Janeiro de 2024 – Vol. 29 – Nº 1

Walmor J. Piccinini
Polbr 2001


A escolha deste título para apresentar estudos e momentos da história da
psiquiatria brasileira não é acidental. Começou com a leitura de um livro baseado
na tese de doutoramento de um psiquiatra português. O livro se chama “Voando
sobre a Psiquiatria”; análise epistemológica da psiquiatria contemporânea e seu
autor é José Manuel Gameiro. (Edições Afrontamento. Porto. Portugal, 1992). O
autor é doutor pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade
do Porto. O livro é muito interessante e despertou meu interesse por apresentar
estudos sobre a mudança paradigmática da psiquiatria de psicológica para
psicobiológica a partir dos anos 80. Curiosamente o autor se apresenta como piloto
de avião e que gostaria de ter sido piloto de linha aérea, mas nunca conseguiu que
aceitassem um psiquiatra numa companhia de aviação. Deixado de lado o humor
português, quando o Giovanni Torello incumbiu-me da missão histórica de
contribuir para a Psiquiatria Online, resolvi adotar a ideia do dr. Gameiro,
procurando costurar assuntos esparsos e dar-lhes uma forma que pudesse tornar o
conhecimento da história mais amistoso. Vou tentando… espero que interesse aos
mais jovens. Não sou piloto de avião, é bom esclarecer. A Psiquiatria Vista do
Futuro Você já pensou como seremos visto daqui a cinquenta ou cem anos?


A Psiquiatria tem sofrido mudanças importantes? Algumas
pessoas foram convidadas a pensar e escrever sobre o assunto. A
mudança do século trouxe a luz uma série de trabalhos em que autores
líderes de áreas do pensamento psiquiátrico fazem previsão sobre o
futuro. Minha observação sobre estes trabalhos foi de que eles foram
muito conservadores e não se apresentaram particularmente
imaginativos. Talvez a necessidade da sobriedade exigida ou estimada
para publicar em revistas científicas tenha limitado a criatividade dos
autores. O assunto é interessante e vasto, foge da possibilidade de um
simples artigo. Vamos abordá-lo pelas margens assim como quem
come mingau quente.

Se examinarmos a Psiquiatria do fim do século
19 e início do século 20 baseados em observação do Primeiro
Congresso Mundial de Psiquiatria as referências eram de entusiasmo e
de crescimento. A grande bandeira era a de criar Colônias para os
doentes crônicos e havia promissoras pesquisas para enfrentar a sífilis
terciária. Olhando de outro ângulo poderíamos dizer que a psiquiatria
atravessava uma fase depressiva. Os hospitais estavam lotados de
doentes, o “modelo moral” de tratamento tinha fracassado e não
haviam perspectivas terapêuticas. Predominava a idéia da degeneração
e inevitabilidade. (Os trabalhos de Freud recém começavam a ser
publicados e difundidos ). Cinqüenta anos depois, e com duas guerras
mundiais no intervalo, os hospitais seguiam superlotados e os

instrumentos terapêuticos tinham feito lentos progressos. Algumas
vitórias tinham sido obtidas. A malarioterapia e, posteriormente a
penicilina tinham resolvido a questão da sífilis. A praxiterapia, a
ambientoterapia, as comunidades terapêuticas tinham humanizado o
ambiente hospitalar. O eletrochoque era o grande avanço terapêutico.
A psiquiatria dinâmica passou a atuar extramuros, a psicanálise atraiu
um número crescente de jovens para a psiquiatria. Nos últimos
cinquenta anos, graças à descoberta dos antipsicóticos, do lítio, dos
antidepressivas mudanças importantes ocorreram e ocorrem na prática
psiquiátrica.

