Agosto de 2023 – Vol. 28 – Nº 8
Walmor J. Piccinini. Editor da POLBR
Posse do Dr. Gilberto Schwartzman cujo padrinho foi Franklin Cunha
No dia 3 de agosto de 2023 assisti a posse de um médico na Academia, sua apresentação foi
feita por outro médico, ambos amigos do Editor do Psychiatry On-line Brasil. Resolvi trazer aos
nossos leitores os discursos do padrinho e o do novo acadêmico. Uma aula de erudição que
repasso a vocês no calor do momento, pode ser que poucos restem a atenção, mas assim
mesmo os apresento aos nossos leitores. Nunca esqueci as palavras do Luiz Cerqueira
contando uma entrevista com o Professor Ulisses Pernambucano. Diante da pergunta de que
livros deveria ler para ser um bom psiquiatra, ele respondeu, leia os clássicos, Cervantes,
Shakespeare, Machado de Assis e outros.
Dentro deste espírito apresento aos nossos leitores médicos escritores. Além de expoentes em
suas especialidades, dedicam seu tempo livre a leitura.
1. Discurso de Franklin Cunha, Médico, 90 anos, formado em 1965 após abandonar a
carreira de piloto de avião.
O BÓSON DE HIGGS E AS DUAS CULTURAS
Numa famosa conferência de 1959, o químico e
romancista britânico Charles Pierce Snow, Barão de
Snow (título de nobreza outorgado pela Rainha da
Inglaterra) diagnosticou uma fratura na vida intelectual do
mundo ocidental, a qual estava dividindo o universo das
ciências naturais daquele das letras e o das
humanidades. A educação, dizia Snow consiste em nos
familiarizarmos com as esferas da conduta humana, do
intelecto, do conhecimento, da beleza e da vida social.
Porém, a se julgar pela crônica “Eu e o bóson”, de Ruy
Castro na Folha de S. Paulo, o muro que divide as duas
culturas não está perto de ceder.
O arguto cronista comentou a detecção de uma nova
partícula atômica o bóson de Higgs, anunciada pela
imprensa com um entusiasmo que só costuma dedicar às
grandes catástrofes, como tsunamis, enchentes,
desabamentos, chacinas. Castro disse ter ficado a
princípio animado com a notícia. “Num primeiro
momento, como todo mundo, regozijei-me e vibrei até
concluir que, apesar das explicações e dos gráficos, não
entendia tostão do que estavam falando”.
Mais adiante, afirmou cultivar um certo carinho pelo
bóson.” Aliás, já fui grande fã de seus primos mais
velhos, os prótons, elétrons, nêutrons e quarks – e deles
também nunca soube do que se tratava. E finalizou ao
afirmar que “com tantos admiradores, o bóson pode
muito bem passar sem mim. E eu sem ele”.
Rememorando a análise do cientista e escritor Snow,
este afirmou que uma distância cada vez mais
intransponível separava a cultura dos cientistas por um
lado e a dos homens e mulheres das letras e das artes
em geral. Com a diminuição progressiva das
informações científicas ao alcance dos leitores comuns, o
diálogo entre os representantes das duas culturas foi se
tornando inviável e que grande desconhecimento existe
na percepção social de ambos os campos.
No universo das humanidades é considerada uma
vergonha o fato de não saber quem foi Pablo Picasso ou
quem escreveu Crime e Castigo. Por outro lado, é
comum encontrar cidadãos ilustrados que desconhecem
a segunda lei da termodinâmica e que inclusive se
orgulham disso. Os sofisticados conceitos que dominam
as ciências naturais e a física em especial, certamente
contribuem para aprofundar esse abismo. Não é fácil
entender o modelo padrão da física das partículas, a
previsão teórica e a detecção experimental do bóson de
Higgs. (Jorge Luis Borges, em magnífica ironia afirmou
que a Física Quântica é apenas um ramo da literatura
fantástica). Mas é verdade também, que pesquisadores
e jornalistas envolvidos com a divulgação das ciências
nem sempre encontram soluções felizes para tornar
inteligíveis as novidades da área, criando assim um
círculo vicioso de incompreensão e desinteresse.
