Março de 2025 – Vol. 30 – Nº 3

Azevedo, Belarmino A. (1), Martins, Renata C. (2), Saide, Oswaldo L. (3) e Moraes, Talvane M. (4).

RESUMO


         Os transtornos emocionais encontram-se incluídos nas relações
disfuncionais ou tóxicas, quando dominador e dominado estabelecem uma
codependência.  O objetivo deste estudo de caso foi identificar algumas das
suas características, possível modus operandi psicopático e critério diagnóstico
para psicopatia socioemocional ou emocional.                  
         Utilizou-se a metodologia qualitativa, com análise psicopatológica das
unidades de observação, traços psicopatológicos. Neste contexto conjugal,
identificou-se o estilo psicopático socioemocional com três fases: (A) “Controle
não sádico do poder”: 1. a função especular; 2. o love bombing e 3. o future
faking; (B) “Controle sádico do poder”: 4. Triangulação; 5.  Isolamento; 6.
Depreciações; 7. gaslighting e 8. controle sádico do poder; (C) 9. Descarte:
descarte propriamente dito; 10. o hoovering. 
         A função especular (espelhamento, camaleonismo ou mimetismo), como
papel sedutor, juntamente com a função simbioide constituem fatores
hegemônicos para o desenvolvimento da excessiva ligação emocional da
vítima ao psicopata – love bombing.  O gaslighting (delirium emocional) muito
contribui para o abuso ou assédio emocional. 
         Destaca-se também: a sedução, que nas psicopatias institucional e
emocional, constitui etapa inicial necessária para o surgimento dos demais
elementos psicopatológicos; as depreciações persistentes e a maleficência
sádica.
           Concluiu-se, neste caso, que:
.   o gaslighting assemelha-se muito a um delirium emocional;
. a maleficência sádica representa-se pela aglutinação minimamente das
funções:  triangulação, isolamento, depreciações persistentes, gaslighting e
controle sádico do poder;
.  a vítima, vendo-se imaginariamente impedida de culpabilizar o psicopata, por
ela idealizado, retorna a culpa sobre si própria, diminuindo a sua já baixa
autoestima e acentuando a sua desestabilização emocional;
.  para o diagnóstico de psicopatia socioemocional sugere-se a presença de 9
ou mais dos 18 itens totais: 4 ou mais dos 8 itens da personalidade psicopática,
acrescidos por 5 ou mais dos 10 itens do estilo psicopático emocional.  

         Palavras-chaves: estilo psicopático socioemocional, relações abusivas,
delirium emocional, assédio emocional, processo simbioide.

(1) Prof. da Disciplina de Saúde Mental, Universidade Iguaçu, UNIG, e Ex- coordenador do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica, Instituto Nacional de Infectologia, FIOCRUZ – e-mail: [email protected] (2) Preceptora do Internato em Saúde Mental do Curso Médico da
Universidade Iguaçu, UNIG, e Especialista em Medicina de Família e
Comunidade, Sociedade Brasileira de Medicina de Família
(3) Coordenador do Serviço de Psiquiatria da UERJ e Membro Titular e Jubilado da Associação Brasileira de Psiquiatria; (4) Prof. da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e
Ex-diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho.

SUMMARY


         Emotional disorders are included in dysfunctional or toxic relationships,
when the dominant and dominated establish codependency.  The objective of
this case study was to identify some of its characteristics, possible psychopathic
modus operandi, and diagnostic criteria for socio-emotional or emotional
psychopathy.                  
         Qualitative methodology was used, with psychopathological analysis of
observation units and psychopathological traits. In this marital context, the
socio-emotional psychopathic style was identified with three phases: (A) “Non-
sadistic control of power”: 1. the specular function; 2. love bombing and 3.
future faking; (B) “Sadistic control of power”: 4. Triangulation; 5. Isolation; 6.
Depreciation; 7. gaslighting and 8. sadistic control of power; (C) 9. Disposal:
disposal itself; 10. hoovering. 
         The specular function (mirroring, chameleonism or mimicry), as a
seductive role, together with the symbioid function constitute hegemonic factors
for the development of the victim’s excessive emotional connection to the
psychopath – love bombing.  Gaslighting (emotional delirium) greatly contributes
to emotional abuse or harassment.
         Also noteworthy are: seduction, which in institutional and emotional
psychopathies, constitutes a necessary initial stage for the emergence of other
psychopathological elements; persistent put-downs and sadistic maleficence.
          In this case, it was concluded that:
.   gaslighting is very similar to emotional delirium;

