Abril de 2021 – Vol. 26 – Nº 04
Walmor J. Piccinini
Nos três primeiros capítulos trouxe fatos e minhas memórias sobre a instalação da psicanálise
em Porto Alegre e no Estado. Para permitir uma sequência mais racional vamos fazer um
roteiro da instalação das diferentes entidades. Uma velha piada diz que três judeus significam
duas sinagogas e uma dissidência. A psicanálise como um todo sofre pressões de toda ordem.
Do mundo psicológico em geral, do mundo religioso, do mundo psicanalítico e sua
fragmentação teórica e ideológica interna. Desde seu início, com a ruptura do “grupo das
quartas feiras” de Freud, a convivência grupal se mostra no mínimo complicada. No Brasil e no
Rio Grande do Sul particularmente, floresceram muitas novas entidades.
Para facilitar, criamos uma ordem em forma de linha do tempo:
1947 – Mário Martins dá origem ao grupo analítico de Porto Alegre.
1956 – O então padre e reitor da Universidade Católica de Pelotas Dr. Malomar Lund Edelweis
funda o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda em Pelotas-RS. Igor Caruso, ocriador do
Círculo vienense esteve presente.
1960 – O CBPP se transfere para Porto Alegre com 5 candidatos em formação. Em 1971 é
fundado o Círculo Carusiano de São Leopoldo que depois se integra ao já existente e o nome
passa a ser Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul.
1961. é reconhecida a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre.
1971 É fundado o Círculo Carusiano em São Leopoldo sob a liderança do Padre Aloysio Kohler e
pelo médico Ary Wolfenbuttel. (O grupo já existente em Pelota formado pelo Padre Malomar
Edelweis se muda para Porto Alegre).
1976 retorna o primeiro “Argentino”, Fernando Kunzler. Segue-se Júlio Campos, Louis Moeller,
Francischelli, Trachtenberg e Abrão Turkenitz.
1980 – Júlio Campos, José Outeiral e Alfredo Jerusalinky (este argentino legítimo) fundam o
CEAPIA
1983. David Zimmermann pede aposentadoria pela Faculdade de Medicina da UFRGS e com
ele saem professores solidários.
1985. Os “argentinos” fundam o CEPP (Centro de Estudos de Psicoterapia Psicanalítica) que
depois passou a ser CEP.
1987. Foi fundado o Núcleo Psicanalítico de Pelotas. O Núcleo de Pelotas foi reconhecido como
Grupo de Estudos Psicanalíticos em 1988.
1989. A Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre passa a aceitar Psicólogos em Formação
Psicanalítica.
1994. Os barrados pela SPPA, mais os divergentes fundam a Sociedade Brasileira de Porto
Alegre – SBPA)
1971. Mário Martins se afasta da presidência da SPPA por problemas de saúde. Em 1975, as
divergências internas se tornaram intensas na IPA de Porto Alegre e Mário Martins reassumiu como
presidente para administrar a crise instalada, formando um grupo de conciliação. (Gajeiro).
1975 David Zimmermann é eleito para uma das diretorias da IPA permanece de 1975-79).
1976 retorna o primeiro “Argentino”, Fernando Kunzler. Segue-se Júlio Campos, Louis Moeller,
Francischelli, Trachtenberg e Abrão Turkienitz.
1976 – José Jayme Lemmertz, um dos didatas fundadores se afasta da SPPA e lança um livro
enuncia contra a orientação “kleiniana” da SPPA.
1979 A Revista Brasileira de Psicanálise publica, em noticiário especial, as manifestações
afetuosas com que foi assinalado o aniversário de 70 anos de Mário Alvarez Martins.
1980 – Júlio Campos, José Outeiral e Alfredo Jerusalinky (este argentino legítimo) fundam o
CEAPIA.
1981- Em 19 de abril, morre Mário Martins, membro didata, primeiro presidente e fundador
da SPPA. Sugerida a criação de uma Comissão Científica da SPPA.
Em eleições realizadas no início de 2003, Cláudio Laks Eizirik foi eleito presidente da IPA, o
primeiro brasileiro a assumir tal cargo, que veio a ocupar em 2005.
1982 Em janeiro, é editado o primeiro número do Boletim Informativo da SPPA.
1983. David Zimmermann, após crise interna, pede aposentadoria pela Faculdade de Medicina
da UFRGS e com ele saem professores solidários. Saem e fundam a Fundação Universitária
Mário Martins que se torna o maior ambulatório de psiquiatria psicodinâmica do país.
1985 Morte de Zaira Martins, em 7 de agosto. Início das atividades do Centro de Estudos
Psicodinâmicos de Florianópolis, com o apoio da SPPA.
1985. Os “argentinos” fundam o CEPP (Centro de Estudos de Psicoterapia Psicanalítica) que
depois passou a ser CEP.
1987. Foi fundado o Núcleo Psicanalítico de Pelotas. O Núcleo de Pelotas foi reconhecido como
Grupo de Estudos Psicanalíticos em 1988.
1989. A Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre passa a aceitar Psicólogos em Formação
Psicanalítica.
1994. Os “barrados” (analistas que retornam de Buenos Aires com formação na APA), pela
SPPA, mais os divergentes fundam a Sociedade Brasileira de Porto Alegre – SBPA). 1989-
Comemorações do cinquentenário da morte de Sigmund Freud.
1994. Criação da Formação Psicanalítica de Crianças e de Adolescentes no Instituto de
Psicanálise da SPPA.
1998 SPPA acolhe a sede da FEPAL, com Cláudio Eizirik na presidência. Falecimento de David
Zimmermann.
2001 Inauguração da sala Santiago Wagner na SPPA. Cláudio Laks Eizirik é empossado vice-
presidente da IPA para a América Latina.
2005 Cláudio Eizirik assume a presidência da IPA (2005-2009). A Comissão de Psicanálise da
Infância e da Adolescência é designada Núcleo da Infância e da Adolescência.
1989 – Em 17 de dezembro de 1989, deu-se a fundação da Associação Psicanalítica de Porto
Alegre (APPOA). A ata de fundação foi publicada no primeiro boletim da instituição em março
de 1990. Movimento Lacaniano estabelece bases fortes em Porto Alegre.
Vou utilizar a história das diferentes entidades a partir de dados publicados nos
seus sites.
História da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre
http://sppa.org.br/a-sppa/historia/linha-do-tempo
Segundo Vollmer Filho, procurando situá-la dentro da História da
Psicanálise no Brasil, temos a seguinte descrição:
O primeiro período, de 1919 a 1937, teve origem com a publicação dos primeiros artigos de
Freud e a fundação dos primeiros grupos interessados em Psicanálise, e encerrou com a
chegada da Adelheid Lucy Koch (1896-1980) ao Brasil para dar início a análises didáticas em
São Paulo. O segundo momento, de 1937 aos dias atuais, caracteriza-se pelos resultados
obtidos a partir dos esforços empreendidos pelo médico paulista Durval Bellegarde Marcondes
(1899-1981) para possibilitar o trabalho dessa psiquiatra e psicanalista alemã, mais tarde
naturalizada brasileira. Adelheid foi a primeira psicanalista com formação reconhecida pela
International Psychonalytical Association (IPA) a atuar na América Latina e a realizar
seminários, análises didáticas e supervisões. Sua vinda representou a oportunidade de
organização da Psicanálise no Brasil de acordo com as normas estabelecidas para formação
psicanalítica pela IPA, em 1921 (VOLLMER FILHO, 1995).
O período inicial da Psicanálise no país foi à época em que o pensamento psicanalítico se
propagou para as pessoas às quais Perestrelo (1987, p. 12) chamou precursores, ou seja,
aqueles que: autodidatas, sem qualquer formação psicanalítica sistematizada, se
aprofundaram nas teorias de Freud, divulgando-as e tentando, como puderam, usar a técnica
analítica em períodos em que ainda não havia psicanalistas formados e formadores no Brasil.
Entretanto, a autora enfatiza que há uma diferença entre os precursores e os pioneiros. Estes
últimos seriam representados por aquelas pessoas que se organizaram para desenvolver a
Psicanálise a partir de uma estrutura oficial, segundo estabelecido pelas normas da IPA. Alguns
dos precursores destacados por Perestrelo foram: Juliano Moreira, professor da Faculdade de
Medicina de Salvador, inovador da Psiquiatria no Brasil, que se referia às ideias de Freud já em
1899; Genserico de Souza Pinto, autor do primeiro trabalho psicanalítico escrito em língua
portuguesa, qual seja a tese de doutoramento Da Psicanálise – a sexualidade nas neuroses
(1914); Franco da Rocha, professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, que, em 1919,
apresentava aula intitulada “O delírio em geral”, abordando a importância das ideias de Freud
para a compreensão do delírio, dos sonhos e da criação artística – além de publicar o texto da
aula no jornal O Estado de S. Paulo, Rocha lançou o livro Pansexualismo na doutrina de Freud:
resumo geral e indispensável para a compreensão da Psicanálise; Durval Marcondes que,
lendo o texto de Franco da Rocha em seu primeiro ano de Medicina, também em São Paulo,
teria tido o seu interesse pela Psicanálise ampliado cada vez mais. Durval Marcondes assinava
o International Journal of Psychoanalysis, lia livros de Freud e, ao se formar, em 1924,
estimulado por Franco da Rocha, começou a aplicar o método psicanalítico em sua clínica.
