Agosto de 2022 – Vol. 27 – Nº 8
Antônio Geraldo da Silva https://orcid.org/0000-0003-4956-7713
Leonardo Rodrigo Baldaçara – https://orcid.org/0000-0002-5201-8515
RESUMO: Tendo em vista as diversas pesquisas realizadas no Brasil e em todo o mundo que tentam descobrir se realmente há eficácia no uso de canabidiol (CBD) no tratamento de diversas doenças, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP publica seu posicionamento oficial a respeito do assunto.
Palavras-chave: cannabis, tratamento psiquiátrico, canabidiol
ABSTRACT: In view of the various studies carried out in Brazil and around the world that try to find out if there is really effectiveness in the use of cannabidiol (CBD) in the treatment of various diseases, the Brazilian Psychiatry Association – ABP publishes its position statment on the subject. Keywords: cannabis, psychiatric treatment, cannabidiol
Editorial Posicionamento oficial da ABP relativo ao uso da cannabis em tratamentos psiquiátricos 2 Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro, 2022; 12:1-6
Questão: Tendo em vista as diversas pesquisas realizadas no Brasil e em todo o mundo que tentam descobrir se realmente há eficácia no uso de canabidiol (CBD) no tratamento de diversas doenças, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP publica seu posicionamento oficial a respeito do assunto.
Posição da ABP:
1- Não há evidências científicas suficientes que justifiquem o uso de nenhum dos derivados da cannabis no tratamento de doenças mentais. Em contrapartida, diversos estudos associam o uso e abuso de cannabis, bem como de outras substâncias psicoativas, ao desenvolvimento e agravamento de doenças mentais [1-6].
2- O uso e abuso das substâncias psicoativas presentes na cannabis causam dependência química, podem desencadear quadros psiquiátricos e, ainda, piorar os sintomas de doenças mentais já diagnosticadas. Esse é o caso da esquizofrenia – estima-se que o risco para desenvolvimento da doença seja quatro vezes maior e o uso de cannabis piora o prognóstico da doença. O uso de cannabis também está associado à alteração basal de humor, à depressão, ao transtorno bipolar, aos transtornos de ansiedade, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e à ideação suicida [1, 4, 7-9].
3- As pesquisas sobre o CBD devem continuar, mas os estudos sobre os efeitos colaterais e a probabilidade de dependência também devem ser realizados e intensificados [4, 9].
4- Alguns veículos midiáticos brasileiros têm endossado estudos sobre os possíveis “benefícios” da cannabis, corroborando para interpretações equivocadas e contribuindo para a impressão de que a maconha é um produto totalmente seguro e inofensivo para o consumo, sobretudo pelos mais jovens [1, 9]. Essa “publicidade” positiva remete à época em que os cigarros eram comercializados com chancela da mídia, e até mesmo de parte da comunidade médica, para atender interesses financeiros.
5- No Brasil, o Conselho Federal de Medicina – CFM autoriza o uso compassivo do CBD apenas para crianças e adolescentes com epilepsia de difícil tratamento, por meio da Resolução nº 2.113 de 2014.10 [10].
6- Assim como a ABP, a Associação Americana de Psiquiatria (em inglês, American Psychiatric Association – APA) [6] não endossa o uso da cannabis para fins medicinais. Um dos trechos do documento produzido pela APA diz que “não há evidências científicas atuais de que a cannabis seja benéfica para o tratamento de qualquer transtorno psiquiátrico. Em contraste, as evidências atuais apoiam, no mínimo, uma forte associação do uso de cannabis com o aparecimento de transtornos psiquiátricos [6]. “Os adolescentes são particularmente vulneráveis a danos, devido aos efeitos da cannabis no desenvolvimento neurológico” [1].
7- O tratamento de qualquer doença deve ser realizado baseado em evidências científicas e os médicos que receitam o uso da cannabis para fins medicinais devem ter plena consciência dos riscos e responsabilidades inerentes à prescrição [4].
8- Não há nenhuma evidência científica convincente de que o uso de canabidiol, ou quaisquer dos canabinoides, possam ter qualquer efeito terapêutico para qualquer transtorno mental. Importante salientar que não vem ao caso se uma substância é sintética ou natural, sem ensaios clínicos bem desenhados não se pode indicar qualquer substância para o tratamento de qualquer doença [2, 4].