Vou tomar a liberdade de apresentar umas considerações
de Eric Kandell sobre estas transformações. “ Quando os historiadores
da ciência focarem sua atenção para o surgimento da medicina
molecular na última metade do século 20, anotarão a posição peculiar
ocupada durante todo este período pela psiquiatria. Nos anos que
seguem a segunda guerra mundial, a medicina foi transformada de
uma arte prática em uma disciplina científica baseada na biologia
molecular. Durante esse o mesmo período a psiquiatria foi
transformado de uma disciplina médica em uma arte terapêutica. Nos
1950s, e que se estendeu aos 1960s, a psiquiatria acadêmica
abandonou suas raízes na biologia e na medicina experimental e
evoluiu em uma disciplina baseada na psicanálise e orientada
socialmente. Surpreendentemente desinteressada com o cérebro como
um órgão da atividade mental. Esta mudança no enfoque teve diversas
causas. No período após a segunda guerra mundial, a Psiquiatria
acadêmica assimilou as introspecções da psicanálise. Estas
introspecções forneceram uma janela nova de acesso aos processos
mentais humanos e criaram uma consciência que as grandes partes da
vida mental, incluindo algumas fontes psicopatológicas, teriam sua
origem no inconsciente. Inicialmente, estas introspecções foram
aplicadas primeiramente às chamadas então doenças neuróticas e a
alguns transtornos do caráter. Entretanto, seguindo a ligação mais
avançada de Eugene Bleuler e de Carl Jung, a abrangência da terapia
psicanalítica se estendeu sobre quase toda a doença mental, incluindo
as principais psicoses: esquizofrenia e depressões maiores.


Certamente, a extensão da psiquiatria psicanalítica não parou aqui;

expandiu em seguida para incluir as doenças médicas específicas.
Influenciado na parte por sua experiência na segunda guerra mundial,
muitos psiquiatras acreditavam que a eficácia terapêutica das
introspecções psicanalíticas poderiam resolver não somente os
problemas da doença mental mas também de doenças médicas de
outra maneira intratáveis tais como a hipertensão, a asma, úlcera
gástrica, e as Colites – ulcerativas. Doenças que não respondiam aos
tratamentos farmacológicos disponíveis nos atrasados anos 1940s.
Estas doenças foram consideradas psicossomáticas e seriam induzidas
por conflitos inconscientes. Assim, por 1960 a psiquiatria
psicanaliticamente orientada tinha-se transformado em modelo
predominante na compreensão de todas as doenças mentais e algumas
físicas. Quando em 1964 a escola médica de Harvard comemorou o 20o
ano do departamento de psiquiatria que era psicanaliticamente
orientado, no hospital Beth Israel, Ralph Kahana, um professor desse
departamento, sumariava o papel da liderança da psiquiatria
psicanaliticamente orientada da seguinte maneira: ” nos 40 anos
passados, pela maior parte sob o impacto da psicanálise, a psicoterapia
dinâmica transformou-se na habilidade terapêutica principal e
essencial do psiquiatra americano e, cada vez mais, o foco primordial
do seu treinamento”.

Fundindo a psiquiatria descritiva do período
antes da segunda guerra mundial com a psicanálise, a psiquiatria
ganhou bastante na capacidade explanatória e na introspecção clínica.
Infelizmente, isto foi conseguido no custo de enfraquecer seus laços
com medicina experimental e com descaso pela biologia. O
afastamento da biologia não era devida simplesmente às mudanças na
psiquiatria; era em parte devido ao maturação lenta das ciências do
cérebro. Nos atrasados 1940s a biologia do cérebro era imatura tanto
técnica como conceitualmente para estudar a maioria dos processos
mentais e seus transtornos. O pensamento sobre o relacionamento
entre cérebro e comportamento era dominado por uma visão que
funções mentais diferentes não poderiam ser localizadas em regiões
específicas do cérebro. Surgiram novas teorias. Uma nova concepção
foi esposada por Karl Lashley, que discutiu que o córtex cerebral era
equipotential; todas as funções mentais mais elevadas foram

presumidas de ser representadas difusamente durante todo o córtex.


Para a maioria dos psiquiatras e para muitos biólogos, a noção de
equiponenciabilidade do córtex cerebral e seu efeito no
comportamento pareciam inabordáveis pela análise biológica empírica.
Objetivamente a separação da psiquiatria da biologia teve suas origens
muito cedo. Quando Sigmund Freud explorou primeiramente as
implicações de processos mentais inconscientes para o
comportamento, tentou adotar um modelo neural do comportamento
em uma tentativa de desenvolver uma psicologia científica. Por causa
da imaturidade da ciência do cérebro naquele tempo, abandonou este
modelo biológico por um baseado puramente na mente baseado em
relatórios verbais de experiências subjetivas. Similarmente, nos 1930s
B.F.Skinner rejeitou teorias neurológicas em seus estudos do
condicionamento operante que condicionam o favorecimento de
descrições objetivas de atos observáveis. Inicialmente, esta separação
pode ter sido tão saudável para a psiquiatria como era para a
psicologia. Permitiu o desenvolvimento das definições sistemáticas do
comportamento e da doença que não eram incertas, com correlações
incertas com o mecanismos neural. Além disso, incorporando o
interesse profundo da psicanálise para a integridade da historia
pessoal de um indivíduo, a psiquiatria psicanalítica ajudou a
desenvolver maneiras diretas e respeitosas para os médicos
interagirem com os pacientes mentalmente doentes, e conduziram a
menor estigmatizarão e a perspective social na doença mental.