. sadistic maleficence is represented by the minimal agglutination of functions:
triangulation, isolation, persistent depreciation, gaslighting and sadistic control
of power;
.  the victim, finding herself imaginatively prevented from blaming the
psychopath, whom she idealized, turns the blame back on herself, reducing her
already low self-esteem and accentuating her emotional destabilization;
.  For the diagnosis of socio-emotional psychopathy, the presence of 9 or more
of the 18 total items is suggested: 4 or more of the 8 psychopathic personality
items, plus 5 or more of the 10 psychopathic emotional style items.  

         Keywords: socio-emotional psychopathic style, abusive relationships,
emotional delirium, emotional harassment, symbioid process.

INTRODUÇÃO


         A psicopatia socioemocional, ou socioafetiva emocional, ou emocional,
aproxima-se muito da psicopatia institucional: ambas derivam da psicopatia
social.  A psicopatia antissocial, também chamada de forense ou criminal
(HARE, 2003), junto com a psicopatia social (AZEVEDO et al., 2021)
constituem os grandes eixos, nos quais a psicopatia pode se dividir.
         A psicopatia socioinstitucional, ou institucional, apresenta um modus
operandi (AZEVEDO et al. 2023): 1. Sedução; 2. Manipulação; 3. Parasitismo;

  1. Alpinismo; e 5. Controle do poder. Destaque sempre para o controle do
    poder, objetivo existencial maior do psicopata.
             Por outro lado, o amor abusivo (está relacionado à presença de um
    dominador, assediador ou abusador (FAUR, 2012, SADOCK et al. 2017    e
    DSM-5, 2014), com possibilidade diagnóstica para:  psicopatia ou narcisismo
    (VELLOSO e DRUBI, 2022). Entre estes dois tipos de transtorno de
    personalidade, com muito destaque, desponta o psicopata:  possui um espectro
    de talentos e habilidades incomparáveis.  Uma delas é o camaleonismo, como
    elevada plasticidade de se moldar ou se mimetizar a uma pessoa, grupos de
    pessoas ou circunstâncias (AZEVEDO et al. 2021). Com esta sua habilidade
    incomum, o psicopata tem elevado destaque nas relações abusivas.
       VELLOSO e DRUBI, 2022 revela-nos alguns tipos de comportamento do
    narcísico, com as respectivas características, em sua relação conjugal:
    espelhamento, love bombing, future faking, isolamento, triangulação,

gaslighting, descarte e hoovering. Destaca que a pessoa envolvida e vítima
neste tipo de relação tóxica, não raro, evolui para quadros clínicos como a
depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático ou mesmo o
suicídio. 
   O objetivo deste estudo foi evidenciar e caracterizar um modus operandi
da psicopatia emocional, no contexto de um amor abusivo, e sugerir um critério
diagnóstico para psicopatia emocional ou socioafetiva emocional.

SUJEITOS E MÉTODO


   Neste estudo de caso, um casal de classe socioeconômica média alta foi
objeto de análise psicopatológica:  Sr. Michel, 50 anos e Sra. Monique, 48
anos. A análise psicoterapêutica deste casal foi submetida ao processo de
supervisão técnica psicanalítica, origem deste trabalho.
   Utilizou-se a metodologia de pesquisa qualitativa com análise
psicopatológica das unidades de observação, traços psicopatológicos (RUDIO,
2009). Guardou-se sigilo absoluto das identidades dos sujeitos, mantendo-as
em anonimato e substituindo-as por nomes fictícios. Não há conflito de
interesse e nem houve fontes de financiamento.

