Maio de 2021 – Vol. 26 – Nº 05
Belarmino Alves de Azevedo (*1),
Arthur Monteiro Salles (*2) e
Talvane Marins de Moraes (*3)
(*1) Prof. das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica da Universidade Iguaçu (UNIG) e Ex-coordenador do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação Oswaldo Cruz (INI/FIOCRUZ), e-mail: [email protected];
(*2) Prof. das Disciplinas de Psiquiatria e Psicologia Médica (UNIG) e Ex-perito psiquiatra do Departamento de Saúde (DESAU) do Tribunal de Justiça RJ, Comarcas da Capital e Belford Roxo;
(*3) Prof. da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Ex-diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho.
PSICOPATIA SOCIAL III: CARACTERÍSTICAS E CRITÉRIO DIAGNÓSTICO PARA PSICOPATIA SOCIOINSTITUCIONAL
Resumo:
Foram utilizados dois diagnósticos para a composição do quadro clínico de psicopatia social ou socioinstitucional: personalidade psicopática e estilo social ou socioinstitucional psicopático.
No diagnóstico de personalidade psicopática levou-se em consideração os dois primeiros dos quatro fatores de HARE, respectivamente os Fatores 1 e 2 (estilos interrelacional e afetivo-emocional), em um total de oito unidades de observação, ou características diagnósticas:
– Fator 1 (estilo interrelacional): 1. Superestima; 2. Sedução (loquacidade); 3. Farsa (mentira patológica); 4. Manipulação ou vigarice;
– Fator 2 (estilo afetivo-emocional): 5. Afetos superficiais; 6. Falta de empatia; 7. Ausência de remorso ou culpa; 8. Incapacidade de aceitar responsabilidade pelos seus atos inadequados.
Para o diagnóstico de estilo socioinstitucional psicopático foram consideradas as seguintes características diagnósticas: 1. Talento diferenciado; 2. Abnegação ao trabalho; 3. “Camaleonismo”; 4. “Messianismo” (ou “salvador da pátria”); 5. Parasitismo; 6. Alpinismo hierárquico socioinstitucional; 7. Controle do poder ou liderança; 8. Discrepância funcional; 9. Inadequações antiéticas ou delitivas.
Neste estudo, existiram os objetivos de estabelecer a composição do quadro clínico de psicopatia socioinstitucional e sugerir seus critérios diagnósticos iniciais.
O presente caso socioinstitucional, acompanhado por 4 anos, respondeu plenamente às categorias diagnósticas que constituem este quadro clínico.
Conclui-se que:
1- O diagnóstico de psicopatia social ou socioinstitucional pode resultar das associações entre o estilo socioinstitucional psicopático e uma das seguintes opções diagnósticas:
- os diagnósticos de transtornos de personalidade antissocial da DSM-5 ou do CID-10;
- diagnóstico de personalidade psicopática, acima considerado.
2- Sugere-se que o critério diagnóstico para psicopatia socioinstitucional deva ser estabelecido, inicial e minimamente, a partir de 8 categorias diagnósticas totais: o somatório de 4 ou mais características diagnósticas da personalidade psicopática com 4 ou mais do diagnóstico de estilo socioinstitucional psicopático.
Palavras chaves: Psicopatia social ou socioinstitucional, estilo socioinstitucional psicopático, critérios diagnósticos e psicopatologia.
SOCIAL PSYCHOPATHY III: CHARACTERISTICS AND DIAGNOSTIC CRITERIA FOR SOCIO-INSTITUTIONAL PSYCOPATHY
Abstract:
Two diagnoses were used for the composition of the clinical picture of social or socio-institutional psychopathy: psychopathic personality and psychopathic social or socio-institutional style.
In the diagnosis of psychopathic personality, the first two of the four factors of HARE were taken into account, Factors 1 and 2 (interrelational and affective-emotional styles), respectively, in a total of eight observation units, or diagnostic characteristics: Factor 1 (1. Overestimation; 2. Seduction (loquacity); 3. Humbug (pathological lie); 4. Manipulation or swindling; and Factor 2 (5. Superficial affections; 6. Lack of empathy; 7. Absence of remorse or guilt; 8 Inability to accept responsibility for their inappropriate acts).