Segundo Perestrello, ele foi o único dos precursores que se tornou pioneiro: de “psicanalista
silvestre” tornou-se mais tarde o organizador, o incentivador, poder-se-ia dizer o mecenas, do
primeiro movimento psicanalítico brasileiro, tendo a humildade de se submeter a uma
formação analítica, apesar de toda a sua bagagem de conhecimento de Psicanálise
(PERESTRELLO, 1987, p. 15).
Além dos nomes já referenciados, Perestrelo ainda menciona José Joaquim de Campos da
Costa Medeiros e Albuquerque (Rio de Janeiro), membro da Academia Brasileira de Letras, que
proferiu, em 19 de novembro de 1919, conferência intitulada “Psicologia de um Neurologista –
Freud e suas teorias sexuais”, publicada nos Arquivos Brasileiros de Medicina. Outro
personagem de destaque na capital carioca foi Júlio Pires Porto – -Carreiro, médico, professor
catedrático de Medicina Legal da Universidade do Rio de Janeiro e membro honorário da
Academia Nacional de Medicina. Ele produziu inúmeros trabalhos baseado nos conhecimentos
psicanalíticos e pensava a Psicanálise como conhecimento para uso nas mais diversas áreas:
Sou um convicto da ciência de Freud. Penso que suas aplicações na vida diária, à pedagogia, e
até mesmo ao comércio, à educação da caserna, aos inquéritos judiciários, aos sistemas
penitenciários, há de vir como coisa corrente, mais ano menos ano (PERESTRELLO, 1987, p.
19).
Porto-Carreiro lançou-se com entusiasmo a divulgar a Psicanálise em todos os círculos, com
particular atenção à esfera da educação infantil. Em Salvador, a figura precursora de destaque
foi Arthur Ramos de Araújo Pereira, cuja tese de doutoramento em Medicina, “Primitivo e
loucura”, escrita em 1925, segundo Perestrelo, mereceu premiação e elogios em periódicos
estrangeiros especializados, inclusive vindos do próprio Freud. Arthur Ramos, também assina a
autoria de diversos outros trabalhos e livros psicanalíticos. Desse modo, completando esse
cenário, no Rio Grande do Sul, mais especificamente em Porto Alegre, também tivemos
precursores. Conforme Vollmer Filho (1995), no início da década de 1930, Martim Gomes
publicou dois livros – Le Rêve e Sensações estéticas e Psicanálise, e Dyonélio Machado traduziu
para o português Elementos de Psicanálise, de Edoardo Weiss.
No sentido de evidenciar a relação de paralelismo da Sociedade gaúcha com o cenário
nacional, em São Paulo, Durval Marcondes foi o responsável por organizar um grupo para
estudar e difundir a Psicanálise, tendo Franco da Rocha como presidente e o próprio Durval
como secretário. Tal grupo foi denominado Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP) e foi
fundado em 24 de novembro de 1927. Freud, ao saber da formação da Sociedade, demonstrou
sua satisfação em uma carta a Ferenczi, em 4 de janeiro de 1928 (VOLLMER FILHO, 1995).
A SBP viria a ser a primeira entidade psicanalítica da América Latina, contando com um quadro
diversificado de dezesseis personalidades, as quais avalizaram com suas assinaturas o ato de
fundação da Sociedade. É importante destacar que esse grupo, em sua integralidade, fazia
parte da elite local, constituindo-se de médicos, pedagogos, intelectuais e escritores, segundo
refere Oliveira (2006).
No meio social e intelectual, evidenciava-se igualmente uma divisão expressa nos diferentes
modos de reagir relacionados à aceitação do pensamento psicanalítico. Exemplos disso são
acontecimentos dos anos de 1920, quando no Brasil fervilhavam ideias de renovação, tais
como: a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação de algumas revistas de cunho
modernista, a atmosfera de certa audácia e talvez de desafio em que as ideias psicanalíticas
foram aceitas como algo avançado, moderno. E, em contrapartida, “a posição preconceituosa
do restante da sociedade brasileira, um tanto vitoriana e […] em fase de uma belle époque
‘prolongada’, já não existente na Europa, que aqui se queria conservar a todo custo e se lutava
para não a perder” (PERESTRELLO, 1987, p. 32).
Em uma nota histórica, divulgada no primeiro número da Revista de Psiquiatria, em 1961,
Roberto Pinto Ribeiro, na ocasião, membro associado da Sociedade Psicanalítica do Rio de
Janeiro, secretário do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre e professor de
Medicina, situa o início do pensamento psicanalítico no estado. Nessa publicação, faz o relato
sobre pessoas respeitadas e influentes que, movidas pelo interesse científico, buscavam, por
conta própria, estudar esse pensamento, mesmo sem fazer parte de um grupo de estudos
estruturado conforme as normas para formação psicanalítica da Associação Psicanalítica
Internacional (RIBEIRO R. P., 1961). Ele se referia aos precursores do Rio Grande do Sul. Ainda
segundo Ribeiro (1961), Celestino Prunes – um dos membros fundadores didatas da SPPA –
iniciou, em 1934, um curso de Elementos da Psicanálise como estudo prévio à Criminologia e à
Psiquiatria forense, na cátedra de Medicina Legal da Faculdade de Medicina para a qual fora
empossado. Essa atividade marcou o começo regular da difusão dos conhecimentos
psicanalíticos no meio universitário.
As atividades desses precursores na disseminação do conhecimento psicanalítico no Rio
Grande do Sul foram de grande importância para o que estava por vir, plantando as sementes
nos espíritos dos estudantes da época. Entretanto, o impulso principal para o início da
formação de psicanalistas como hoje os conhecemos deu-se com o retorno de Mário Martins
de Buenos Aires, em 1947, onde fora realizar sua formação. Para Ribeiro (1961, p. 88), Martins
“foi o verdadeiro fundador e propulsor do movimento psicanalítico do Rio Grande do Sul”, seja
por sua atividade particular e hospitalar, seja por sua atuação enquanto ministrante de
treinamentos a profissionais da Universidade.
Em 1933, Mário e Cyro formaram-se em Medicina. Naquele ano, Mário retornou a sua terra
natal, Santana do Livramento, onde ainda residia a sua família. Cyro foi para São João Batista
do Quaraí. Na sequência, a vida de cada um dos dois jovens recém-egressos da faculdade seria
severamente marcada: Mário perdeu a mãe; Cyro, o pai. Mário ainda permaneceria durante
quatro anos no interior, enquanto Cyro já partiria um ano antes. Nesse período, o pensamento
voltado ao retorno a um grande centro era recorrente na rotina de ambos (MARTINS, C.,
1993). A estrada de Cyro apontaria para o Rio de Janeiro, onde fora especializar-se em
Neurologia, já que em Psiquiatria não existia formação à época. Em seu retorno para Porto
Alegre como neurologista, em 1938, reencontrou Mário, e ambos prestaram concurso para o
cargo de psiquiatra no Hospital São Pedro, especialidade que era chamada de
Neuropsiquiatria. Aprovados no concurso, estavam habilitados formalmente a abrirem
consultório próprio, visando a oferecer atendimento especializado em doenças mentais à
população (MARTINS, C., 1993). Cyro seria o primeiro a abrir consultório; Mário esperava.