RESULTADOS


Caso clínico:
         “Sr. Michel e Sra. Monique estiveram casados por cerca de 23 anos, em
regime de comunhão de bens. Ele é formado em Engenharia civil, ainda em
atividade profissional, e ela em Comunicação, mas hoje atuando como
empresária no ramo de alimentos. Têm um filho, formado em Direito,
atualmente com 25 anos.  
         Quando se conheceram em um aniversário de uma amiga de Monique,
Michel ainda mantinha namoro com outra mulher e não tardou para deixar este
relacionamento, para ficar com Monique.  Mas, nem por isso ele parou de ter
outros relacionamentos paralelos. Separaram-se e hoje Michel mantém-se em
nova vida conjugal, romance iniciado ainda no período em que estava casado
com Monique.
         Monique diz ter sofrido muitas humilhações em sua vida conjugal:  “fica aí
com tua vidinha, que irei tratar da minha”; “nada contigo irá dar certo, com sua
incompetência” etc. (depreciações). 
         As mentiras de Michel eram frequentes, sendo uma delas: “hospedou-se
em um hotel, dizendo que havia viajado, para fugir de uma namorada e ter sua
liberdade garantida, por algum tempo” (mentira). 
         Considera-se o melhor funcionário da empresa onde trabalha:  entende
que ninguém é mais eficiente que ele (soberba).  Mas, em relação ao filho

nunca deu muita atenção (afetos superficiais), voltava-se mais para os
amigos, onde mantinha sua liderança. Certa feita, atracou-se com o filho,
provocando-lhe involuntariamente um traumatismo craniano, mas em nenhum
momento visitou-o no hospital (falta de empatia) e com orgulho diz que não se
arrepende de nada (ausência de culpa).
         No trabalho, Michel entende que nunca comete erros, mesmo que eles
sejam identificados por várias pessoas (inaceitação das suas inadequações).
É possuidor de excelente narrativa, especialmente na defesa dos seus
projetos, ou quando interessado em nova mulher (sedução/loquacidade). 
         Michel sempre chamou muita atenção de Monique, estabelecendo-se um
forte envolvimento:  ela era plenamente fissurada neste namorado (love
bombing); sua visão de mundo mostrava-se muito estreita; tudo voltava-se ao
atendimento de Michel em seus mínimos detalhes (parasitismo); seus desejos
eram avaliados como pertinentes e oportunos (manipulação). 
         Ele não poupava promessas de uma vida plena de vantagens e
realizações maravilhosas (future faking).  Ao mesmo tempo, sentia a
necessidade imperiosa de definir o que Monique deveria fazer ou não
(controle do poder): não admitia as opiniões de Monique (depreciações), até
mesmo porque observava que ela sempre aceitava seus assédios psicológicos
e entendia que era melhor assim.  Evitava que ele ficasse furioso com ela e ao
mesmo tempo imaginava que um dia seria um marido melhor.  
         Diante de outros familiares, Michel sempre exibia expressões
depreciativas, até mesmo de baixo calão, em relação à esposa (depreciações
persistentes), ou estabelecia elogios intermináveis a uma amiga dela,
comparando-os depreciativamente com os valores de Monique
(triangulação);      
         Ela nunca entendeu a sua imensa e estranha paixão por Michel (love
bombing); achava que ele era um enviado divino que foi colocado em seu
caminho, porque atenuava muito suas ansiedades existenciais, que antes
nunca havia ocorrido; 
         Monique filiou-se à religião católica. Não tardou para que Michel
começasse a demonstrar um vasto conhecimento em diversas passagens
bíblicas (espelhamento/camaleonismo);
         Devido à sua enorme paixão, Monique passou a abandonar seus próprios
ideais, para abraçar os projetos de Michel, em suas diversas demandas e
necessidades (parasitismo). Embora ela tenha tido uma carreira profissional
vitoriosa, inclusive com repercussões internacionais, em seu ramo de alimentos
como empresária, esteve sempre lutando muito para manter-se nesta
condição; é portadora de elevados valores cognitivos, mas percebe sua intensa
fragilidade emocional; diz-se traída pelos seus sentimentos e que se sentiu
escravizada nesta relação que teve com Michel. Mas, sim! Se Michel a
quisesse voltaria para ele:  “ruim com ele, pior sem ele”, diz ela. 

