Graziela Stein de Vargas

 

 

Quando penso em violência emocional, algumas perguntas me vêm à mente: existe violência física sem violência emocional?

O que é violência emocional e o que está oculto além do silêncio das vítimas?

O que não estamos falamos sobre esse tema e o que segue escondido, abaixo de nossos próprios olhos?

O que nós precisamos refletir como sociedade e como profissionais sobre o tema para sermos efetivos em nossas colocações e, além disso, trazermos sustentação científica ao assunto?

O presente artigo irá abranger essa reflexão desde a sua definição até as principais influências socioculturais e neurológicas que podem contribuir para esclarecer as questões acima referidas.

A violência emocional é um padrão de palavras, gestos ou olhares cujo objetivo é desqualificar, denegrir, humilhar ou intimidar outro indivíduo, provocando redução da autoestima, confiança e autonomia da vítima. geralmente apresenta padrão lento e progressivo e nem sempre vítima e agressor têm consciência deste padrão não saudável de funcionamento.

Exemplos práticos da violência emocional são os xingamentos constantes, gritos, cobranças excessivas, falsas acusações, perseguição, desautorização das decisões pessoais (roupas, escolhas, amizades, horários, estudos/trabalho), chantagens, depreciações, ciúmes frequentes, ameaças, ironias e exposição da figura.

Em 2015 foi publicado o mapa da violência emocional onde foram atendidas 127.439 pessoas do sexo feminino e 63.334 pessoas do sexo masculino por agressão no SUS, desde crianças até idosos.

É fato que as mulheres são mais agredidas, além disso, mais de 64% das agressões contra as mulheres ocorrem dentro de casa, já em relação aos atendimentos às pessoas do sexo masculinos, apenas na juventude o local de agressão passa a ser a rua, mas igualmente, em torno de 50% o local prevalente de agressões segue sendo o domicílio.

entretanto, as mulheres ainda são mais vítimas de violência e ainda no mesmo estudo, quando se analisa quem é o agressor em cada fase de vida, os dados surpreendem. No caso das crianças, em 42% dos casos de agressão, as mães são as maiores responsáveis, contra 29% dos pais, os desconhecidos correspondem a 15% e os padrastos 9%.

Na adolescência o principal agressor passa a ser o desconhecido com 21%, seguido do irmão com 13%, seguido da mãe e do pai, ambos em torno de 10%.

Na juventude e fase adulta o agressor passa a ser o cônjuge, em torno de 30% e na velhice são os filhos os que mais agridem, em torno de 34%.

Ainda falando da violência contra a mulher, o que chama atenção nesse estudo é o irmão como agressor, em torno de 9% ao longo de todas as fases da vida, sendo uma porcentagem considerável e nunca aparecendo nas discussões sobre violência familiar. também chama a atenção a presença das autoagressões que as mulheres praticam contra elas mesmas, em torno de 13% ao longo da vida, o que me leva a pensar se a mulher se agride por raiva voltada a si mesma ou oferece essa desculpa para proteger alguém da família.

Nos dados do ligue 180 de 2015, 85% das ligações foram de violência contra a mulher, em quase todos os casos os filhos estavam presentes assistindo, sendo que a metade dos casos correspondia a agressão física e 30% a agressão psicológica.

Entretanto, quando a agressão é contra as crianças do sexo feminino, a agressão física corresponde a terceira causa de agressão, sendo em torno de 22%, perdendo para o abuso sexual com 29% e a negligência correspondendo a 28%.

Já na adolescência a violência física corresponde a 40%, seguida do abuso sexual com 24% e da violência psicológica com 18%. a partir da idade adulta a principal causa de violência em mais de 50% dos casos é a violência física, seguida da violência psicológica, em torno de 24% ao longo da vida.

Esse padrão na mulher idosa muda um pouco, pois a violência física passa a ser 38%, a emocional 24% e a negligência e abandono em torno de 19%.

Dados da UNICEF de 2014 demonstram que 60% das crianças sofrem disciplina violenta, com agressões físicas e psicológicas regulares.