A realidade da Psiquiatria não era muito estimulante para atendimentos em consultório. Os
tratamentos existentes eram a insulinoterapia, o eletrochoque e a internação hospitalar,
situação que era muito discutida pelos que se arriscavam em oferecer atendimento em
consultório. Nesse período, Mário também perdeu o seu pai, falecido em 1942, após uma
prolongada doença neurológica. No início da década de 1940, mais especificamente em 1943,
aconteceria um fato que transformaria as perspectivas de ambos e de alguns outros que
aguardavam uma oportunidade para aparecer. Temos o testemunho a respeito dessa fase da
Psicanálise entre os futuros psicanalistas de então, através de um texto de Cyro Martins, no
livro Caminhos – ensaios psicanalíticos: Mário tomou conhecimento, junto comigo, da
possibilidade de fazer a formação em Buenos Aires através do primeiro número da Revista de
Psicoanalisis, que nos chegou às mãos, inesperadamente, numa tarde sombria do inverno de
1943. Mário, homem de boa-fé, acreditou no que leu. Num artigo de Arnaldo Rascovsky
estavam explanadas as condições básicas que o flamante grupo argentino apresentava aos
psiquiatras da América Latina desejosos de seguir a carreira psicanalítica mediante uma
formação adequada. Até então, essa possibilidade só existia em Londres, Berlim, na Berlim
anterior à guerra, ou Viena, Paris, Nova York. Mas essas capitais ainda distavam muito e eram
excessivamente dispendiosas para uma formação tão demorada como o é a psicanalítica. Além
dessas dificuldades, havia a dos idiomas, talvez a mais relevante. Ademais, naqueles anos, a
Segunda Guerra Mundial levantava uma barreira intransponível. Ora, Buenos Aires ficava logo
ali, bastava atravessar o Rio da Prata. E o espanhol, para nós, gaúchos, é a nossa segunda
língua. Por isso, Mário Martins, sopesando todas essas circunstâncias e insatisfeito com a
Psiquiatria que praticava, não vacilou em escrever em seguida a Garma e já no ano seguinte
embarcava para Buenos Aires, não obstante as dificuldades burocráticas inerentes à condição
do Brasil como país beligerante (MARTINS, C., 1993, p. 113-14).
Cyro ainda relata que, muitos anos depois da formação de Mário em seu curso em Buenos
Aires, o mestre e amigo Garma lhe teria confidenciado que houve uma relação de empatia
desde a primeira entrevista com Mário. Teria dito Garma: “Me gustó el tipo y lo tomé”
(MARTINS, C., 1993, p. 140). A influência de Angel Garma, segundo Martins (1993), foi
fundamental para o desenvolvimento da Psicanálise em Porto Alegre. Garma residia em
Buenos Aires desde junho de 1938, tendo imigrado da Espanha, então submetida a um
governo nazi-fascista, aos moldes do que acontecia em outros países da Europa no mesmo
período. Aos 27 anos de idade, tendo realizado sua formação psicanalítica em Berlim, obteve o
título de membro associado na Associação Psicanalítica Alemã em 1931, com o trabalho
intitulado “A realidade e o id na esquizofrenia”. A respeito de Angel Garma, Cyro faz um
comentário que mostra o quanto o pensamento e o desejo em relação aos novos
conhecimentos haviam se tornado uma engrenagem viva em andamento: Se não fosse o nazi-
fascismo, que abalou o mundo como um terremoto universal, Garma certamente teria ficado
na Espanha. É evidente que não permaneceríamos órfãos da ciência freudiana. A nossa
inquietude nos levaria a encontrar meios de trazê-la até aqui. Mas Buenos Aires estava
madura para receber o pioneiro. Lá, havia um Arnaldo Rascovsky e um Enrique Pichón – –
Rivière já organizando grupos de estudos psicanalíticos (MARTINS, C; 1993, p. 119).
Mário foi o primeiro psiquiatra latino-americano a ir para Buenos Aires. Mais tarde, Cyro
também trilharia esse caminho, retornando para Porto Alegre em 1955. Além de Mário, Cyro
encontrou Celestino Prunes e Jaime José Lemmertz, os quais também haviam concluído a
formação em Psicanálise: Lemmertz, em Buenos Aires (tendo retornado em 1949), e Celestino,
no Rio de Janeiro. Os quatro seriam os analistas didatas que fundariam a SPPA.
A vida de Celestino Prunes merece um capítulo à parte. Homem de grande interesse humano e
personalidade influente na vida social, Celestino esteve envolvido com os fatos políticos
marcantes de sua época e era admirado como professor memorável. Luiz Carlos Meneghini,
que foi psicanalista formado na primeira turma reconhecida pela IPA, além de médico e
escritor, deixou depoimento pessoal sobre Celestino em seu livro À sombra do plátano (1974,
p. 79-81): Espírito intranquilo, de mentalidade sempre jovem e aberta, era Celestino Prunes
um propugnador de ideias liberais, e permanentemente voltado para as conquistas do
pensamento e do progresso social do homem. […] Assim, não é de surpreender que, com tais
atributos de inteligência e de caráter, vencedor no concurso para professor titular de Medicina
Legal da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1933, sua cátedra tenha se tornado um
foco irradiador de cultura e calor humano dentro da universidade. […] Médico legista de
espírito arguto, transmitia a necessidade de rigor pericial e emprestava às aulas de ética
médica uma fundamentação científica rigorosa, que sua perspicácia já antevia encontrar-se na
Psicanálise. […] Tornou-se didata da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro para se habilitar
ao exercício desta função em Porto Alegre, passando a analisar candidatos, fazer supervisões
de forma intensiva e a reger seminários. Participou, com tenacidade, de todas as longas
negociações que levaram ao reconhecimento da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre pela
API, sob o patrocínio da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.
Mas o arcabouço de uma Sociedade não se dá somente de vigas mestras. Em paralelo aos
movimentos dos que estariam na genealogia de nossas formações analíticas, havia os
estudantes que aprendiam e se identificavam com os que já estavam envolvidos com a
Psicanálise. Germano Vollmer Filho, em entrevista à Comissão de Memória da SPPA, falou
sobre o que chamou de “dois polos” do movimento psicanalítico em Porto Alegre. De um lado,
os que foram buscar formação fora do estado, como descrito acima. E, por outro lado, os
estudantes de Medicina que tomaram conhecimento de uma Psiquiatria dinâmica baseada no
pensamento psicanalítico radicado nos Estados Unidos, que gradativamente era inserida nos
meios estudantis locais, através da publicação do livro Noyes e Kolb: Psiquiatria clínica
moderna. Esse foi o primeiro livro de Psiquiatria dinâmica a que os estudantes de Medicina
tiveram acesso (VOLLMER FILHO, 2000).
Com base nesses movimentos em prol da difusão do conhecimento psiquiátrico, o grupo de
estudantes com interesses comuns direcionados à área da Psiquiatria que começou a se
organizar a partir de uma identidade mútua tornar-se-ia a primeira turma de alunos da SPPA.
São eles: Darcy Abuchaim, Gilberto Simões, Moisés Roitmann, Germano Vollmer Filho e Paulo
Grimaldi. Todos estavam entre o 4º e o 5º ano de Medicina. Em busca de um estudo mais
organizado de uma Psiquiatria baseada em preceitos psicanalíticos, esses estudantes buscaram
a intermediação dos irmãos Darcy e Jamil Abuchaim para os primeiros contatos com David
Zimmermann, com vistas a montar um curso nessa área do conhecimento. Nessa época,
Zimmermann estava em análise com Mário Martins e trabalhava no Hospital São Pedro.
Paralelamente aos movimentos de descobertas dos estudantes, havia outro grupo, também
identificado com a Psicanálise, mas composto por profissionais. Esse segundo grupo já estava
em pleno desenvolvimento do processo analítico: os integrantes analisavam-se, estudavam e
eram supervisionados pelos primeiros analistas que começaram a trabalhar em nosso meio.
São eles: Paulo Guedes, que se analisava com Mário Martins, assim como Sérgio Annes e Luiz
Carlos Meneghini; José Maria Santiago Wagner, Roberto Pinto Ribeiro e Günther Würth, todos
os três em análise com José Jaime Lemmertz. Esse grupo reunia-se informalmente para
estudar na casa de Lemmertz ou na de Mário. Foram os primeiros interessados em Psicanálise
e, assim como seus analistas, lutaram pelo reconhecimento oficial e fazem parte do grupo de
fundadores da SPPA.
Após algum tempo, no entanto, David resolveu aceitar o desafio, com a ressalva de que os
componentes da primeira turma ajudassem com tarefas administrativas e de apoio estrutural.
O titular responsável pelo curso era Décio de Souza, à época viajando com frequência a
Londres, onde fazia formação psicanalítica. Nessas ocasiões, Paulo Guedes e David
Zimmermann o substituíam em suas atribuições.
O Instituto Psiquiátrico Forense, do Departamento de Medicina Legal, coordenado por
Celestino Prunes, correspondeu a outro polo de produção do conhecimento de Psiquiatria em
Porto Alegre, desenvolvido em paralelo ao grupo de alunos ligados à Faculdade de Medicina e
ao Hospital São Pedro. O Instituto contava também com as presenças de Roberto Pinto
Ribeiro, José Maria Santiago Wagner e Luiz Carlos Meneghini.