Afinal de contas, podemos viver sem Drumond,
Quintana, Érico Veríssimo, Otto Maria Carpeaux, Jorge
Luis Borges, Dante Alighieri, Garcia Marques, Vargas
Llosa, Octavio Paz, João Gilberto, Lupicínio Rodrigues,
Rita Lee, Caetano Veloso, David Brubeck, Billy Holliday,
Daniel Baremboin, Mitislav Rostropovitch, Sviatoslav
Richter, Slavoj Zizek, Elizabeta Shwarteskopf, Dietrich
Fisher Diskau, Andrea Bocelli e até sem Mozart, Bach,
Vivaldi, Tachaikowisky, além de muitos outros
intelectuais de grande porte, sem esquecer a bossa
nova, os sambas de roda, o choro, o tango, o jazz que,
comparados ao modelo científico padrão, parecem
condenados a jamais serem reunidos no mesmo
universo já que são frutos notáveis da inteligência
cultural e do mesmo teatro da fantástica aventura
intelectual humana através da história. Enrique
Finochietto, Eric Hobsbawm, C.P. Snow), Luis Leloir
Mais de sessenta anos depois da palestra de C.P. Snow,
o muro que divide essas duas culturas não parece perto
de ceder. Se não pensarmos nosso mundo com o auxílio
da filosofia, da arte, da linguística, sociologia, política, da
economia, da ecologia, da etologia, nos perderemos nos
perigosos caminhos da tecnologia e da tecnocracia que
nos prometem o céu -como as religiões – mas que
poderão nos levar ao inferno dos terríveis círculos
vislumbrados com assombro por Dante e Virgílio.
Pierre Bordieu (1930-2002) no livro Homo Academicus,
escreveu: “O médico, o engenheiro, o advogado, o
executivo de empresa, os modernos CEOs, o técnico
computacional, o cientista puro, bases operacionais das
sociedades prósperas de nosso tempo, constituem o
problema central da atualidade, pois as posições políticas
primárias e ingênuas adotadas pelas classes médias de
quase todo o mundo é a sua expressão atual”. É essa
situação que possibilita entendermos a hermenêutica da
doxa de quem rege, divulga e impõe o aparato ideológico
anti-intelectualista que adotam e executam
cotidianamente uma parte espessa desses segmentos
sociais”.
E, meus amigos, rogo mais um átimo de paciência a
vocês: notícias pouco alvissareiras desse fenômeno não
cessam de nos advertir. Ouçamos o que diz Giorgio
Agamben, (1942-) filósofo italiano marxista e católico
(não me parece um oximoro ideológico tal situação
intelectual):
“Sabemos muito bem que o corpo de nossa sociedade
política é, tanto como o da Igreja Católica, entremeado
pelo mal e pelo bem, pelo crime e pela integridade moral,
pela justiça e injustiça. E, na realidade, na práxis das
democracias modernas, esses não são apenas
problemas políticos e ideológicos, mas também jurídicos,
filosóficos, psíquicos e entremeados por comportamentos
e atuações pessoais socialmente danosas.
E, como sucede com o os conceitos de legitimidade nas
leis vigentes, o atual problema poderá se resolver no
plano de normas que vetam e castigam, embora se
constate depois que a grande fratura no campo social e
econômico se torna cada dia mais profunda e esta é, sem
dúvida, a mais grave das injustiças e dos pecados
mortais de nosso tempo.
Na perspectiva da ideologia neoliberal hoje de domínio
consensual, o paradigma do mercado autorregulado – e
não apenas eventualmente – substituiu ao da justiça e
se finge que é possível governar uma sociedade cada
vez mais ingovernável segundo critérios exclusivamente
técnicos. É certo que nem sempre a legalidade
estabelecida judicialmente é legítima e a legitimidade do
que está escrito nas leis nem sempre é socialmente justa,
mas ambas deveriam ser na sua essência etimológica
rigorosamente cumpridas e praticadas.