         Monique é mulher bonita, foi modelo em desfile de modas e capa de
revista neste segmento; não entende como mantém-se tão ligada a Michel,
mesmo após a separação extraoficial (descarte). 
      Paralelamente, Michel continua usufruindo de vantagens financeiras da
empresa de Monique (hoovering), onde ainda se encontra em exercício como
diretor financeiro, acumulando também com suas funções em outra empresa
da construção civil, onde trabalha.
         Não raro Monique vê-se triste, chorosa e mesmo desesperada. Tem
procurado apoio na religião católica, em Deus. Não vê saída nem futuro para
sua vida; percebe-se em intenso sofrimento psíquico.  Sua autoestima
encontra-se fragmentada, dispersa e irreconhecível. Mostra-se descrente com
as autoavaliações positivas, que sempre lhes foram admiradas, tidas como
sustentação dos seus valores pró-sociais; agora diz não saber quem ela é
(gaslighting):  um lixo? Sente-se despedaçada, sem qualquer tipo de brilho
e com sua libido apagada. Não consegue desenvolver interesse por outro
homem, embora oportunidade tenha surgido, não estabeleceu suficiente
reciprocidade afetiva.
         De repente, deu-se conta do quanto já estava distanciada dos entes
queridos, parentes e amigos (isolamento). Sem ter explicações e
sem motivação para resgatar estes vínculos afetivos.  Mas, observou que
Michel havia invadido este seu lugar e que estabeleceu, de forma crescente,
parcerias com estas pessoas, perdidas por Monique. 
         Michel exibe uma vida de luxo; viagens magníficas; iates etc. Ele ostenta
uma vida glamourosa, enquanto Monique vê-se cada vez mais num mundo de
acentuados sofrimentos, vivências de perdas e ainda admite que Michel esteja
feliz.”

DISCUSSÃO


         Verificou-se uma relação afetiva abusiva, com a presença dos dois
papéis:  um dominador/abusador (FALCHETO e OLIVETTO, 2017; LIMA et. al.,
2023; PEREIRA et. al. 2018), com características psicopatológicas da
psicopatia; e outra dominada/abusada.
         Foi possível a identificação de 3 fases, em um processo evolutivo ao
longo dos anos, das relações do casal:
         A. Fase do Controle não sádico do poder:
         1. Espelhamento (ou camaleonismo, mimetismo): 2. Love bombing e 3. o
Future faking (messias/salvador da pátria/solucionático, AZEVEDO et al. 2021).
       Este psicopata socioemocional desde o início instituiu o controle do poder
no relacionamento. Ao contrário, na psicopatia institucional, o poder tem
surgimento mais tardio, quando a caminhada psicopática é mais longa e
trabalhosa, não contando com a questão “da paixão” (love bombing) existente

