Dezembro de 2020 – Vol. 25 – Nº 12

Walmor J. Piccinini

Associadas a contracultura nos anos sessenta as drogas que interferiam com a percepção e com o funcionamento geral do cérebro foram e ainda são banidas da sociedade e da pesquisa médica em geral. Não totalmente, com pesquisa restrita, alguns químicos e alguns psiquiatras pesquisadores dedicam esforços para justificar seu uso, inicialmente como drogas de alívio em pacientes com câncer em estágio final e como adjuvantes em quadros depressivos graves, bem como coadjuvantes no tratamento do alcoolismo e do tabagismo.

Tudo começou com Albert Hoffmann (1906-2008), um químico suíço, que descobriu a dietilamina do ácido lisérgico, o LSD em 1938. Ele também descobriu a Psilocibina, droga similar ao LSD. Ele trabalhava para a farmacêutica suíça Sandoz. Esta companhia distribuiu a droga entre vários pesquisadores e psiquiatras. Receberam o nome de Delysid e Indocybin respectivamente. Entre os primeiros a pesquisar esta droga estava o psiquiatra checo, Stanislav Gross, que hoje, com mais de 90 anos tem uma consistente história de pesquisa na área. Na década de 60 estas drogas causaram um grande impacto na ciência cerebral e na psiquiatria. Ela passou a ter amplo uso no meio médico e psiquiatricos, pelo menos no ocidente. Foi utilizada pela juventude como uma forma de oposição à guerra do Vietnam. Por isso ela foi proibida nos Estados Unidos em 1967. Esta proibição foi ratificada globalmente sob a Convenção das Nações Unidas sobre narcóticos em 1971. Desde então, o financiamento da pesquisa, a produção de medicamentos e o estudo dos psicodélicos como agentes clínicos foram interrompidos, quase em sua totalidade. Até recentemente nenhuma empresa fabricava psicodélicos, o que tornava impossível obter aprovação regulatória para pesquisas clínicas.

Hoffmann foi considerado o “pai do LSD” e ele aceitou a denominação, escreveu um livro sobre LSD com um subtítulo “meu filho problemático,” em que descrevia as primeiras experiências com a substância, sua penetração sóciocultural que levou a sua proibição. Na introdução ele expressou palavras proféticas de que um dia este filho problemático poderia se transformar num filho inspirador e maravilhoso: “Eu produzi a substância como um remédio. Não é minha culpa se as pessoas abusavam dele”.

Figuras como Timothy Leary, psicólogo e professor de Harvard se tornaram divulgadores da nova droga. E ela chegou ao Brasil através de alguns psicoterapeutas.

No meu Índice Bibliográfico (www.biblioserver.com/walpicci), que ainda está online até 2016 e que encerrei em dezembro de 2019 encontrei os seguintes trabalhos sobre o LSD.

  1. Figueiredo Filho, Cesar P. As bases doutrinárias do psicodelismo-problema do Lisergismo na sociedade contemporânea. Revista De Psiquiatria. 1972; 13(21):35-58.
  2. Figueiredo Filho, Cesar P. O problema do LSD no mundo atual. Anais Do Hospital Central Do Exército. 1971; 17:33-41.
  3. Fráguas Neto, J. Sobre um caso de desdobramento da personalidade analisado com o auxílio da dietilamina do ácido lisérgico (LSD-25). Bol. Clín. Psiquiat. FMUSP. 1964; 3:97.
  4. Gomes, M. P. Configuração de uma psicoterapia com o uso do LSD-25. A Folha Médica. 1963; 46(..):71-79.
  5. Guedes, Paulo L. V. Experiências com a dietilamina do ácido lisérgico (LSD-25). Arq. De Neuropsiquiatria. 1961; 19(1):28-34.
  6. Guedes, Paulo L. V. Sobre o Uso da Dietilamina do Ácido Lisérgico (LSD25). Como Auxiliar da Psicoterapia. Rev. De Psiquiat. Do CELG. 1961; 1(1,2,3):46-47.
  7. Morgado, Anastácio Ferreira. Maconha e LSD – Dependência e o Discutível Efeito Teratogênico. J. Bras. Psiquiat. 1981; 30(3):225-34.
  8. Pacheco e Silva Filho, A. C. LSD-25. Rev. AMB. 1964; 178-179.
  9. Portella Nunes Filho, Eustachio. Investigação com a dietilamina do ácido lisérgico (LSD). J.Bras.Psiquiat. 1955; 4(4):407-418.
  10. Silva, M. T. A.and.Calil, Helena M.Screening hallucinogenic drugs:Systematic study off three behavioral test.Psicofarmacologia. 1975; 42(2):163-171.
  11. Souza, Fábio Gomes de Matos. Histórica evolução farmacológica dos alcaloides ergóticos até o LSD.A Folha Médica. 1973; 66(2):169-190.