O que vemos com esses dados é o ciclo da violência sendo ensinado e repetido em todas as gerações e me pergunto quais outros fatores poderiam estar influenciando nesse padrão repetitivo.

Um estudo em parceria com a ONU em 2013 sobre a cultura da violência com mais de 3800 pessoas, demonstrou que frases como “entre briga de marido e mulher não se mete a colher”; “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros” e “homens devem ser a cabeça do lar”, eram aceitas pela maioria das mulheres.

Na década de 90, Rizzolatti e colaboradores descobriram que a simples observação de macacos rhesus realizando movimentos com as mãos, boca ou pés estimulava as mesmas zonas cerebrais daquele macaco que assistia à ação, como se ele também estivesse realizando a ação, mesmo estando parado apenas observando. além disso, observaram que sons aprendidos também estimulavam as áreas cerebrais correspondentes à emissão do ruído, chamaram essa descoberta de neurônios-espelho.

Na reprodução da análise em cérebros humanos, foram encontrados também neurônios-espelho em regiões correspondentes ao giro frontal inf., córtex pré-motor, área de Broca, áreas motoras e pré-motoras, no hemisfério esquerdo áreas 44/46 e 4 de Brodmann e no hemisfério direito 6, 7 e 37 e no córtex parietal posterior.

As funções dos neurônios-espelho estão relacionadas com compreensão da intenção, discriminação da lateralidade, empatia, automatismo, inconsciente, aprendizado, transferência e contratransferência, projeção e identificação projetiva.

Além disso, com apenas 18hs de vida o ser humano é capaz de reproduzir os movimentos da boca e da face do adulto que está à sua frente.

Portanto, a violência é ensinada de diversas formas, desde nossos neurônios-espelho que reproduzem o mesmo estímulo do que vemos e ouvimos a nível cerebral, até nas influências socioculturais, em especial ao ensino através das mães nos primeiros anos de vida.

Cabe também trazer as questões da epigenética e suas descobertas e contribuições recentes. Atualmente sabe-se que eventos traumáticos são possíveis de se transmitir o seu registro inclusive às células germinais, ou seja, os espermatozoides são capazes de propagar essas informações e transmiti-las para a geração seguinte.

Um estudo de 2015 sobre os impactos de experiências traumáticas na infância (aces=adverse childhood experiences) demonstrou que 4 ou mais eventos aumenta o risco de depressão em 4,5 vezes e aumenta o risco de suicídio em 12 a 15 vezes, além de reduzir em 20 anos a expectativa de vida.

Outro estudo interessante publicado em 2013 comparando indivíduos que sofreram maltrato infantil com diagnóstico de depressão em comparação com pacientes com o mesmo diagnóstico, mas que não sofreram maltrato infantil, demonstrou que existe diferença entre seus cérebros. os pacientes que sofreram maltrato infantil apresentam redução do hipocampo, hipersecreção de corticoides no organismo em situações de estresse e pior resposta aos antidepressivos, sendo que muitas vezes ocorre ausência de resposta às medicações, respondendo apenas à psicoterapia.

Para finalizar, é preciso repensar a violência como a vemos atualmente e buscar estratégias para quebrar o seu ciclo de perpetuação. além disso, precisamos discutir a importância do papel da mulher tanto como vítima quanto algoz e entender como as alterações hormonais, o comportamento e outras diferenças orgânicas e sociais podem contribuir na afetação emocional da mulher.

Além disso, outras formas de violência como o alto índice de abandono e negligência no início e final da vida, ou seja, a falta de amor e cuidado saudável nas relações familiares e, também o papel do irmão como um perpetuador da violência.

Existe a necessidade de desenvolver políticas nacionais e regionais de saúde mental, buscando esclarecer e orientar a população como um todo, pois o risco da propagação da violência é a piora da qualidade da convivência social, a normatização dela, a afetação econômica, a ocorrência de dano cerebral à população e o aumento dos transtornos mentais.

A violência emocional ainda é pouco falada, pois segue protegida dentro dos lares, escondida entre quadro paredes.  além disso, a pior violência é a que não aparece, é aquela implícita, escondida e traiçoeira, com a qual o indivíduo não consegue se defender.

 

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