na psicopatia emocional, que acelera muito todo o processo de envolvimento
entre as partes.
         Na psicopatia emocional obtém-se o controle do poder mais
rapidamente, porque ocorre uma paixão acentuada da vítima em relação ao
psicopata, love bombing (“uma paixão tão grande que Monique abandonou os
seus ideais e passou a assumir os projetos de Michel”).
         Iniciando ou na vigência da paixão, ocorre uma relação simbioide, à
semelhança da relação simbiose (BLEGER, 1977): na simbioide apenas uma
das partes vincula-se afetivamente em relação a outra. Michel, possuidor de
afetos superficiais (HARE, 2003), não se envolveu profunda e intensamente na
relação, como fez Monique. Quanto maior a simbiose ou a paixão, maior é o
afastamento ou distanciamento da realidade:  isto ocorreu com Monique, mas
não com Michel. Mantendo-se articulado à realidade, ele conseguia, desde o
início, estabelecer o controle de Monique na relação.
       Também se tem o processo do espelhamento, ou do camaleonismo.
Envolvido numa relação simbioide, o psicopata mimetiza, realiza o
espelhamento, tentando realizar o imaginário da vítima, referente às suas
necessidades, desejos, ideologias etc. (“Monique filiava-se à religião católica e
Michel passou a destacar-se como conhecedor de numerosas passagens
bíblicas”). Isto amplifica muito a paixão da vítima ao psicopata; como
consequência deste “love bombing”, fica a vítima muito dependente, em um
elevado nível, geralmente nunca ainda experimentado. A pessoa dominada vê
no psicopata um ser singular, seu “salvador da pátria”, um enviado que surgiu
para protegê-la e realizar os seus desejos (“future faking”). 
    O envolvimento emocional da vítima em relação ao psicopata é tão
acentuado que dificultará, de forma incomum, o rompimento desta
dependência, de uma codependência, porque o psicopata também se mostra
dependente da vítima, devido às elevadas facilitações e colaborações que
ela lhe oferece.
    Com a vítima em suas mãos, devido ao estado simbioide e a função
especular, acentuando o ‘love bombing”, o psicopata assume rapidamente,
desde o início do relacionamento, o controle do poder. Este fator motiva muito o
psicopata em dar continuidade a esta conjugalidade; vê a garantia de
sucessivos ganhos, vantagens ou benefícios; não ama a vítima em plenitude,
porque é possuidor de afetos superficiais, mas experimenta prazerosamente a
realização dos seus interesses na relação; o psicopata vê atendidas as suas
expectativas, há muito planejadas. O espaço deixado pelo pouco ou nenhum
amor é logo ocupado pela ambição por vantagens ou necessidade de poder,
dominantemente associadas às condutas antiéticas ou ilícitas.
         B. Fase sádica do controle do poder:  a triangulação, o isolamento, as
depreciações, o gaslighting e o controle do poder.
       A triangulação é a inclusão de uma terceira pessoa, a qual atribui-se
qualidades positivas comparadas à vítima, que é sempre relativizada e

depreciada, com o objetivo de aumentar a sua desestabilização ou
manipulação emocional (VELLOSO e DRUBI, 2022).
         O isolamento ocorre quando a vítima se vê progressivamente distanciada
dos seus entes queridos, como familiares e amigos (VELLOSO e DRUBI,
2022). O psicopata aproxima-se destas pessoas seduzindo-as com suas ideias
e condutas, formando com elas parcerias:  vê-se eleito por estas pessoas como
indivíduo merecedor de admiração e confiança. Suas ideias são as melhores
referências, enquanto a forma existencial da vítima torna-se inadequada, como
“um bode expiatório”:  aquele que está errado, não merecedor de qualquer
crédito. A vítima sofre em seu próprio meio familiar, um assédio emocional; fica
sem saber a quem recorrer; não encontra mais acolhimento, onde antes era
acolhida; seu brilho ou sua influência nestes contextos ficam anuladas e são
deslocadas para o psicopata.
         Gaslighting é uma forma de manipulação emocional e cognitiva em que
um indivíduo procura convencer a vítima sobre algo que não aconteceu,
distorcendo a realidade voluntariamente (FAUR, 2012).
         Ainda que a vítima esteja completamente correta em suas narrativas, o
psicopata impõe-lhe uma ideia contrária: “você não está percebendo bem o que
ocorreu! Você é sensível demais, está imaginando coisas que não existem!
Acho melhor que você seja mais atenta, para não cometer este tipo de
distorção!”
        O gaslighting é traduzido pela presença de um estranhamento
crítico sobre a vivência da realidade, quando se coloca em dúvida a própria
sanidade mental:  uma turvação da consciência da vítima (CHENIAUX, 2017)
imposta pelas ideias propositalmente errôneas do abusador. 
         Antecedendo a manipulação, ocorre a sedução:  uso de discursos
aparentemente lógicos, pertinentes e envolventes (loquacidade), mas
enganosos; tais narrativas confundem a vítima, coloca em dúvida suas crenças
e até mesmo a natureza da sua identidade; um estado emocional novo e
angustiante, que tende à evolução e uma condição de elevado
sofrimento psíquico.
         O gaslighting é uma das formas de depreciação, provocando a diminuição
da autoestima da vítima; não raro, aumenta a auto culpabilidade e provoca um
estado confusional – delirium emocional. No lugar de culpabilizar o autor do
abuso, a pessoa erroneamente se auto culpabiliza. 
         Na relação com um psicopata, sendo ele idealizado pela vítima, como
culpabilizá-lo? A pessoa prejudicada não vê sentido para isto, o que acentua a
sua condição confusional, que se aproxima de um estado delirante.
         O gaslighting é um abuso: tentativa, por vezes bem sucedida, de
imposição de uma falsa realidade. Ninguém mais competente para isto do que
o psicopata, mestre da farsa.