Entretanto, a separação inicial da psicanálise da ciência neural
advogada por Freud foi estimulada pela idéia que uma fusão seria
prematura. Como a psicanálise evoluiu após Freud- tornando-se uma
práxis investigativa limitada a um número pequeno de pensadores
criativos e inovadores, transformando-se na estrutura teórica
dominante na atitude da psiquiatria americana a ciência neural
também foi se modificando. Mais que prematura, a fusão da
psicanálise com a biologia foi visto como desnecessária, porque a
ciência neural era considerada irrelevante. Acrescente-se a isto as
limitações da psicanálise como um sistema de pensamento rigoroso,
auto-crítico ao invés de confrontar suas limitações passou a um

questionamento sistemático da técnica experimental da biologia. Ao
invés de aceitar novas maneiras de explorar o cérebro, a psiquiatria
psicanalítica gastou a maior parte das décadas de seu predomínio,
1950 a 1980 na defensiva. Embora houvesse importante exceções
individuais, os psicanalistas como grupo, desvalorizaram o inquérito
experimental. Conseqüentemente, a psicanálise estagnou e deslizou
num declínio intelectual que teve um efeito deletério na psiquiatria.
Como desestimulou maneiras novas de pensar isso teve um efeito
particularmente negativo no treinamento dos psiquiatras. Deixe-
me ilustrar com um exemplo pessoal a extensão a que esta atitude de
não questionamento veio influenciar meu próprio treinamento como
psiquiatra.

No verão de 1960, eu deixei meu treinamento postdoctoral
na ciência neural nos institutos nacionais da saúde (NIH) para começar
o treinamento como residente no centro de saúde mental de
Massachusetts, o mais importante hospital de ensino da escola médica
de Harvard. Eu iniciei o treinamento junto com 20 outros jovens
médicos, muito se tornarem líderes da psiquiatria americana: Judy
Livant Rapaport, Anton Kris, Dan Buie, Ernst Hartmann, Paul Wender,
Joseph Schildkraut, Alan Hobson, e George Vaillant. Contudo, nos
vários anos em que este grupo proeminente de médicos estava em
treinamento, não lhes eram solicitadas nem recomendados estudos e
leituras. Nós não recebemos nenhum livro texto; havia raras
referências a artigos científicos nas conferências ou nos casos em
supervisão. Mesmo os artigos de Freud não eram leitura recomendada
para residentes. Muita desta atitude vinha de nossos professores, das
chefias do programa de residência. Fizeram um ponto de incentivar-nos
a não ler. Leitura, segundo sua perspectiva, interferia com a habilidade
de um residente de escutar pacientes e da sua percepção da historia
da vida dos pacientes. Uma famosa, observação muito citada era que “
há aqueles que se importam com povos e há aqueles que se importam
com a pesquisa.” Com os esforços das chefias do programa de
residência a pressão total na psiquiatria psicanalítica no centro de
saúde mental de Massachusetts, e talvez, da escola médica de Harvard
no general, era de que não deviam simplesmente desenvolver
melhores mas desenvolver terapeutas melhores preparados para