A estes trabalhos incluiria a Tese para Livre Docência na Faculdade de Medicina da USP do Professor João Carvalhal Ribas sob o título de Tratamento do alcoolismo utilizando o LSD.

Sobre a bibliografia encontrada é importante destacar que a maioria era de psicanalistas com desejo de ampliar os limites da psicoterapia psicanalítica para pacientes de difícil manejo.

Nos anos sessenta eu estava iniciando minha experiência em psiquiatria como atendente psiquiátrico da Clínica Pinel de Porto Alegre. Registrei na minha memória uma atividade noturna, quase clandestina. Todos muito discretos se reuniam no ambulatório da Clínica. Marcelo Blaya era o dono da casa e os demais, conhecidos psiquiatras de Porto Alegre chefiados pelo Professor Paulo Luís Vianna Guedes, um músico transformado em psiquiatra e psicanalista. Era acompanhado por três jovens psiquiatras, Ellis Busnello, Ênio Arnt e Moisés Roitman. Meu trabalho era conduzir alguns pacientes para testes com eles. Fui saber depois que estavam conduzindo experiências com LSD em pacientes considerados difíceis. Só fui tomar conhecimento do trabalho   quando o vi publicado na Revista Psiquiatria e nos Arquivos de Neuro Psiquiatria em 1961.A versão dos Arquivos pode ser encontrada online no Scielo em:

Experiências com a dietilamina do ácido lisérgico (LSD 25) (scielo.br)

O resumo é o seguinte: São relatados os resultados de 5 experiências realizadas em 3 pacientes com LSD 25, sendo salientadas as propriedades terapêuticas deste medicamento como auxiliar da psicoterapia. Entre outras, são ressaltadas como principais qualidades: a) ação regressiva sobre o ego que facilita o aparecimento, sob forte carga afetiva, dos conflitos internos na transferência; b) ação não uniforme sobre o ego, poupando umas partes que, assim, não só assistem, mas podem, durante a experiência, analisar o material surgido; c) conservação da memória que permite em dias ulteriores e fora da ação lisérgica, a análise das vivências ocorridas na experiência. O método só terá toda sua utilidade, na opinião do autor, em mãos de médico psicanalista capacitado a lidar com material derivado do inconsciente.

Segundo as palavras de Stanislav Gross; “Nenhuma outra substância jamais trouxe uma promessa tão grande em tantas disciplinas diferentes. No entanto, uma legislação irracional drástica acabou com o que era considerado a era de ouro da psicofarmacologia e transformou a “criança maravilha” de Albert em uma “criança problemática”. Depois de várias décadas, durante as quais a pesquisa legal sobre psicodélicos era virtualmente impossível, agora estamos experimentando um inesperado renascimento global de interesse nessas substâncias fascinantes. Está cada vez mais claro que o LSD era uma criança maravilhosa, mas nasceu em uma família disfuncional”.(Stanislaw Gross)

Este mesmo Gross, médico formado em Praga nos anos 60, foi dos primeiros a se submeter a testes sob a influência do LSD-25. Publicou seus achados e recebeu convite para trabalhar na Johns Hopkins. Aos poucos vamos examinar suas ideias o que será assunto para uma próxima publicação.

Em 1967 os Beattles apresentaram uma música “Lucy in the Sky with Diamonds” que logo foi considerada uma divulgação do LSD, mas tanto John Lennon quando Paul Macartney dizem que não foi bem assim e que o título foi tirado de um desenho escolar do filho de John, Julian Lennon.

 

 

 

 

 

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