         Neste contexto do gaslighting, qual o ganho obtido pelo psicopata? É o
prazer em ter produzido um sofrimento na vítima, um prazer sádico; também
alimenta a ideia de controle do poder sobre a pessoa prejudicada, seu objetivo
existencial maior.
         Portando, o gaslighting, que ofusca, atenua ou destrói o brilho da
vítima, associa-se alguns elementos psicodinâmicos:  sedução, manipulação,
farsa e controle sádico do poder; podem encontrar-se incluídos também os
afetos superficiais e a falta de empatia.  O psicopata mostra-se insensível aos
danos psíquicos e emocionais que provoca, como também não se culpabiliza e
não aceita a ideia de ter cometido algo errado.
         C. Descarte, com o descarte propriamente dito e o hoovering:
        O psicopata costuma ser elevadamente sedutor; a sedução é continuada
pela manipulação e na psicopatia esta manipulação é seguida pelo parasitismo
ou ganho de algum benefício – ter a vítima como um objeto que lhe é
dependente.  Quando os ganhos não mais existem, ou se mostram
desnecessários ou inoportunos, o psicopata busca uma nova fonte de
suplementos, ou ganhos, para manter ou aprimorar sua função narcísica e
abandona ou secundariza esta fonte primária de vantagens.
         Mas é sua característica, não raro, de não a abandonar por completo:
permanece sempre que possível com a fonte primária – constitui o “hoovering”.
Isto ocorre, entre outros aspectos, devido também aos resíduos ainda
existentes do “love bombing”, desencadeado no início com a vítima:  ficou
distanciada da realidade, desenvolveu uma acentuada dependência ao
psicopata e se acha, por conta de um imaginário patológico, uma salvadora da
pátria – irá curar o transtorno da personalidade psicopática, como seu
compromisso ou sua meta existencial maior. Desta forma, a vítima também
contribui com o “hoovering”.
         O estilo psicopático socioemocional ou emocional fica constituído por dez
traços psicopatológicos: 1. Função especular (mimetismo ou camaleonismo); 2.
Love bombing; 3. Future faking; 4. Triangulação; 5. Isolamento; 6.
Depreciações persistentes; 7. gaslighting; 8. Controle sádico do poder; 9.
Descarte; 10. Hoovering.
         Outras características podem existir (VELLOSO e DRUBI, 2022),
constituem os traços que apoiam o diagnóstico: projeção, tratamento de
silêncio, stalking, abstinência, calúnia, injúria, difamação, pedra cinza e contato
zero.
       Sobre o diagnóstico de psicopatia social, com estes resultados, torna-o
possível para dois tipos:  a psicopatia socioinstitucional, ou psicopatia
institucional (AZEVEDO et al., 2021) e a psicopatia socioafetiva emocional ou
emocional.  Estão intimamente e respectivamente relacionadas a dois
contextos socioculturais: trabalho, assédio moral, e assédio conjugal, amor
abusivo, ou assédio emocional, nas relações conjugais.