compreender e lidar com os problemas existenciais dos pacientes. Este
ponto de vista sumariado em 1978 por Dia e Semrad, nos seguintes
termos: A essência da terapia com o paciente esquizofrênico é a
interação entre os recursos criativos do terapeuta e do paciente. O
terapeuta deve confiar em sua própria experiência da vida e traduzir
seu conhecimento de princípios terapêuticos na interação significativa
com o paciente ao reconhecer, ao evocar, e ao expandir a experiência e
a criatividade do paciente; ambos então aprendem e crescem da
experiência. A fim de acoplar um paciente esquizofrênico na terapia, a
atitude básica do terapeuta deve ser uma aceitação do paciente, nos
seus valores, e nas suas modalidades operativas mesmo quando são
diferentes. Amar o paciente que está, em seu estado de
descompensação, é o interesse preliminar do terapeuta em aproximar
o paciente. Em conseqüência o terapeuta deve encontrar suas
satisfações pessoais em outra parte. Seu trabalho exige muito em suas
contradições, porque deve amar o paciente, esperá-lo mudar, no
entanto derivar suas satisfações adicionais em outra parte e tolerar a
frustração. Na medida pequena este conselho era som, uniforme no
retrospecto. Um perspectiva humano e compassionada
ensinava a escutar com cuidado seu paciente. Ajudou-nos desenvolver
a empatia para todos os aspectos de um relacionamento terapêutico.
Mas como uma estrutura para uma instrução psiquiátrica projetada
para treinar líderes na psiquiatria acadêmica, estava incompleto. Para
quase todos os residentes havia uma limitação intelectual, e para
alguns residentes talentosos foi paralisante. Não havia, por exemplo,
nenhuma Sessão clínica no csm de Massachusetts. Nenhum
conferencista externo foi convidado para falar aos membros do
departamento para discutir observações clínicas ou científicas atuais. A
atividade coordenada principal para os residentes era uma sessão
semanal da terapia do grupo (com um líder maravilhoso e experiente
do grupo) em que os residentes constituíram os membros dos
pacientes do grupo-, assim que para falar. Era somente com a
insistência da equipe de funcionários da casa e de sua ânsia para o
conhecimento que as primeiras sessões clínicas ( Grand Rounds) foram
estabelecidos no csm de Massachusetts em 1965.

Para iniciar estas sessões, nós tentamos recrutar um psiquiatra na área de Boston para
falar sobre a base genética da doença mental. Não encontramos um
único psiquiatra em toda Boston que pudesse discutir o assunto
seriamente. Nós exigimos, finalmente que Ernst Mayr, grande biólogo
de Harvard e um amigo de Franz Kallmann, o fundador da psiquiatria
genética, para nos falar. Eu estou fornecendo aqui uma descrição
demasiadamente simplificada da fraqueza de um ambiente que tinha
muitas qualidades excelentes e muitas forças. A qualidade intelectual
dos professores da casa era notável, e o compromisso dos professores
da faculdade com o treinamento da equipe de funcionários da casa e
ao tratamento dos pacientes era admirável. Além disso,
eu estou descrevendo a tendência predominante no centro; havia os
opositores. Enquanto as chefias do programa de treinamento
desanimavam ativamente a leitura e a pesquisa, o diretor do centro,
Jack Ewalt, incentivava a pesquisa.

Além disso, eu fui assegurado que
durante este período da psiquiatria de Harvard, ela estava
descompassada do que acontecia no resto do país, e que uma falta de
interesse na pesquisa não era universal dentro da psiquiatria
acadêmica. Claramente, os interesses na pesquisa não estavam
faltando na Universidade de Washington sob Robins de Eli, em um
número outros de centros no meio oeste, ou na universidade de Johns
Hopkins sob Seymour Kety Mas uma falta de questionamento crítico
pareceu se difundir em Boston e em muitas outras instituições nas
costas do leste e ocidentais do país. Nossa década de residência nos
anos 1960s-marcou um ponto de virada na psiquiatria americana. Para
começar com, os tratamentos novos e eficazes, no formulário de
drogas psicofarmacológicas começaram a estar disponíveis.
Inicialmente, um número de supervisores desanimaram-nos de usá-los,
acreditando que estiveram projetados mais para ajudar a nossa
ansiedade do que aquele dos pacientes. Pelo meio dos anos 1970s a
cena terapêutica tinha mudado de forma dramática, tanto que a
psiquiatria teve que encarar ciência neural para compreender como os
tratamentos farmacológicos específicos estavam trabalhando. Com o
advento da psicofarmacologia, a psiquiatria foi mudando, e essa
mudança trouxe-a de volta a corrente da medicina acadêmica. Havia

três componentes neste progresso. Primeiramente: a psiquiatria que
não tinha armamentos terapêuticos eficazes na medicina passou agora
a tê-los para as principais doenças mentais e algo que começaram a
aproximar uma cura prática para duas das três doenças as mais
devastating: depression e doença manic-depressive. Em
segundo, conduzido primeiramente por Eli Robins na universidade de
Washington e então por Robert Spitzer no instituto psychiatric do
estado de New York da universidade de Columbia, os critérios clínicos
validados e objetivos novos foram estabelecidos para a doença mental
diagnosticar. Em terceiro lugar, Seymour Kety usou sua posição da
liderança em NIH acender um interesse renovado na biologia da
doença mental e especificamente na genética da esquizofrenia e da
depressão.

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