For the diagnosis of psychopathic socio-institutional style, the following diagnostic characteristics were considered: 1. Differentiated talent; 2. Selflessness to work; 3. “Chameleonism”; 4. “Messianism” (or “savior of the homeland”); 5. Parasitism; 6. Hierarchical socio-institutional mountaineering; 7. Control of power or leadership; 8. Marked functional discrepancy; 9. Unethical or criminal inadequacies.
In this study, there were the objectives of establishing the composition of the clinical picture of socio-institutional psychopathy and suggesting its initial diagnostic criteria.
The present socio-institutional case, followed for 4 years, fully responded to the diagnostic categories that constitute this clinical picture.
It is concluded that:
- the diagnosis of social or socio-institutional psychopathy may result from associations between the psychopathic socio-institutional style and one of the following diagnostic options: a. diagnoses of DSM-5 or ICD-10 antisocial personality disorders; B. diagnosis of psychopathic personality, considered above.
- it is suggested that the diagnostic criterion for socio-institutional psychopathy should be established, initially and minimally, from 8 total diagnostic categories: the sum of 4 or more diagnostic characteristics of the psychopathic personality with 4 or more of the psychopathic socio-institutional style diagnosis.
Key words: Social or socio-institutional psychopathy, psychopathic socio-institutional style, diagnostic criteria and psychopathology.
Introdução
Incluem-se na psicopatia social os psicopatas corporativos (BABIAK et al., 2010), assim como os psicopatas: comunitários (OLIVEIRA-SOUZA, 2005), institucionais (AZEVEDO et al., 2020), empresariais, do trabalho, industriais (BABIAK, 1995), “do colarinho branco”, “cobras de gravata” (BABIAK & HARE, 2006) ou “cobras de terno” (BABIAK & HARE, 2006); aborda diversos contextos: institucional, familiar, conjugal, político, religioso, desportivo, corporativo, no trabalho etc.
“Psicopatas cobra de gravata”, contribuição de BABIAK e HARE (2006), é um destaque, entre as referências ao tema psicopatia corporativa; mostra a descrição da trajetória do psicopata no trabalho, em cinco fases: 1. ingresso na empresa; 2. estudo do território; 3. manipulação de pessoas e fatos; 4. confrontação; e 5. ascensão.
Com o objetivo de estudar o território, o psicopata se utiliza, com avidez, da necessária obtenção do máximo de informações, e, não raro, como consequência, termina por mostrar-se como agente de divulgação das informações institucionais; segundo BABIAK et al. (2010), os psicopatas corporativos existem em alta prevalência nos cargos empresariais hierárquicos superiores, de 15 a 20%.
CLARKE (2011) e Sina (2017) são referências que descrevem a psicopatia no contexto do trabalho. Sina (2017), como resultado do seu relacionamento empresarial cotidiano, em algumas décadas de convívio com psicopatas corporativos, mostra um conjunto muito significativo de características ou traços de personalidade, a saber:
– Falsa humildade;
– Fala calma, mansa, frequentemente de origem humilde;
– Trajetória meteórica;
– Fácil trânsito nas hierarquias superiores;
– Articulação esmerada;
– Sedução;
– Elevada dissimulação;
– Incapacidade para aceitar reeducação;
– Baixa tolerância às frustrações;
– Não reconhecimento dos princípios morais, como a bondade e honestidade;
– O recebimento ou oferta de afeto é algo irrelevante;
– Toda a vida é criada a partir de pequenas ou grandes mentiras;
– Disposição para ensinar, a se doar, não por altruísmo autêntico, mas para que as pessoas fiquem dependentes e devedoras, seja de favores, seja de respeito;
– Não mede esforços para obter vantagens ou sobressair, mostrando-se protegido por uma espécie de “falso respeito”;
– Incapaz de pedir desculpas, coloca-se sempre em primeiro lugar, disfarçado de “bonzinho” ou “gente do bem”, sempre pronto para realizar o trabalho do chefe.