         É crível que um psicopata possa estar incluído nos dois tipos:  ora
psicopata institucional e ora psicopata emocional, ou concomitantemente,
porque a personalidade, fatores biológicos, é única, é psicopática. Graças a
função da plasticidade psicopática, seu camaleonismo, o psicopata encontra a
forma de se moldar nos diferentes contextos, quando impulsionado pela
ambição de alçar o controle do poder.
         É relevante o papel do espelhamento (camaleonismo ou mimetismo).
Esta função é melhor desempenhada pelo psicopata; o narcísico não detém
esta habilidade no mesmo nível do psicopata. Segundo esta consideração, o
“amor” abusivo encontra no psicopata as condições mais necessárias para o
seu desenvolvimento do que no narcísico. Este “amor” é assim considerado
entre aspas, pelo tanto que se mostra superficial ou falso.
         Alguns psicopatas são peritos em copiar ou mimetizar elementos da
personalidade ou qualidades de outra pessoa, ou pessoas: absorvem
características alheias e projetam seus defeitos nos outros, frequentemente de
forma bem dissimulada. Podem utilizar este recurso para seduzir. Tomam para
si aquilo que é do outro, atribuindo a si o valor da originalidade e negando a
originalidade do outro. Isto pode ocorrer em relação ao amor: ele incorpora o
amor alheio em si, torna-se possuidor de um amor que era do outro; pode ter
também a convicção de que o outro não o ama, porque projetou no outro a
ausência de amor, que lhe é verdadeira, ou seus afetos superficiais; a
propriedade do amor muda de mãos, conforme seus desejos e necessidades. 
         O papel da sedução é muito destacável nas psicopatias sociais
(institucional e emocional), ao lado da insensibilidade afetiva emocional e das
transgressões antiéticas e delitivas, sabendo-se que esta última é essencial na
psicopatia antissocial ou forense. A farsa e a manipulação continuam com
papéis centrais também nas psicopatias sociais; aqui, a sedução agrega-se a
estas duas, como características centrais da psicopatia.
         A sedução nas psicopatias sociais é tipicamente multifacetada, muito
diversificada; mostra-se com elevada e talentosa plasticidade. Somente o
psicopata detém este talento tão elevado para demonstrar tanta habilidade
sedutora. Muito provavelmente, porque a sedução psicopática está sempre
sustentada pelos talentos farsantes: simulação e dissimulação.
         Por este caso, notou-se o alcance do objetivo existencial psicopático, que
foi o controle sádico do poder na relação (CHAMMA et al., 2023, KELLY e
JOHNSON, 2008 e MURIBECA, 2023), estabelecido desde o início do
relacionamento com o love bombing. Esta condição é
alcançada dominantemente pela contribuição do estado simbioide e o
camaleonismo psicopático (“função especular”).
                                                                                               
         Não existe o camaleonismo narcísico nas proporções elevadas do
camaleonismo psicopático.  Esta diferença confere aos amores ou relações
abusivas a participação hegemônica do protagonismo psicopático e não

narcísico. O narcisismo inclui-se necessariamente na psicopatia, mas a
psicopatia não é essencial ao narcisismo. A psicopatia é um ramo descendente
do narcisismo psicótico, enquanto o narcisismo não deriva da psicopatia,
embora possa agregar alguns dos seus elementos, como a falta de empatia e
as posições soberbas. A sensibilidade afetiva emocional do narcísico mostra-se
presente e é muito mais expressiva e persistente que no psicopata.  
         A inexistência de um suficiente camaleonismo narcísico impede que neste
tipo de transtorno de personalidade ocorra a função especular em sua
plenitude, característica patognomônica da intensidade elevada da paixão ao
psicopata.

CONCLUSÕES, neste caso analisado:


         Podemos considerar dois tipos de psicopatia social: a psicopatia
socioinstitucional, ou institucional, e a psicopatia socioemocional, ou emocional;
.  Na psicopatia emocional existem dois destaques, inexistentes na
institucional: o love bombing e o gaslighting, uma forma de delirium emocional. 
.  A psicopatia emocional, ou estilo emocional psicopático, está associada ao
amor abusivo, ou assédio moral na conjugalidade e constitui-se por três fases:
.  A fase do controle não sádico do poder, iniciada pelo processo simbioide e do
“espelhamento”, seguida pelo love bombing e future faking; a fase do controle
sádico do poder:   constituída pela triangulação, isolamento, depreciações,
gaslighting e controle sádico do poder; e a fase do descarte: constitui o
abandono da vítima, podendo ser seguida pelo hoovering (permanência ainda
da vítima como suplemento abusivo).
.  Sugere-se para o diagnóstico de psicopatia socioemocional a presença total
de 18 itens deste quadro clínico: quatro ou mais dos 8 itens da personalidade
psicopática e cinco ou mais dos 10 itens do estilo psicopático emocional. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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