9- A ABP apoia todas as linhas de pesquisas científicas para a busca de novas soluções para doenças sem tratamento, desde que obedeçam a todos os regramentos relativos às pesquisas científicas.
10- A ABP, após avaliação criteriosa, tendo em vista os diversos prejuízos destacados, no momento, não apoia o uso da cannabis e de seus derivados com fins medicinais na área de Psiquiatria, nem apoia seu uso para fins recreativos. É importante ter em mente que não há nenhum registro em nenhuma agência reguladora internacional de nenhum canabinoide para tratamento de nenhuma doença psiquiátrica.
Referências 1. Gobbi G, Atkin T, Zytynski T, Wang S, Askari S, Boruff J, Ware M, Marmorstein N, Cipriani A, Dendukuri N, Mayo N. Association of Cannabis Use in Adolescence and Risk of Depression, Anxiety, and Suicidality in Young Adulthood: A Systematic Review and Metaanalysis. JAMA Psychiatry 2019; 76:426-34. https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2018.4500
2. Kirkland AE, Fadus MC, Gruber SA, Gray KM, Wilens TE, Squeglia LM. A scoping review of the use of cannabidiol in psychiatric disorders. Psychiatry Res 2022; 308:114347. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114347 – PMid:34952255
3. Kopelli E, Samara M, Siargkas A, Goulas A, Papazisis G, Chourdakis M. The role of cannabidiol oil in schizophrenia treatment. a systematic review and meta-analysis. Psychiatry Res. 2020;291: 113246. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2020.113246 PMid:32599446
4. Black N, Stockings E, Campbell G, Tran LT, Zagic D, Hall WD, Farrell M, Degenhardt L. Cannabinoids for the treatment of mental disorders and symptoms of mental disorders: a systematic review and meta-analysis. Lancet Psychiatry. 2019;6: 995-1010. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(19)30401-8
5. Meier MH, Caspi A, Knodt AR, Hall W, Ambler A, Harrington H, Hogan S, Houts RM, Poulton R, Ramrakha S, Hariri AR, Moffitt TE. Long-Term Cannabis Use and Cognitive Reserves and Hippocampal Volume in Midlife. Am J Psychiatry 2022; 179:362-74. https://doi.org/10.1176/appi.ajp.2021.21060664 – PMid:35255711
6. American Psychiatric Association. Position Statement in Opposition to Cannabis as medicine. 2019. https://www.psychiatry.org/File%20Library/AboutAPA/Organization-Documents-Policies/Policies/Position-Cannabis-asMedicine.pdf
7. Guinguis R, Ruiz MI, Rada G. Is cannabidiol an effective treatment for schizophrenia? Medwave 2017;17:e7010. https://doi.org/10.5867/medwave.2017.07.7010 – PMid:28820868 8. McLoughlin BC, Pushpa-Rajah JA, Gillies D, et al. Cannabis and schizophrenia. Cochrane Database Syst Rev 2014:CD004837. https://doi.org/10.1002/14651858.CD004837.pub3 PMid:25314586
9. Paul SE, Hatoum AS, Fine JD, Johnson EC, Hansen I, Karcher NR, Moreau AL, Bondy E, Yueyue Qu; Carter EB, Rogers CE, Arpana Posicionamento oficial da ABP relativo ao uso da cannabis em tratamentos psiquiátricos 6 Debates em Psiquiatria, Rio de Janeiro, 2022; 12:1-6 https://doi.org/10.25118/2763-9037.2022.v12.393 Agrawal A, Barch DM, Bogdan R. Associations Between Prenatal Cannabis Exposure and Childhood Outcomes: Results From the ABCD Study. JAMA Psychiatry 2021; 78:64-76. https://doi.org/10.1001/jamapsychiatry.2020.2902 PMid:32965490 – PMCid:PMC7512132
10. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM Nº 2.113/2014. Aprova o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos convencionais. 2014. https://portal.cfm.org.br/canabidiol/protocolos.php