Hare (2003) estabeleceu o constructo de psicopatia, escala Hare PCL-R, com a presença de quatro fatores ou estilos psicopáticos, dos quais os dois primeiros caracterizam a personalidade psicopática, enquanto os outros dois constituem os estilos comportamental-impulsivo e antissocial-delitivo. Tais fatores não são suficientemente pertinentes ao estilo social. A integração social é um valor por demais explorado pelo psicopata social, ao contrário do psicopata antissocial (HARE, 2003, CID-10, 1993 e DSM-5, 2013).
AZEVEDO e MORAES (2020), Psicopatia Social II, revelaram-nos o “estilo social”, ou “estilo socioinstitucional”, preenchendo as lacunas deixadas pelas exclusões dos fatores 3 e 4 de HARE (2003): uma substituição dos estilos comportamental-impulsivo e antissocial-delitivo por um estilo socioinstitucional, mais específico aos diferentes contextos da psicopatia social.
Os objetivos do presente trabalho, em um caso socioinstitucional, foram associar as características psicopatológicas relativas à personalidade psicopática (HARE, 2003) com as características do estilo socioinstitucional e sugerir um critério diagnóstico inicial para psicopatia social ou socioinstitucional.
O SUJEITO DAS OBSERVAÇÕES E A METODOLOGIA EMPREGADA
A metodologia empregada é descrita em AZEVEDO & MORAES (2018, “Psicopatia social I: Personalidade psicopática, segundo Hare”).
O local da observação, durante 4 anos, foi uma empresa pública prestadora de serviços de energia elétrica, na cidade de São Paulo. Circunstancialmente, ocorreu em ambientes, horários e contextos variados, ocasionais e alheios ao controle ou planejamento do observador: espaços de convivência informal dos funcionários (salas de convívio), nos grupos de discussão interprofissionais (salas de reuniões técnico-administrativas), salas de convenções e palestras, confraternizações e cerimônias institucionais.
As unidades de observação (RUDIO, 2009), os traços de personalidade (CID-10, 1993), as características diagnósticas (DSM-5, 2013) ou traços psicopatológicos aqui tiveram o mesmo significado e acompanharam os critérios diagnósticos para: Transtorno de personalidade antissocial (DSM-5, 2013), Transtorno de personalidade antissocial (CID-10, 1993) e Personalidade psicopática (HARE, 2003 e AZEVEDO & MORAES, 2008). O trabalho obteve aprovação do Conselho de Ética em Pesquisa, do Instituto Nacional de Infectologia (INI) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), RJ. Não há conflito de interesse e nem houve fontes de financiamento.
A constatação de um rastro de destruições deixado por um trabalhador com comportamentos insólitos, motivou-nos ao estudo deste caso. Profissionais com competência e formação bem superiores à sua foram anulados ou transferidos, ocorrendo prejuízos institucionais irreversíveis; paradoxalmente, notabilizou-se, por algum tempo, como “salvador da pátria”, aquele cujas ideias eram as mais ocasionalmente pertinentes e brilhantes; ganhou incomum simpatia e apoio de seus superiores, enquanto, concomitantemente, angariava acentuado ódio e desprezo de seus pares.
Resultados
Caso socioinstitucional:
Francisco, casado, idade aproximada de 45 anos, graduado em matemática, é servidor público de nível superior. Ingressou na Fundação de Serviços de Energia Elétrica na Cidade de São Paulo, prestando serviços em Departamento de Obras – setor dos mais admirados na instituição, graças ao já existente e excelente grupo de trabalhadores com boa titulação, experiência profissional amplamente comprovada e aderência aos objetivos e metas institucionais.
A função inicial de Francisco era a de servidor subalterno naquele Departamento, dirigido por uma profissional de elevadas competência e formação técnica, e responsável por vários projetos de desenvolvimento de oportuno interesse corporativo. Colaboradora sempre elogiada, apoiada em seus pontos de vista e iniciativas, era tida como referência, e já se falava em oferecer-lhe papel de relevância ainda maior.
No entanto, surpreendentemente, por motivos divulgados como pessoais e não claramente esclarecidos, tal profissional anuncia sua transferência para outra empresa. Todos, no entanto, percebiam que, a partir de certa época, após a chegada de Francisco, ela passara a conviver com crescentes desapontamentos e frustrações.
