuno ampliar o debate sobre o assunto e como subsídio vou acrescentar três trabalhos sobre o assunto retirados do IBBP )( Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria) Reis, José Roberto Franco. Hist. cienc. saude;7(1):135-57, jun. 2000. De pequenino é que se torce o pepino: a infância nos programas eugênicos da Liga Brasileira de Higiene Mental / As the twig is bent, so is the tree inclined: children and the Liga Brasileira de Higiene Mental's eugenic programs Propõe-se a discutir as propostas de intervenção na problemática infantil apresentadas pela Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), instituição criada no começo da década de 1920 que reunia a elite da psiquiatria brasileira, mas também alguns médicos e intelectuais em geral. Fundada num momento de afirmação, no campo psiquiátrico, da perspectiva preventiva, a LBHM vai incorporar ao seu arsenal teórico os temas básicos da higiene mental e da eugenia, tendo em vista o seu objetivo maior de colaborar no 'saneamento racial' brasileiro. Assim, é a partir desse objetivo e vendo na criança um 'pré-cidadäo', 'peça fundamental do homem do futuro', que os psiquiatras da liga incluem a questäo infantil nos seus projetos, passando a considerar imperiosa a necessidade de cuidados desde a mais tenra idade Carvalho, Alexandre Magno Teixeira de. Hist. cienc. saude;6(1):133-56, mar.-jun.1999. Trabalho e Higiene mental: processo de produção discursiva do campo no Brasil / Labor and mental hygiene: the process of discourse production in this field in Brazil Analisa a produção discursiva da psiquiatria higienista brasileira - cujo objeto são as relações entre psiquismo e trabalho humano -, nas décadas de 1920 e 1930. Com base na associação de elementos da "arqueologia do saber" e da "genealogia do poder", de Foucault, e usando os Archivos Brasileiros de Hygiene Mental (ABHM), analisa os discursos referentes às relações entre trabalho e higiene mental produzidos pela Liga Brasileira de Higiene Mental(LBHM), buscando apontar suas condições histórico-políticas, seus referentes conceituais básicos - incluindo-se aí as dimensões do objeto, do enunciado e da teorização - e seus objetivos quanto à formação e organização da força de trabalho industrial. Reis, José Roberto Franco Higiene mental e eugenia: "o projeto nacional" da Liga Brasileira de Higiene Mental (1920-30) Tese 1994 Apresentada a Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas para obtenção do grau de Mestre. Resgata a historia da Liga Brasileira de Higiene Mental, fala de suas propostas, serviços e campanhas - como a questão do combate ao alcoolismo e da higiene mental. Analisa a temática racial, tendo em vista a importância da perspectiva eugênica na instituição, bem como a questão do controle imigratório. Investiga a visão mais ampla da medicina mental acerca da raça, inserindo-a no combate geral da construção da nacionalidade, idéia-força que empolgava a intelectualidade brasileira do período. Aborda a questão infantil na instituição, pela perspectiva preventiva que orientava seus projetos. Discute o processo de radicalização eugênica da instituição, observada na virada dos anos 30, onde certas propostas de fundo racial, moral e social ganham fôlego, com destaque para o tema da esterilização eugênica. Giordano Júnior, Sylvio. Mestrado. SP 1989 A persistência da higiene e a doença mental: contribuição à história das políticas de saúde mental no Estado de São Paulo Estuda as políticas de assistência ao doente mental no âmbito do Serviço Público do Estado de São Paulo. O período coberto vai da fundação do Hospício de Juqueri à década de 80, com ênfase no período 1950-1982. Conclui que a história das políticas de assistência psiquiátrica pode ser lida como história das proposições higiênicas em processo de reformulação e rearticulação. Propõe uma periodização, com vistas a estudos posteriores com maior nível de aprofundamento: - período 1898-1923 - proposições que remetem à idéia geral de Higiene. - período 1923-1947 - proposições de Higiene Mental americana adaptada às necessidades locais. Proposições semelhantes às da Higiene Social do século XIX e dirigidas ao proletariado urbano. - período 1947 até o presente, - retomada dos aspectos psicodinâmicos da Higiene Mental americana e aproximação com a Saúde Pública. A partir da década de 70 substituição da Higiene Mental pelo conceito de Saúde Mental. |
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