Como resultado dessa união de interesses, pouco tempo depois, em 1957, foi fundado o
Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre. Após quatro anos, em 1961, o Centro foi
reconhecido pela IPA, sob orientação dos que seriam os mesmos fundadores da Sociedade
Psicanalítica de Porto Alegre: Mário Alvarez Martins, José Jaime Lemmertz, Cyro Martins e
Celestino Moura Prunes. O Centro localizava-se no Edifício Chaves, mais conhecido como
Edifício do Relógio, situado à Rua dos Andradas, número 1155, no Largo dos Medeiros, sendo
este o embrião físico da SPPA. Esses analistas tinham como estudantes Ernesto La Porta, Paulo
Guedes, Davi Zimmermann, Günther Würth, Roberto Pinto Ribeiro, José Maria Santiago
Wagner, Sérgio Annes, José de Barros Falcão, Avelino Costa, Manuel Antônio Albuquerque,
Luiz Carlos Meneghini, Leão Knijnik e Fernando Guedes.
Quando surgiu a possibilidade de formar um Grupo de Estudos, decidiu-se que o patrocinador
seria a Associação Psicanalítica Argentina (APA). A grande influência do grupo inicial sempre
veio do país vizinho, sobressaindo-se notadamente em relação às sociedades já existentes no
Brasil – em São Paulo e no Rio de Janeiro. A APA dispunha de uma formação psicanalítica de
grande porte, e seus analistas didatas – Angel Garma, Arnaldo Rascovski, Léon Grinbeg –
vinham a Porto Alegre com frequência, pois dedicavam um carinho especial aos analistas
locais, seus “filhos e netos analíticos”. Entretanto as sociedades, carioca e paulista objetaram
que, segundo as normas da IPA, o patrocínio deveria ser de uma entidade do mesmo país, em
caso de este ter uma sociedade filiada à IPA.
As tentativas de reconhecimento pela IPA tiveram início anos antes (do reconhecimento
oficial) em Buenos Aires, onde três dos primeiros fundadores fizeram suas formações. A IPA
não aceitou a indicação sob a alegação de que ela deveria partir de sociedade do mesmo país
do grupo pleiteante (…). Nossa apresentação na IPA foi então feita pela sociedade do Rio de
Janeiro e com a participação de Celestino e de Werner Kemper. As presenças de Kemper e Luiz
Guimarães Dalheim, oriundos da Sociedade Psicanalítica de Berlim, foram muito importantes,
bem como a vinda de Fábio Lobo para ministrar seminários e fazer supervisões. Foi atingido o
status de Grupo de Estudos junto à IPA no Congresso de Edimburgo, realizado em agosto de
1961. Nessa ocasião, o Grupo de Estudos transferiu-se para uma nova sede no Edifício Cândido
Godoy. Dois anos após, em 1963, fomos reconhecidos como sociedade pertencente à IPA no
Congresso de Estocolmo (AN – NES, 1994).
A SPPA foi fundada por oito membros: quatro titulares didatas e quatro associados. Os
primeiros foram Mário Martins, Cyro Martins, José Jaime Lemmertz. Eles fizeram suas
formações em Buenos Aires e por lá se tornaram didatas. O professor Celestino Prunes seguiu
o mesmo percurso na Sociedade do Rio de Janeiro. Os quatro didatas que deram origem à
sociedade tiveram suas formações e origens em Karl Abraham, discípulo de Freud, mas que
não foi analisado. Abraham tratou Theodor Reik, que por sua vez tratou Angel Garma e Celes
Ernesto Cárcamo. Garma tratou Mário Martins e Arnaldo Raskowsky, e este tratou Cyro
Martins. Celes Ernesto Cárcamo tratou Luiz Raskowsky, analista de José Jaime Lemmertz. Karl
Abraham também foi o analista de Müller Braunschweig, que foi analista de Werner Kemper,
por quem Celestino foi analisado. Celes E. Cárcamo foi, também, o analista de Zaira de
Bittencourt Martins, que supervisionou as primeiras analistas de crianças entre nós. Os
membros associados eram Roberto Pinto Ribeiro, Paulo Guedes, David Zimmermann e José
Maria Santiago Wagner. Roberto e Wagner foram analisados por Lemmertz. Paulo Guedes e
David, por Mário Martins. Estes fizeram suas formações aqui, no então Grupo de Estudos.
Esses associados tiveram seus ingressos na IPA através de trabalhos apresentados na
Sociedade do Rio de Janeiro, na época, liderada por Emílio Kemper e Luiz Guimarães Dalheim
(ANNES, 2003).
Referências:
ANNES, Sérgio Paulo. Escritos de Sérgio Paulo Annes. Disponível em: http://www.
annes.com.br/escritos/. Acesso em: setembro de 2011. Site foi lançado em 2003.
MARTINS, Cyro. Um rei condecora um sábio. In: MARTINS, Cyro. Caminhos – ensaios
psicanalíticos. Porto Alegre: Movimento, 1993. p. 111-12.
Martins, Cyro. Mário Martins – psicoterapeuta. In: MARTINS, Cyro. Caminhos – ensaios
psicanalíticos. Porto Alegre: Movimento, 1993, p. 133-146.
Martins, Cyro. Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre: Síntese histórica e relações com a IPA.
In: Revista Brasileira de Psicanálise (1994). Vol. XXVIII, número 3, p. 419.
MENEGHINI, Luiz Carlos. Celestino Prunes. In: Meneghini, L. C. À sombra do plátano. Porto
Alegre: Emma, 1974, p. 77-83.
OLIVEIRA, Carmen Lúcia Montechi Valladares de (2006). A difusão das ideias freudianas. In:
OLIVEIRA, Carmen Lúcia Montechi Valladares de. História da Psicanálise – São Paulo (1920 –
1969). São Paulo: Escuta, 2006, p. 49.
PERESTRELLO, Marialzira. Primeiros encontros com a Psicanálise. Os precursores no Brasil
(1899-1937). In: PERESTRELLO, Marialzira (organização);
PRADO, Mário Pacheco de Almeida;
OLIVEIRA, Walderedo Ismael de História da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Imago, 1987, p. 12.
RIBEIRO, Roberto Pinto. A psicanálise no Rio Grande do Sul. In: Revista de Psiquiatria, v. I, n. 1,
p. 88-91, 1961.
VOLLMER FILHO, G. Brazil. In: Psychoanalysis International: A Guideto Psychoanalysis
throughout the World, Vol 2: America, Asia, Australia, further European countries. Editado por
Kutter P. Stuttgart-BadCannstatt, Germany, Fromman-Holzboog, 1995, p. 40-54.
Os primeiros Membros Associados da SPPA Roberto Pinto Ribeiro (1922 – 1989) Médico pela
UFRGS em 1945. Formação analítica em Porto Alegre. Análise didática com José Jaime
Lemmertz. Professor da Faculdade de Medicina da UFRGS. Paulo Guedes (1916 – 1969) Médico
pela UFRGS em 1939. Formação analítica em Porto Alegre. Análise didática com Mário Martins.
Paulo Guedes, além de excelente pianista, formou-se em violino na Escola de Belas Artes de
Porto Alegre em 1934. David Zimmermann (1917 – 1998) Médico pela UFRGS em 1946.
Formação analítica em Porto Alegre. Análise didática com Mário Martins. José Maria Santiago
Wagner (1914 – 2008) Médico pela UFRGS em 1937. Formação analítica em Porto Alegre.
Análise didática com José Jaime Lemmertz
Primeira turma do grupo de estudo psicanalíticos de Porto Alegre: Ernesto La Porta, Paulo
Guedes, David Zimmermann, Güinter Würth, Roberto Pinto Ribeiro, José Maria Santiago
Wagner, Sérgio Annes, José de Barros Falcão, Avelino Costa, Manuel Antônio Albuquerque,
Luiz Carlos Meneghini, Leão Knijnik e Fernando Guedes.
No início dos anos 70, após uma década de atividades desenvolvidas, a SPPA foi reconhecida
pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul como entidade voltada para fins científicos e
culturais. Em 1971, a Sociedade estabeleceu sua sede própria na Rua General Andrade Neves,
onde se encontra até os dias de hoje. Em 1989, a SPPA foi reconhecida formalmente pelo
governo estadual e, desta vez, também pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre como uma
instituição de utilidade pública.
Em 1989, a SPPA autorizou a formação psicanalítica para psicólogos na Instituição, abrindo o
leque de profissionais aceitos, fato ocorrido sob a gestão de Paulo Martins Machado. No
mesmo ano, assinalando a passagem do cinquentenário da morte de Sigmund Freud,
juntamente com a FEPAL, a SPPA publicou um livro denominado Um século de Freud, também
com a colaboração de Paulo Martins Machado, membro que marcou a história da Sociedade
com iniciativas importantes, dentre elas, o início dos Arquivos e o Boletim da SPPA, publicação
que se desenvolveu resultando no Jornal da SPPA, com algumas publicações anuais desde
1996.
1975 David Zimmermann é eleito para uma das diretorias da IPA permanece de 1975-79).
1979 A Revista Brasileira de Psicanálise publica, em noticiário especial, as manifestações
afetuosas com que foi assinalado o aniversário de 70 anos de Mário Alvarez Martins.