Assim, Francisco, que se encontrava hierarquicamente distante da chefia do Departamento, por conta de sua insuficiente titulação, viu-se agora ocupando o cargo de chefia dela, em um curtíssimo espaço de tempo (Alpinismo hierárquico), para surpresa de seus demais pares, e com promessas de crescimento e modernização institucionais (messias). Reorganizou, a seu modo, os recursos humanos (Controle do poder); indicou, escolheu e incluiu novos servidores (Controle do poder); enquanto todos os demais com mais titulações que Francisco sentiam-se prejudicados (Inadequação antiética-maleficiência). Assim, foram deixando o Departamento, um a um, por falta de condições de convívio com o novo chefe, que se mostrava tirânico.
Embora Francisco tratasse seus pares ou profissionais hierarquicamente inferiores com distanciamento e emoções pouco evidentes (Afetos superficiais), não poupava esforços em colaborar com o Diretor-Geral de Recursos Humanos (Abnegação ao trabalho) e ninguém mais realizava tantas coisas em benefício das realizações corporativas (Abnegação ao trabalho). Elaborava projetos com incomum e diferenciada habilidade técnica (Talento diferenciado), e nunca demonstrava ao Diretor e Vice-presidentes atitudes que lembrassem alguma dificuldade para atingir a meta definida corporativamente: trabalhava dia e noite, era incansável (Abnegação ao trabalho); mostrava-se como profissional perfeito, espelho das expectativas e objetivos institucionais (Camaleonismo). Ganhou apoio, admiração dos superiores, elogios públicos, homenagens e informações privilegiadas (Parasitismo), por demais importantes para o sucesso de suas ações futuras, cuidadosamente planejadas.
Logo se expandiu hierarquicamente (Alpinismo hierárquico). Seus pontos de vista foram absorvidos como os mais oportunos para a instituição – que sofreu uma reforma nos planos de objetivos e metas, alinhados de forma central aos princípios do Departamento. Francisco passou também a acumular chefias de outros Departamentos (Parasitismo), embora em muitos deles não possuísse qualquer experiência profissional (Discrepância funcional).
Com elevada participação em diferentes segmentos corporativos e como resultado de sua escalada institucional repentina (Alpinismo hierárquico), tornou-se o principal assessor da Presidência da instituição, que, a partir de então, nada mais fez sem primeiro consultá-lo (Controle do poder).
Francisco na realidade guardava uma graduação acadêmica em matemática, mas houvera se apresentado como engenheiro eletrônico (Inadequação delitiva). Após alguns constrangimentos, assumiu-se como matemático e não mais engenheiro. Mas nem por isto, deixou de ser homenageado pela Presidência, pelo menos por mais algum tempo.
Descobriu-se também que ele não possuía suficiente competência técnica para exercer a chefia de um dos Departamentos (Discrepância funcional). Foi autor de um grande desastre institucional (Inadequação antiética-maleficência), o que revoltou os demais servidores, mas nem por isso perdeu os cargos de chefia.
Tudo se iniciou com suas elevadas habilidades para conversar e aparente coerência argumentativa (Loquacidade), mostrando-se muito conveniente, necessário, oportuno (Sedução) e admirado (Manipulação). Tais recursos foram facilitados por seu elevado controle emocional, articulado com singular esperteza; utilizou “máscaras” de alegria ou tristeza com incomum habilidade técnica e dramática (Sedução). Caminhou com sutileza artística e elevada perícia (Talento diferenciado), transitando na instituição de forma insuspeita e “anestesiou” a racionalidade crítica de seus interlocutores (Manipulação). Em suas relações objetais, deixava somente livres as opiniões favoráveis: admiração e elogios (Manipulação). Planejou, desempenhou ações cuidadosamente, além de exibir-se aparentemente com elevada competência técnica (Farsa).
Não tardou para ser percebido como merecedor de boa consideração e deferência ímpar, sendo mesmo com frequência visto como encantador e capaz (Manipulação), condição facilitadora para sua influência institucional.
