Outubro de 2024 – Vol. 29 – Nº 10

Quirino Cordeiro – Professor Adjunto da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do HUB de Cuidados em Crack e Outras Drogas do Estado de São Paulo; Membro da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP)

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) publicou, em julho deste ano de 2024, parecer sobre a consulta 138.754/23, que solicitava manifestação “sobre o atendimento aos pacientes com histórico e/ou indícios de drogadição que procuram o hospital a fim de obter medicamentos controlados”. Tal parecer foi da lavra do conselheiro Pedro Sinkevicius Neto e de Quirino Cordeiro, membros da Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho.

O referido parecer do CREMESP inicia ponderando que “os pacientes que apresentam dependência química precisam receber cuidado e tratamento médicos de acordo com suas reais necessidades. Em certas ocasiões, especialmente quando da dependência de drogas, que são acessadas por meio de prescrição médica (p.ex.: opioides, benzodiazepínicos), alguns pacientes podem recorrer a serviços de saúde, como prontos-socorros, em busca de tais substâncias. Nessas situações, é extremamente importante que o médico possa identificar de maneira apropriada tal cenário, de modo a não contribuir para a perpetuação ou agravamento da dependência química dos pacientes, com o objetivo de não prescrever de maneira descuidada e displicente as substâncias que lhe são demandadas pelos pacientes”.

O texto afirma, então, que essas pessoas devem receber atendimento médico e que “o bloqueio puro e simples do atendimento a pacientes com dependência química, que procuram de modo recorrente serviços médicos para obterem suas drogas de consumo, não é recomendável. Tal medida pode fazer com que situações clínicas graves não sejam diagnosticadas e, consequentemente, não sejam tratadas adequadamente. É bem sabido que pacientes com dependência química apresentam maior prevalência de comorbidades clínicas e psiquiátricas, quando comparados a outros pacientes. Assim sendo, se, de maneira apriorística, o paciente tem seu atendimento bloqueado, por decisão administrativa, o mesmo pode ficar em situação crítica de desassistência. Além disso, pacientes com dependência química, por exemplo de opioides, podem apresentar quadros graves de síndrome de abstinência, que, se não identificados e não tratados adequadamente, colocam também o paciente em situação de grave risco à saúde. Sendo assim, quando pacientes com dependência química buscam atendimento médico, essa assistência deve ser oferecida de imediato”.

Entretanto, o parecer é bastante claro quando afirma que a realização do atendimento médico “não significa que, necessariamente, os pacientes deverão receber as substâncias que foram buscar com o médico do serviço. Pelo contrário, a abordagem terapêutica médica deverá se dar, a partir do diagnóstico realizado, sempre em favor do paciente. Por exemplo, em caso de dependência de opioides, pode-se usar terapia de substituição das drogas em uso pelo paciente por metadona. Vale ressaltar ainda que os pacientes com dependência a opioides podem se apresentar em situação de risco, quando procuram serviços de saúde, por conta de intoxicação aguda por essas drogas. Essa situação é especialmente dramática e pode levar à morte do paciente, reforçando a necessidade da realização de atendimento médico sempre que o paciente com dependência química se apresenta em um serviço de saúde”.

Valendo-se de ponderações alicerçadas na Bioética, o parecer aponta que “a utilização do princípio bioético da não-maleficência para justificar a não realização de atendimento aos pacientes não parece apropriado, tendo em vista que outro princípio bioético será maculado nessa situação, qual seja, o princípio da beneficência. Nessa situação, na análise do caso concreto, em ‘prima facie’, fica claro que os pacientes em questão serão expostos a diversas situações de risco e o serviço de saúde, bem como seus responsáveis, poderão cometer omissão de socorro”.

Obviamente, o parecer identifica possíveis dificuldades no atendimento de pacientes com o perfil ora discutido. Nesse contexto, então, indica que “as dificuldades eventualmente apresentadas no atendimento aos pacientes com dependência química, que buscam serviços de saúde para obterem suas drogas de uso, devem ser manejadas por diversos profissionais de saúde, idealmente por médico psiquiatra. Porém, em situação limite, quando a equipe de saúde e/ou o próprio paciente forem colocados em risco pelas ações do último, outros profissionais do serviço deverão participar do manejo do caso, sempre com o intuito de preservar a integridade tanto do paciente quanto dos membros da equipe de saúde. Em casos mais graves podendo, inclusive, considerar a indicação de internação psiquiátrica em suas diversas modalidades (voluntária ou involuntária)”.

Sendo assim, em resumo, o parecer finaliza com as seguintes manifestações:

1) Os pacientes devem receber atendimento, com o objetivo de dar conta de suas reais necessidades;

2) Durante o atendimento, os pacientes devem ser sempre orientados e encaminhados para tratamento especializado em dependência química;

3) As eventuais dificuldades de manejo no atendimento desses pacientes devem ser realizadas pelos profissionais de saúde. No entanto, quando a equipe de saúde e/ou o próprio paciente forem colocados em risco pelas ações do último, outros profissionais do serviço de saúde deverão participar do manejo do caso, sempre com o intuito de preservar a integridade tanto do paciente quanto dos membros da equipe de saúde;

4) Em casos mais graves podendo, inclusive, considerar a indicação de internação psiquiátrica em suas diversas modalidades (voluntária ou involuntária);

5) O bloqueio do atendimento aos pacientes pode colocar essas pessoas em situação de grave risco à saúde. Diante disso, não deve ser realizado.

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