1981 Em 19 de abril, morre Mário Martins, membro didata, primeiro presidente e fundador da
SPPA. Sugerida a criação de uma Comissão Científica da SPPA.
Em eleições realizadas no início de 2003, Cláudio LaksEizirik foi eleito presidente da IPA, o
primeiro brasileiro a assumir tal cargo, que veio a ocupar em 2005.
1982 Em janeiro, é editado o primeiro número do Boletim Informativo da SPPA.
1985 Morte de Zaira Martins, em 7 de agosto. Início das atividades do Centro de Estudos
Psicodinâmicos de Florianópolis, com o apoio da SPPA.
1989- Comemorações do cinquentenário da morte de Sigmund Freud. Aceitação de psicólogos
para a Formação Psicanalítica na SPPA. Criação da Formação Psicanalítica de Crianças e de
Adolescentes no Instituto de Psicanálise da SPPA.
1998 SPPA acolhe a sede da FEPAL, com Cláudio Eizirik na presidência. Falecimento de David
Zimmermann.
2001 Inauguração da sala Santiago Wagner na SPPA. Cláudio Laks Eizirik é empossado vice-
presidente da IPA para a América Latina.
2005 Cláudio Eizirik assume a presidência da IPA (2005-2009). A Comissão de Psicanálise da
Infância e da Adolescência é designada Núcleo da Infância e da Adolescência.
Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul e sua
História
http://www.circulopsicanaliticors.com.br/
O Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul é uma instituição psicanalítica de
orientação freudiana, filiada ao Círculo Brasileiro de Psicanálise e
à International Federation of Psychoanalytic Societies.
Malomar Lund Edelweis fundou, em 26 de setembro de 1956, na cidade de
Pelotas (RS), com a presença de Igor Caruso, o Círculo Brasileiro de
Psicologia Profunda. O então Padre Malomar era reitor da Universidade
Católica de Pelotas. A criação do Círculo se deu sob forte influência de Igor
Caruso. Malomar havia sido seu analisando e discípulo em Viena. O nome
Círculo de Psicologia Profunda fora criado por Caruso depois da Segunda
Guerra Mundial. O objetivo era "repensar Freud a partir de sua origem". Em
1960, o CBPP se transferiu e iniciou suas atividades em Porto Alegre com
cinco candidatos em formação. A partir daí, a instituição gaúcha consolidou-se,
passando a se chamar Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda – secção do
Rio Grande do Sul. No fim dos anos 60, houve nova alteração do nome, sendo
o que permanece até hoje, Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul. O
CPRS é uma sociedade psicanalítica freudiana aberta ao aprofundamento
dialético do pensamento psicanalítico e sua evolução.
Com o advento da Segunda Guerra Mundial e a perseguição nazista a partir de
1938, 68 psicanalistas associados e 38 candidatos da Sociedade Psicanalítica
de Viena saíram da Áustria. O próprio Freud migrou para Londres. A guerra
praticamente dissolveu o movimento psicanalítico mundial, resultando num
processo de diáspora que afetou principalmente os psicanalistas de origem
judaica da Europa Central e Oriental, como Freud, fundador da psicanálise. Foi
nesse contexto que o CBPP – posteriormente CPRS – começou a se estruturar.
Igor Caruso e sua importância dentro da
criação do CPRS
Igor Caruso (1914-1981) nasceu na Rússia em uma família de ascendência
nobre italiana, razão pela qual tinha o título de conde. Cursou teologia e
filosofia na Universidade de Louvain, na Bélgica, onde também fez doutorado.
Analisou-se com August Aichhorn, que foi analisando de Paul Federn, o
primeiro psicanalista após Freud. Depois fez análise com Victor Emil Freiherr
von Gebsattel (1883-1976), analisando de Otto Seif, que teve como analista
Carl Jung. Fora amigo de Rainer Maria Rilke e Lou Andréas-Salomé. Em
Viena, durante a Segunda Guerra Mundial, com a extinção da Sociedade
Psicanalítica de Viena e a proibição do termo “psicanálise” pelos nazistas,
Caruso liderou um grupo de estudo e discussão de psicologia profunda,
contribuindo para manter acesa a chama da psicanálise. Encerrada a guerra,
participou da reconstrução da Wiener Psychoanalytische Vereinigung (WPV)
com o Barão Alfred von Winterstein, o Conde Wilhelm Solms-Rödelheim e
outros. Os três aristocratas sustentaram sob o nazismo o espírito freudiano,
sem aceitar a política de colaboração de Ernest Jones, neuropsiquiatria,
psicanalista galês e biógrafo oficial do Freud. Em 1947, Caruso se separou
sem traumas da WPV, cuja orientação lhe parecia excessivamente médica e
materialista. Fundou o Círculo Vienense de Psicologia Profunda numa alusão
ao termo utilizado por Freud em diversas ocasiões. Mesmo freudiano, não
aceitava os padrões de formação da International Psychoanalytic Association
(IPA) e, como Jacques Lacan, queria dar à psicanálise uma orientação
intelectual e filosófica.
Nesse período o professor e reitor Malomar Lund Edelweiss e Gerda Kronfeld,
enfermeira de nacionalidade austríaca, mudaram-se para Viena no intuito de se
analisarem com Caruso e realizarem a formação em psicanálise. Em 1956
retornaram ao Brasil e, sob a orientação e a presença de Caruso, fundaram em
Pelotas o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, nome dado em analogia ao
Wiener Arbeistkreisefur Tiefenpsychologie. O primeiro analisando do novo
Círculo foi o médico vienense Siegfried Kronfeld, marido de Gerda, que iniciou
sua análise pessoal com Malomar no Brasil e terminou-a com Caruso em
Viena. Em 1959, em Porto Alegre, iniciaram a formação de alguns candidatos,
dentre eles Paulo Brandão e Alberto Corrêa Ribeiro, futuros presidentes do
Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul.
Por sua origem, o Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul encontrava-se
marginalizado dos dois grupos de analistas da IPA em São Paulo e Rio de
Janeiro. Na década de 60, não pertencer a uma sociedade de psicanálise
filiada à IPA era uma escolha arriscada, pois implicava numa espécie de
marginalização, beirando a clandestinidade. No Rio de Janeiro, havia uma
sociedade filiada à corrente culturalista dos Estados Unidos. Fora esse grupo, o
CPRS – e mais tarde o Círculo Brasileiro de Psicanálise – foi a principal
sociedade psicanalítica não filiada à IPA no Brasil. Aliás, o Círculo Vienense de
Psicologia Profunda, atualmente denominado Círculo Psicanalítico de Viena,
sociedade fundada por Igor Caruso, também se desenvolveu e estruturou-se à
margem da IPA.
Em Belo Horizonte, na década de 60, o Círculo encontrou a sua verdadeira
vocação. A tradução do nome é corrigida para Círculo Brasileiro de Psicanálise,
com as seções de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. Posteriormente, foram
criados os Círculos do Rio de Janeiro, pela incorporação de dissidentes da IPA,
da Bahia e de Pernambuco, pelo deslocamento de associados de Minas Gerais
e Rio Grande do Sul. Seguiram-se novas filiações, como GREP, IEPSI, Círculo
de Sergipe e Sociedade Psicanalítica da Paraíba. Na década de 90 eram 9
sociedades federadas ao Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP).
No final da gestão 82/84, o Círculo Brasileiro de Psicanálise deixa de ter uma
ingerência tão direta nas unidades locais e torna-se uma Federação dos
diversos Círculos. Com isto, atenua-se o exercício do poder e se ganha em
representatividade e autonomia dos Círculos locais. Hoje o Círculo Brasileiro de
Psicanálise se configura como uma Federação de Sociedades Psicanalíticas,
formado por seis instituições: Círculo Psicanalítico do Rio Grande do Sul,
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção
Rio de Janeiro, Círculo Psicanalítico da Bahia, Círculo Psicanalítico de Sergipe
e Círculo Psicanalítico do Pará. Publica uma revista semestral intitulada
Estudos de Psicanálise desde 1968, propicia o intercâmbio entre os sócios
através de informativos periódicos, reuniões semestrais e congressos a cada
dois anos sediados por uma das instituições do CBP.
Quadro genealógico
O quadro abaixo mostra a árvore de fundação do Círculo Psicanalítico do Rio
Grande do Sul. Começa com Freud, passa pelos primeiros a estudar com ele e
a exercer a psicanálise, pela primeira sociedade psicanalítica (WPV), segue
pelos fundadores do CPRS e pelos primeiros analistas formados na instituição.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE PORTO ALEGRE
(SBPdePA).