Obter favores ou vantagens (Parasitismo), de quem não estava pronto ou a favor de oferecê-las, costumou ser para ele um desafio, acalentado e calculado cuidadosamente. Impôs sua vontade sobre a vontade alheia (Manipulação), buscando incessantemente alguma vitória ou conquista (Parasitismo). Conseguia transformar com incomum habilidade a recusa inicial de seu superior em aceitação e apoio (Manipulação); realizou a sua meta planejada, adaptou-se e envolveu-se intensa e sutilmente com uma das suas vítimas, sem ruídos e de forma amistosa – uma dupla elevadamente sintonizada (Camaleonismo).
Em defesa desta sua imagem que retratava os objetivos corporativos (Camaleonismo), evitou os confrontos, que ameaçariam manchar ou desgastar sua verdadeira intenção. Nessa fase da trajetória enganosa, narcisismo e autoconfiança desmedidos (Superestima) otimizou seu estereótipo, glorificou-o e foi também endeusado (messias). Concomitantemente, este mesmo narcisismo produziu-lhe um efeito antissocial: colocou-o diante de sua falha social, qual seja, a de negar e abandonar as parcerias que lhe auxiliaram na escalada corporativa (Falta de empatia).
Em realidade, suas ações inadequadas eram encobertas por uma “cortina de fumaça” (Farsa), que obscurecia e impedia qualquer clareza de entendimento (Manipulação), que pudesse desmascará-lo. Como consequência, enganou grande número de pessoas (Farsa), durante muito tempo. Foi possuidor de qualificação teatral sofisticada (Farsa), a ponto de iludir (Manipulação) até mesmo as pessoas de sabida e elevada competência técnica ou profissional.
Focalizou as ações predatórias também no bloqueio, desvio e anulação da carreira ou ideal profissional de seus pares ou dos propósitos institucionais (Inadequação antiética-maleficência); oprimiu e dilacerou os ideais profissionais alheios (Inadequação antiética-maleficências). Os estragos corporativos foram pontuais, concentrados em algumas pessoas ou dispersaram-se em uma abrangência corporativa maior (Inadequação antiética-maleficências). Em nenhum momento demonstrou expressões de arrependimento ou culpa (Ausência de culpa), ao contrário, além de não assumir as responsabilidades sobre as próprias falhas (Inaceitação das suas inadequações), continuamente encontrava justificativas, coerentes em seu juízo, auto defensivas, ou então atribuía a outrem a culpa. Seus valores de gratidão se mostraram extremamente frágeis, quase inexistentes, ainda que não lhe faltasse a falsa retórica, elaborada com sofisticação e oportunismo (Loquacidade). Não matou pessoas, mas minou, enfraqueceu, contribuiu sobremaneira para a destruição de um sistema institucional e desqualificou os valores éticos alheios (Inadequação antiética-maleficências).
Caso socioinstitucional – categorias diagnósticas identificadas (*):
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Parte A– Segundo o diagnóstico de personalidade psicopática, estilos interrelacional e afetivo-emocional, (HARE, 2003)
Estilo interrelacional:
1- Superestima +
2- Sedução (Loquacidade) +
3- Farsa (Mentira patológica) +
4- Manipulação ou Vigarice +
Estilo afetivo-emocional:
5- Afetos superficiais +
6- Falta de empatia +
7- Ausência de remorso ou culpa +
8 – Incapacidade de aceitar responsabilidade pelos seus atos inadequados +
Parte B – Estilo socioinstitucional:
9- Talento ou virtude pró-social diferenciada +
10- Abnegação ao trabalho +
11- “Camaleonismo” +
12- “Messianismo” (“salvador da pátria”) +
13- Parasitismo +
14- Alpinismo hierárquico socioinstitucional vertiginoso +
15- Controle do poder socioinstitucional (Liderança) +
16- Elevada discrepância entre o exercício de atribuições superiores e o nível inferior de formação
profissional – quando outro(s) profissional(ais), possuidor(es) da necessária formação,
poderia(m), por mérito, ocupar +
17- Inadequações antiéticas ou delitivas. +
(*) Os termos entre parênteses estão incluídos nos que os precedem, de maior abrangência.
