35Maio de 2020 – Vol. 25 – Nº 5
Walmor J. Piccinini
Grandes soluções que parecem perfeitas terminam em grandes frustrações. O pêndulo da
história no cuidado aos doentes mentais graves (SMI no inglês, “Serious Mental Illness”) que
até os anos 50 do século passado estava centrado no isolamento em asilos especialmente
construídos para esta finalidade passou a ser oferecido na comunidade e os asilos sofreram
uma derrocada que os levou ao desaparecimento. A nova palavra de ordem foi a
desinstitucionalização. Floresceram os teóricos da nova era. Muitos não se limitaram a destruir
os asilos, passaram a tentar destruir uma especialidade médica que nasceu dentro dos asilos, a
psiquiatria. Todo estigma contra os SMI, foram associados aos que deles cuidavam e tratavam.
Nos anos 50 do século passado as estatísticas americanas registravam em torno de 650 mil
pacientes internados nos hospitais estaduais dos EUA. Com o surgimento dos antipsicóticos
em meados dos anos 50, 1952 mais precisamente, estes números começaram gradativamente
a cair. Dez anos depois, em 1962 surge uma tese de um filósofo francês Michel Foucault,
História da Loucura em que descrevia o que ele chamou o “Grande Confinamento” onde entre
outras afirmações dizia que a loucura ou desrazão era aceita pelas comunidades e que
surgiram os médicos psiquiatras para dela se apossarem. No Brasil as ideias de Foucault foram
apresentadas pelo livro Danação da Norma em 1978. Em 1980 no Congresso Brasileiro de
Psiquiatria iniciava-se um grande debate que vem até os dias atuais. Psiquiatras que
defendiam a hospitalização e a modernização dos velhos hospitais psiquiátricos e os que
defendiam o fechamento dos mesmos e a criação de métodos alternativos de tratamento.
Esta polarização também ocorreu em nível mundial, com raras exceções. Fechamento de
hospitais e criação de sistemas alternativos de atendimento. Para os países e estados em
particular, o fechamento dos hospitais representava uma grande economia de recursos
orçamentários e com isto, as verbas gastas com os SMI foram minguando. O problema é que
as pessoas continuavam adoecendo e os encargos sobre as famílias foram se tornando
insuportáveis e foi surgindo um novo fenômeno o dos sem teto, as cracolândias e os
deserdados sociais em geral. Comparando com vazamento de água, sabemos que ela acaba
encontrando seu caminho e muitas vezes inesperados. No caso dos SMI eles começaram a
aparecer nas prisões e voltamos ao número de mais de 600 mil SMI recolhidos a prisões
municipais, presídios estaduais e federais. Saímos do asilamento, condenados por todos e
caímos no encarceramento que não é tão visível. Entre estes extremos temos a figura do
psiquiatra que é cobrado de todos os lados.
“A história de doença mental grave (SMI) é triste, tanto do ponto de vista cultural, bem como
pela perspectiva de tratamento. As condições dos indivíduos com transtornos psicóticos
oscilaram, como um pêndulo, da negligência institucional para a negligência da comunidade a
e de volta ao longo dos últimos duzentos anos”. (Warburton e Stahl, CNS-Editorial)
“Em meados do século 19, as instituições projetadas para fornecer tratamento moral foram
consideradas a resposta humana para cuidar adequadamente da população SMI.
“Em meados do século XXI, aquelas mesmas, agora superlotadas instituições foram
responsabilizadas pelas condições horríveis de maus tratos de indivíduos com SMI”.
“Agora, à medida que nos aproximamos do meio do século 21, desinstitucionalização (a
resposta aos asilos cruéis) é supostamente culpada pela falta de moradia, falta de tratamento
e criminalização. À medida que o pêndulo balança, nós estamos ouvindo gritos para "trazer de
volta" os asilos”.
“A crise da criminalização está atualmente chegando ao ponto de inflexão onde ele vai
começar a impulsionar mudanças na política. E assim, estamos em risco de assistir o balanço
de pêndulo familiar no mesmo padrão: interna, desinterna, interna (trancá-los, deixá-los sair,
trancá-los). Quando uma sociedade falha em cuidar dos seres humanos com SMI em ambos os
cenários, o pêndulo continuará a balançar entre estes dois Extremos. As escolhas sociais têm
sido, historicamente, para ou negligenciá-los em hospitais estaduais e prisões ou para deixá-los
desmoronar na comunidade (até que, por vezes, terminem encarcerados ou mortos)”.
“Vamos abrir espaço em nossos ambientes médicos, psicológicos, de advocacia e acadêmicos
para falar sobre a mudança da ética de nossa abordagem para esta doença. Vamos também
ter essa conversa em nossas salas de jantar, tribunais, igrejas, espaços de tratamento, e salas
de diretoria. Podemos parar o pêndulo, para o primeiro tempo na história, criando um
responsável e sustentado abordagem para cuidar de SMI”.
Bibliografia consultada
CNS Spectrums (2020), 25, 115–118. © The Author(s) 2020. Published by Cambridge University
Press doi:10.1017/S1092852920000176
Balancing the pendulum: rethinking the role of institutionalization in the treatment of serious
mental illness Katherine Warburton1,2 * and Stephen M. Stahl1,3,4,5