Cronologia
1990 – Fundação do Grupo de Estudos Psicanalíticos (GEP) constituído por
Alberto Abuchaim, Ana Rosa Chait Trachtenberg, Antônio Luiz Bento
Mostardeiro, David Zimmermann, Gildo Katz, Gley Silva de Pacheco Costa,
Izolina Fanzeres, José Facundo Passos de Oliveira, José Luiz Freda Petrucci,
Júlio Roesch de Campos, Leonardo Adalberto Francischelli, Lores Pedro Meller,
Luiz Gonzaga Brancher, Marco Aurélio Rosa, Newton Maltchnik Aronis, Renato
Trachtenberg e Sérgio Dornelles Messias.
Em agosto ocorre a primeira reunião científica do GEP a partir do texto de
Freud (1916) “Sobre a Transitoriedade”.
1991 – Realizada a primeira atividade científica aberta, uma mesa redonda
intitulada “A Repressão”.
1992 – Eleição do comitê diretivo permanente do GEP – constituído por Alberto
Abuchaim, Gley Silva de Pacheco Costa, Leonardo Adalberto Francischelli e
Newton Maltchnik Aronis, o qual deu início aos contatos para o reconhecimento
do GEP pela IPA.
Em 17 de dezembro, na reunião do Council da IPA em Nova York, o GEP foi
aceito como Grupo de Estudos – condição referendada pelo Business Metting do
IPAC de 1993, em Amsterdã.
1993 – Eleição da primeira Diretoria do GEP: Lores Pedro Meller (presidente),
José Luiz Freda Petrucci (secretário), Izolina Fanzeres (tesoureira), Ana Rosa
Chait Trachtenberg (secretária científica) e Gley Silva de Pacheco Costa
(Liaison).
1994 – Eleição da primeira Diretoria do Instituto: Marco Aurélio Rosa (diretor),
Sérgio Dornelles Messias (secretário), José Luiz Freda Petrucci (coordenador da
comissão de formação) e Gildo Katz (coordenador da comissão de seminários).
1995 – Início da primeira turma de candidatos do Instituto de Psicanálise do
GEP.
Ana Julia Varga Menuci, Ceres Simone Simon, Fátima Maria Fedrizzi, Heloisa
Helena Poester Fetter, Jacques José Zimmermann, Marco Aurélio Crespo
Albuquerque, Rovena Gazola Tavares e Silvia Katz.
1997 – Reconhecimento no IPAC de Barcelona como Sociedade Provisória da
IPA.
1998 – Concessão ao Prof. David Zimmermann do título de membro honorário
2004 – O Núcleo de Infância e Adolescência NIA teve o seu “Spread of
Childhood and Teenage Psychoanalysis” aprovado e auspiciado pelo Developing
Psychoanalytic Practice and Training Programme (DPPT) da IPA. Foi a primeira
sociedade da América Latina a receber essa qualificação.
2019 – A SBPdePA está constituída por 40 membros Titulares, 31 membros
Associados e 5 membros Convidados. O Instituto de Psicanálise da SBPdePA
está constituído por 91 membros.
Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre
Os pilares que compõem a formação psicanalítica são:
1) Análise pessoal com analista didata da SBPdePA.
2) Conclusão do programa teórico-clínico.
3) Conclusão de dois casos de análise com alta frequência (com entrega de
relatórios) sob supervisão de analista didata da SBPdePA, totalizando 80 horas
de supervisão de cada caso.
4) Realização de ficha de leitura referente ao tema de um seminário do
programa teórico, escolhido pelo aspirante e avaliado pelo coordenador.
5) Monografia composta de um estudo teórico-clínico com extensão máxima
de 20 páginas, avaliada pela diretoria do Instituto.
A formação teórica se dá em, no mínimo, quatro anos, período em que o
aspirante pode realizar todas as atividades teóricas propostas pelo Instituto,
distribuídas em cinco seminários semanais.
O Instituto organiza seu programa teórico, de modo que 50% da formação
baseia-se, obrigatoriamente, no estudo da obra de Sigmund Freud e 50% no
estudo de autores de outras vertentes psicanalíticas pós-freudianas, de livre
escolha do aspirante dentro do programa oferecido.
A formação analítica dá-se como concluída quando o aspirante completar todos
os quesitos acima citados sob avaliação da diretoria do Instituto e havendo
condições de alta da análise didática.
Filiada à INTERNATIONAL PSYCHOANALYTICAL ASSOCIATION
Revista Psicanálise: SBPdePA
Jornal ABP 25 (febrapsi.org)
Existe algo inexplicável no ser humano: Os males da alma
Antônio Mostardeiro, membro fundador e analista didata da Sociedade Brasileira de
Psicanálise de Porto Alegre, fez parte da primeira turma de psicanalistas formados no
Rio Grande do Sul.
Atualmente, dirige seminários clínicos sobre o idoso, fundamentos da psicoterapia e
supervisiona alunos do curso de especialização em Psiquiatria e Psicoterapia do
Instituto Mário Martins.
Nesta entrevista, fala sobre o início da psicanálise no estado, sua carreira e sobre temas
polêmicos dentro do segmento, como a regulamentação da psicanálise, a existência de
duas entidades em Porto Alegre ligadas à IPA e o uso de medicamentos dentro da
profissão.
1- O senhor fez parte da primeira turma de psicanalistas formados no Rio Grande do
Sul. Mas, recentemente, participou do grupo que deu origem à SBPdePA. Na
sua opinião, o que mudou na psicanálise ao longo desses anos, que vão da sua
formação à criação da SBPdePA? O sr consegue perceber mudanças na
sociedade em relação à Psicanálise? Mostardeiro – Na década de 60, havia uma
objeção grande à psicanálise e ao tratamento psicanalítico, ainda era algo
estranho em nosso meio, as pessoas que se analisavam escondiam isto,
ocultavam que estavam em análise. Eu me lembro que algumas pessoas
costumavam estacionar seus carros em ruas transversais para não mostrar que
estavam se dirigindo para um consultório de psicanalista. Hoje em dia estar em
análise é motivo de conversas sociais.
2- 2 – Quando o sr começou a formação na SPPA, esta já tinha sido reconhecida
como sociedade? Mostardeiro – Não, foi reconhecida no ano em que eu comecei
a formação.
3- 3 – Quem fazia parte desta primeira turma?
4- Mostardeiro – Eu me lembro de alguns que estavam naquela turma. Acho que o
Carlos Knijnik, a Beatriz Piccoli, o Marcelo Blaya Peres, entre outros.
5- 4 – Como o sr afirmou, era uma época em que as pessoas se envergonhavam de
fazer psicanálise. O que o levou a pensar em fazer formação analítica, vindo de
uma formação médica onde esta ciência nem fazia parte do currículo?
Mostardeiro – Eu me formei em medicina em 1953. Na época, nem mesmo a
psiquiatria existia dentro da faculdade. O curso era extracurricular e durava um
semestre, com uma aula por semana. O que o professor fazia era mostrar alguns
pacientes psicóticos durante esse período, maiores estudos não existiam. Era
uma disciplina só de presença, não tinha prova. Nessa época eu ainda não tinha
me resolvido pela psiquiatria. Comecei a me interessar mais quando eu fui fazer
clínica, cardiologia. O Rubens Maciel talvez fosse o mais importante
cardiologista da época, em Porto Alegre, e ele dizia assim: “se um médico fosse
manter em seu consultório somente os pacientes de problemas cardíacos reais,
perderia 80% de sua clínica”. Outras coisas que eu fui encontrando no meu
trabalho foram uma porção de situações que me chamaram a atenção para o
sofrimento psíquico do homem. Talvez para outro médico não fosse relevante,
mas para mim era vital. Pessoas com problemas clínicos, na maioria das vezes,
tinham uma relação com situações traumáticas. Por exemplo: um homem
procurou tratamento porque estava com problema de úlcera gástrica, ou gastrite,
provavelmente os gastroenterologistas dariam até outros diagnósticos. Ele chega
e diz assim: “eu comecei com esses meus problemas depois que eu ia indo pela
rua com a minha filhinha de três anos, ela escapou da minha mão, correu para o
meio da rua, foi atropelada e morreu”. Havia neste relato algo que estava além
do sofrimento físico, da alteração na mucosa gástrica e que não podia ser
expresso. Outra paciente que dizia: “comecei com uma artrite reumatoide
quando tive que sair num dia de inverno para buscar água no poço para lavar o
corpo do meu irmão que tinha se suicidado”. Eram situações que eu percebia a
relação entre a patologia orgânica, com uma situação traumática importante, de
outra natureza, um sofrimento emocional. Outra paciente buscou consulta por
lúpus eritematoso sistêmico. Na anamnese pude constatar que o lúpus apareceu
depois que ela foi assaltada e estuprada.
6- 5 – É interessante, porque o sr. resgata a questão do trauma, que será o tema do
próximo congresso da IPA.