Discussão
O termo psicopatia é empregado no sentido lato sensu, como utilizado por Hare (HARE, 2005), em “Psicopatas cobras de gravata”.
HARE (2003) considerou a psicopatia um constructo, composto por quatro estilos: interrelacional, afetivo-emocional, comportamental-impulsivo e antissocial-delitivo, para aplicabilidade nos contextos forenses. Tal constructo, o CID-10 (1993) e a DSM-5 (2013) são os três instrumentos diagnósticos que abordam com maior pertinência os psicopatas antissociais ou forenses, aqueles com elevado índice de reincidência criminal.
Consideramos a existência de dois tipos de psicopatia: antissocial e social. Os 17 itens do quadro clínico da psicopatia social, ou socioinstitucional, voltam-se predominantemente para os psicopatas encontrados nas diversidades dos contextos pró-sociais, porque acompanham-se pelo estilo socioinstitucional psicopático. O traço psicopatológico “predação” encontrado em AZEVEDO et al. (2020), foi incluído aqui a maleficências, uma da inadequação antiética, item 17 do quadro clínico.
A trajetória meteórica identificada por SINA (2017) encontra resultados equivalentes ao alpinismo hierárquico socioinstitucional vertiginoso, item 14, a saber: pessoas, frequentemente de origem mais humilde que, movidas por elevada ambição, empenham-se com abnegação (abnegação ao trabalho, item 10) na busca por posições associadas a privilégios e prestígios, controle do poder ou liderança – principal desafio e objetivo existenciais do psicopata socioinstitucional, em seus contextos pró-sociais. Este alpinismo hierárquico do psicopata socioinstitucional no contexto pró-social, sem impor-se pela violência ou homicídio, é elemento diferenciador da psicopatia antissocial. Vale dizer que, para mostrar-se destacado e atingir o poder, alimentando seu excessivo narcisismo, o psicopata socioinstitucional sustenta-se em sua escalada por alguns traços psicopatológicos importantes, como: autoestima elevada (1), sedução (2), loquacidade (2), farsa ou mentira patológica (3), manipulação (4), parasitismo (13), alpinismo hierárquico (14), inadequações antiéticas ou delitivas (17), chegando ao controle do poder (15). Tais traços psicopatológicos são apoiados pelos demais.
O psicopata antissocial também realiza o alpinismo hierárquico, implicando-se e acumulando inadequações delitivas, em uma sucessão de homicídios. Ainda que os dois tipos de psicopatia tenham origem em um eixo comum, fundamentalmente biológico, o psicopata socioinstitucional é dominantemente presente no campo pró-social, enquanto o psicopata antissocial, nos contextos antissociais, tal como: a criminalidade, a delinquência ou os diferentes tipos de tráfico.
Para o diagnóstico de psicopatia socioinstitucional, não identificado em trabalhos científicos anteriores, sugerimos as associações do estilo socioinstitucional psicopático com os diagnósticos de personalidade psicopática, fatores 1 e 2 do constructo de Hare (HARE, 2003), com o constructo dos 4 fatores de Hare (HARE, 2003) e os diagnósticos de transtornos de personalidade antissocial (CID-10, 1993 e DSM-5, 2013).
Na elaboração do diagnóstico de psicopatia socioinstitucional, com suficiente sustentabilidade técnica, mostra-se imperativo deter competência e habilidade profissional em psicopatologia, especialmente nos diagnósticos diferenciais com outros transtornos de personalidade.
Conclusão
– Para o diagnóstico de psicopatia socioinstitucional propõe-se as associações entre o estilo socioinstitucional psicopático e uma das seguintes opções diagnósticas:
- os diagnósticos de transtornos de personalidade antissocial da DSM-5 (2013) ou do CID-10 (1993) ou
- O diagnóstico de psicopatia (HARE, 2003) ou
- O diagnóstico de personalidade psicopática, anteriormente considerado;
Sugere-se que o critério diagnóstico para psicopatia socioinstitucional seja estabelecido a partir de 8 categorias diagnósticas totais: somatório de 4 ou mais características diagnósticas do diagnóstico de personalidade psicopática com 4 ou mais do diagnóstico de estilo socioinstitucional psicopático.
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