7- Mostardeiro – O trauma é de suma importância para a compreensão do
sofrimento psíquico. Mas, o que eu considero como uma situação traumática
relevante para o psiquismo de uma pessoa? Acredito que sua importância está
configurada quando ela desmonta uma fantasia de vida que pode ser uma coisa
simples: eu me casei, minha vida de casado vai ser assim e assado, e eu levando
minha vida desse jeito, vai dar tudo certo. Por uma razão qualquer, não dá, algo
interfere; pode ser uma doença orgânica, pode ser uma doença psicológica, pode
ser enfim, esse homem, por exemplo, cuja filha é atropelada e ele se culpa por
isso. Seu projeto de vida se desmonta, deixa de ser: eu tenho essa filha, eu vou
cuidar dela, ela vai crescer ao meu lado, vou educá-la, por fim, ela vai ter filhos
e eu vou ajudá-la com meus netos. De repente, isso tudo vai por água abaixo. Eu
pertenço a uma família, principalmente, pelo lado da minha mãe, que tinha
inúmeros médicos, e meu pai, tinha um irmão médico também. Então, acho que
meu interesse pela medicina esteve sempre presente. Entretanto, acho que algo
intrinsecamente meu contribuiu para que minha atenção se voltasse para este
tipo de problema. Essas coisas têm relação com o que a gente acredita que vai
sanar os males. E o que estamos falando, são os males do corpo em primeiro
lugar e, aos poucos, vamos percebendo que existe algo inexplicável no ser
humano: os males da alma.
8- 6 – O sr. participou da criação da SBPdePA. O que o levou a fazer parte do novo
grupo e mudar para outra instituição? Mostardeiro – Muitas decisões tomadas na
vida são ditadas pela necessidade de se achar espaço para trabalhar. Quando eu
fazia parte do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal, houve uma cisão
lá dentro que me levou a me afastar do grupo. Como em todo agrupamento
humano, as sociedades psicanalíticas também sofrem deste mal, houve um grupo
que tomou para si as principais tarefas institucionais e um outro que ficou em
parte alijado das decisões. Este foi um dos motivos que me levaram a me afastar
de minha sociedade e me unir a um grupo que pensava em criar uma instituição
psicanalítica, ligada à IPA, em Porto Alegre. A busca por um lugar para
trabalhar e, também para poder ensinar psicanálise esteve no centro de minha
decisão.
7 – A existência de duas instituições em Porto Alegre ligadas à IPA, contribuem
para o crescimento e a expansão da psicanálise ou atrapalham? Mostardeiro – Não
acho que atrapalhe. Os motivos que uniram as pessoas que fundaram a SBPdePA
eram variados. Alguns vieram de formações na Argentina, outros no Rio de Janeiro
e buscavam espaço em nosso meio para divulgar seu conhecimento, isso é muito
positivo. Uma sociedade obriga a outra a refletir sobre seus critérios de formação. A
SPPA era fechada em relação aos psicólogos e hoje a formação psicanalítica para
psicólogos está aberta em várias instituições. Na cidade também existem instituições
sérias, não ligadas à IPA como o Instituto Mario Martins que contribuem de maneira
importante na divulgação da psicanálise, como quando trouxe a Porto Alegre o dr.
Sandler, presidente da IPA, para fazer conferências e palestras para estudantes de
psicologia e medicina. Estas instituições durante um tempo se mostraram mais
abertas que as instituições oficiais. Estavam mais dispostas a estudar outros
psicanalistas, suas abordagens teóricas eram menos ideológicas. No momento que
existem conceitos teóricos diferentes, a técnica da interpretação, a maneira de
entender o material mudam. Entretanto algumas coisas permanecem em comum,
como acreditar na existência do inconsciente. Como fazer isto é outra história, mas
acho que isso sempre existiu, desde os primórdios da psicanálise. Eu, por exemplo,
terminei ontem uma disciplina em que o último autor que nós vimos foi Ferenczi, e
o último trabalho que nós vimos foi “Confusão de Línguas entre o adulto e a
criança”. Acho que é algo presente na psicanálise.
8 – A psicanálise, aos poucos, foi se afastando da comunidade científica, se
isolando, se afastando das universidades, isso não nos isolou em relação às outras
ciências? Mostardeiro – Creio que a psicanálise sempre foi isolada. Durante um
tempo se aproximou das artes, melhor seria dizer que os artistas é que se
aproximaram da psicanálise, porém, isso é uma coisa, outra coisa é a ciência. Freud,
quando escreveu “Moisés e o monoteísmo”, “Totem e tabu”, ou seu trabalho sobre
Leonardo Da Vinci, procurou fazer uma aproximação da história, da antropologia,
da cultura e das artes com a psicanálise, afinal ele era um homem da cultura, o que
foi chamado de psicanálise aplicada. Isso tem um risco bastante grande, porque
quando olho com meus olhos e meus conhecimentos de psicanalista para alguma
manifestação cultural, observo os fenômenos por este prisma e isto pode nos levar a
distorções. É uma busca da relação da psicanálise com outras coisas. Mesmo na
época do Freud, a psicanálise não era plenamente aceita no mundo acadêmico. Uma
série de coisas na psicanálise é assim porque os analistas não querem a sua inserção
nas universidades. Atualmente está em discussão a regulamentação profissional. Por
que os analistas nunca quiseram isto? Acredito que não quiseram porque a
normatização implica dar o poder para os que não são da área se meterem. Se eu,
por exemplo, vou para uma universidade, o MEC tem direito de se meter no que eu
faço, e se eu não seguir à risca o que eles mandam ou pelo menos aproximadamente,
eles me põem para a rua. Vão se meter no currículo e na avaliação, na aprovação, na
seleção.
9 – A psicanálise tem procurado se aproximar da população que precisa de
atendimento psicoterápico? Mostardeiro – O que o Abraham fazia em Berlim na sua
época? Ele tinha uma clínica de atendimento, não era um consultório. Naquela
época já se apresentava esta necessidade. A psicanálise, em sua forma clássica,
realmente exige determinado tipo de pessoa interessada em alcançar maior
conhecimento sobre si mesmo. Por este ângulo ela pode ser considerada elitista,
inicialmente, pela exigência de ser uma busca pela verdade pessoal, assim poucas
pessoas podem tirar proveito deste tipo de tratamento, ou melhor, de
autoconhecimento.
10 – A sociedade mais permissiva, como a que a gente vive hoje em dia, mudaram
os pacientes que buscam atendimento. Os analistas, mudaram também?
Mostardeiro – Esta é uma situação complicada porque estamos falando sobre
permissividade da atuação. Vivemos, hoje, como se a atuação não tivesse maior
importância. Essa permissividade vem de alguns analistas. Acho que isso tem a ver,
com os sentimentos de perda de capacidade. Penso que alguns perderam a fé em seu
instrumental analítico. Tem um livrinho de ficção que é escrito por aquele mesmo
homem que escreveu “O dia em que Nietzsche chorou”. É um terapeuta americano e
acho que ele faz uma abordagem, no início do livro, de onde sai todo o resto do
livro. É um psiquiatra velho que faz um pacto com uma paciente, ela diz para ele
assim: “se tu tiveres relações comigo, depois eu digo para ti o que tu queres saber de
mim”. Ele embarcou nessa, e depois que isso aconteceu ela disse assim: “não vou te
contar nada, eu vou querer continuar com essa situação, mas não vou querer te
transformar em meu analista, saber de mim”. No momento em que ele estava
relatando esta história, relatava a história de todo o tipo de atuação que acontece no
consultório de alguns analistas, seja homem ou mulher. Quando me sinto incapaz de
tratar uma coisa, faço algo que me devolva a capacidade, nem que seja só a
capacidade fálica.
11 – Hoje, estamos divididos entre partidários das psicoterapias e da
psicofarmacologia. Parecemos estar divididos entre ser humano ou serotonina.
Como o sr. avalia o uso quase indiscriminado de medicação?
Mostardeiro – Vou te dar uma resposta paralela. Existem trabalhos feitos por
residentes e a variação do uso de medicamento com os pacientes. Então tem uma
coisa assim: se tu tens um paciente deprimido que sofreu uma perda por morte e é
visto como se esse fator fosse desencadeante da depressão, o uso que os residentes
fazem de um antidepressivo com esses pacientes é diferente da dose usada em
outros pacientes deprimidos, eles usam doses maiores. É como se dissesse assim: eu
não vou deixar que te entristeças, não vou deixar que passes pelo sofrimento do luto.
Magicamente, resolvo o teu luto. Na verdade, não vai resolver a elaboração do luto,
vai resolver uma parte do sofrimento, vai resolver o sintoma. Os antidepressivos não
resolvem a ideação neurótica do depressivo, resolvem o sintoma da depressão. O
ideal dos homens parece ser não sentir nada, ter uma droga para cada emoção para
não ter emoção nenhuma.
12 – Não é um ideal mortal? Mostardeiro – Estamos falando em sentir que vai
morrer. Quando falamos em depressão: qual é a vivência mais relacionada com ela?
A morte. Nossa compreensão psicanalítica é que é destruição. Qual é o problema do
homem desde o início da sua existência? A morte, é o maior golpe que nós temos
em nosso narcisismo. Podemos resolver qualquer coisa, mas tem uma questão que
não podemos fugir, então buscamos afastá-la da consciência. Quando fico dizendo
assim: vou ser um sujeito bonzinho, vou ser um homem que vai ganhar méritos
diante de Deus, eu posso sofrer aqui, posso ter uma vida ruim, mas com isso vou
ganhar a eternidade em que eu vou ter tudo o que desejo. Não tenho a eternidade da
carne, mas a eternidade do espírito, e acho que é assim porque não queremos essa
finitude. Quanto a isto nada podemos fazer, a medicação não pode alterar este
estado de coisas, mas pode interferir nos estados de consciência, nos afetos. Não é
por estar deprimido ou não estar deprimido, que vou pensar que vou morrer ou não.
Agora, a maneira como eu vou me sentir diante disso é que vai ser diferente.
13 – Um conceito que aos poucos foi transformado, dentro da psicanálise, foi o
conceito de contratransferência. Hoje, é visto como instrumento importante na
compreensão do inconsciente. A necessidade de o analista conhecer o seu próprio
inconsciente não aumenta a responsabilidade das análises didáticas? Por que houve
uma época em que analistas, que fizeram somente a análise didática, tinham menos
tempo de análise do que o paciente consultado?
Mostardeiro – É que nós estamos falando de uma coisa que envolve uma porção de
histórias. O que significa um analista-didata chegar na sociedade e dizer assim:
fulano não serve para ser analista. Isto significa Poder, com maiúscula. Como ele
poderia reconhecer um fracasso, uma impossibilidade, uma limitação da análise,
sem que isso significasse perder prestígio entre os seus pares? Qual é o maior erro
que está havendo atualmente na seleção de candidatos? Na minha opinião, é a
seleção de pessoas com distúrbios de personalidade, com problemas graves de
caráter. Talvez a contratransferência, em certo sentido, seja uma das coisas que mais
ferem o analista. Em uma apresentação que fiz, disse que todas as regras que, nós
analistas, seguimos têm uma finalidade única: nos prevenir contra este mal, nos
prevenir contra a atuação de nossa contratransferência. 14 – Ainda vale a pena fazer
formação analítica? Mostardeiro – Para quem tem determinados objetivos, valores e
acredita que alguns sofrimentos partem da alma humana e não só do biológico, vale
a pena. Se não quero me incomodar com pacientes, se quero resolver com uma
pílula, se quero fazer uma feitiçaria e assim magicamente terminar com a história,
vou fazer outra coisa. A melhor profissão deve ter relação com a identidade da
gente, sabe? Eu não me entenderia não sendo um psicanalista, não saberia ser
comerciante, um industrial, estes são os fatos da vida e não temos como escapar
Sociedade Psicanalítica de Pelotas
Mediante o patrocínio da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro
(SBPRJ – RIO II), um grupo de psicanalistas, constituídos pelos Drs. Sérgio
Roberto Abuchaim, Paulo Luís Rosa Sousa, Alberto Abuchaim e Bruno Salesio
da Silva Francisco, provenientes os dois primeiros da Associação Psicanalítica
Argentina (APA) e os dois últimos da Sociedade Brasileira de Psicanálise do
Rio de Janeiro-SBPRJ, foi fundado em 17 de maio de 1987, na cidade de
Pelotas, o Núcleo Psicanalítico de Pelotas. Administrativamente era um ramo
(branch) do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise do
Rio de Janeiro-SBPRJ. A função de Coordenador Administrativo do Núcleo
coube ao Dr. Aloysio Augusto D’Abreu e a de Coordenador Didático coube ao
Dr. José Hamilton Gonçalves de Farias, ambos psicanalistas Didatas da
SBPRJ. Após a seleção dos dez primeiros candidatos, realizada no Rio de
Janeiro, começaram os seminários em Pelotas, ministrados por professores
vindos da SBPRJ. As análises pessoais eram feitas com analistas residentes
em Pelotas, com um analista residente em Porto Alegre e com o Dr. Bruno que
começou a analisar pretendentes à Formação Psicanalítica, vindo a Pelotas às
sextas-feiras e sábados, a partir do segundo semestre de 1987.
A ideia de formar uma instituição vinculada diretamente à International
Psychoanalytical Association – IPA tornou-se possível quando o Dr. Bruno
passou a residir em Pelotas a partir de janeiro de 1988, conforme exigência dos
regulamentos da IPA.
Um Site Visiting Committee, constituído pela Chair Dra. Inga Villarreal, da
Sociedade Psicanalítica da Colômbia, e pelo Dr. Isidoro Berenstein, da
Associação Psicanalítica de Buenos Aires – APdeBA, visitou o Núcleo
Psicanalítico em janeiro de 1988, para o levantamento e avaliações
regulamentares. Em agosto de 1988, no 35º Congresso Internacional de
Montreal, o Núcleo Psicanalítico de Pelotas foi reconhecido como Grupo de
Estudos Psicanalítico de Pelotas (GEPP), dentro das exigências da IPA, com o
decisivo apoio do presidente Dr. Robert Wallerstein. O subsequente
SponsoringCommittee, designado pela IPA e formado pelo Chair Dr. Isidoro
Berenstein, pelo Dr. Aiban Hagelin (da Associação Psicanalítica Argentina-
APA) e pela Profª. Marta Nieto Grove (da Associação Psicanalítica Uruguaya-
APU), convalidou, no início do ano seguinte, o trabalho realizado sob os
auspícios da SBPRJ e confirmou a função didática dos quatro analistas
fundadores.
No início de março de 1990, uma segunda turma de oito candidatos dava início
à Formação Psicanalítica. Poucos dias depois faleceu o Dr. Sérgio Roberto
Abuchaim, causando forte repercussão institucional. Um ano após, veio residir
em Pelotas o Dr. José Luiz Meurer, da SBPRJ, que teve sua função didática
reconhecida pelos membros do Sponsoring Committee, recompondo o grupo
regulamentar de quatro analistas didatas da instituição.
Em janeiro de 1993, o primeiro candidato concluiu sua Formação Psicanalítica.
Neste mesmo ano iniciou uma terceira turma, com três candidatos, à qual se
juntaram mais dois candidatos, no ano seguinte. Em 1996 uma turma de quatro
candidatos inicia sua formação. Em 2001 e em 2005 a quinta e a sexta turma
iniciou os seminários teóricos da Formação Psicanalítica. Em agosto de 2011
teve início uma nova turma de candidatos.
Em 02 de agosto de 1995, no 39º Congresso Psicanalítico Internacional de São
Francisco, foram reconhecidos como Sociedade Psicanalítica de Pelotas
(Provisória). O Liaison Committee era formado pelos Drs. Reggy Serebriany –
Chair (APdeBA), Blanca Montevechio (APA) e Dr. Roberto Doria de Medina.
Um segundo Liaison Committee, designado em 2000, era formado pela Chair
Profª. Matilde Ureta de Caplansky (da Sociedade Psicanalítica do Peru-SPP),
Dra. Eva Ponce de León de Masvernat (APA) e Dr. David Nelson López Garza
(da Associação Psicanalítica do México-APM).
Em 10 de março de 2004, no 43º Congresso Internacional de Psicanálise,
realizado em New Orleans, fomos reconhecidos como Sociedade Componente
da IPA.
Atualmente são treze analistas e vinte candidatos.
Historicamente é a primeira instituição psicanalítica do território nacional que se
instalou fora de uma capital.
Existem várias outras Sociedades Psicanalíticas surgidas com a abertura da psicanálise para
outras profissões, notadamente psicólogos.
Vamos examiná-las em outro artigo onde traçaremos as profundas mudanças ocorridas na
psicanálise a partir dos anos 80 e com a abertura para a formação de psicólogos. Posso citar a
SIG – Sigmund Freud Associação Psicanalítica e a Junguiana (IJRS | Instituto Junguiano do Rio
Grande do Sul)
A Sigmund Freud é uma associação independente da IPA e foi originado pela ação de um grupo
de psicólogas em 1989 e se mantém em atividade até hoje. Mantém uma estrutura própria,
desvinculada de Instituições Internacionais. Assinam sua ata de fundação Bárbara de
Souza Conte Eurema Gallo de Moraes Kenia Maria Ballvé Behr
Silvia Brandão Skowronsky.
Maiêutica, APPoa são sociedades da linha lacaniana que
examinaremos noutro momento.