Nesta altura de minha vida penso que seja oportuno
repetir o que afirmou Roland Barthes (1915-1980) na sua
sempre lembrada aula magistral no Collége de France a
qual desejo compartilhar com o nosso especial
homenageado de hoje:
“Há uma idade na qual se ensina o que se sabe, mas
logo vem outra na qual se ensina o que não se sabe: isto
se chama investigar. Talvez agora estejamos chegando à
idade de outra experiência: a de desaprender, a de deixar
trabalhar a sedimentação dos saberes, das culturas e das
crenças que já vivenciamos. Esta experiência tem um
nome ilustre e fora de moda que a usarei na sua plena
etimologia e se chama SAPIÊNCIA: nenhum poder, um
pouco de prudente saber e o máximo possível de sabor”.
O nosso homenageado de hoje é tecnicamente um
competente patologista e um conhecido e talentoso
escritor. E igual C.P, Snow, sempre entendeu e praticou
de forma brilhante as duas culturas que o escritor e
cientista inglês pregou e destacou sua importância em
nossa plena formação intelectual. E Gilberto, prega,
insiste, divulga e recomenda que o hábito da leitura seja
prática corrente e persistente entre nós. Então, penso
que a carta que lerei para finalizar, será efusiva e
integralmente aprovada por ele.
UMA CARTA PARA BORGES
(13 de junho de 1996, Nova York)
Caro Borges,
Como a sua literatura sempre se situou sob o signo da
eternidade, ela não parece velha demais para que eu lhe
envie uma carta. Se existiu algum contemporâneo
destinado à imortalidade literária, foi você. Você foi um
perfeito produto de sua época, de sua cultura, de um
modo que parece inteiramente mágico.
Você deu às pessoas maneiras novas de imaginar, ao
mesmo tempo que proclamava sem cessar nossa dívida
com o passado e acima de tudo, com a literatura. Você
disse que devemos à literatura quase tudo o que somos e
o que fomos. Se os livros desaparecerem, a história
desaparecerá, e os seres humanos também. Tenho
certeza de que você tem razão. Livros não são apenas a
soma arbitrária de nossos sonhos e de nossa memória.
Eles nos dão também o modelo da autotranscedência.
Lamento ter de dizer a você que os livros, hoje, são tidos
como uma espécie ameaçada. Por livros, refiro-me
também às condições de leitura que tornam possível a
literatura e seus efeitos na alma. Em breve, nos dizem,
invocaremos em “telas-livro” quaisquer “textos” que
quisermos e poderemos alterar seu aspecto, fazer
perguntas a eles, “interagir”. Quando os livros se
tornarem “textos” com que “interagiremos” segundo o
critério da utilidade, a palavra escrita terá se
transformado simplesmente em mais um aspecto da
nossa realidade televisual regida pela publicidade. Este é
o glorioso futuro que está sendo criado e prometido para
nós, como algo mais “democrático”. É claro, isso significa
nada menos que a morte da interioridade – e do livro.
Para essa transição, não haverá nenhuma necessidade
de uma grande conflagração. Os bárbaros não precisam
queimar os livros. O tigre está solto na biblioteca. Caro
Borges, por favor compreenda que não me dá nenhum
prazer queixar-me. Mas a quem melhor do que você
poderia ser endereçada tais queixas sobre o destino dos
livros e da própria leitura? Tudo o que quero dizer é que
sentimos sua falta. Você continua a ser importante. A
era em que estamos entrando agora, este século XXI,
porá a alma à prova com novas maneiras. Mas, esteja
certo, alguns de nós não abandonaremos a Grande
Biblioteca. E você continuará a ser o nosso patrono e
nosso herói.
Assinado: SUSAN SONTAG (1933 – 2004)
2. Discurso do Dr. Gilberto Schwartzman
ILUSTRE PRESIDENTE DA ACADEMIA RIOGRANDENSE DE LETRAS
AIRTON ORTIZ, ILUSTRES ACADÊMICOS, ILUSTRES SECRETÁRIA DE
ESTADO DA CULTURA, BEATRIZ ARAÚJO, ILUSTREE SECRETÁRIA DE
ESTADO DA EDUCAÇÃO RAQUEL TEIXEIRA, DEMAIS AUTORIDADES,
FAMILIARES E AMIGOS, SENHORAS E SENHORES.
DIRETORA ANA MARIA DE SOUZA E PRESIDENTE ALCIDES STUMPF,
OBRIGADO PELA GENTILEZA DE AUTORIZAR A REALIZAÇÃO DESTA
CERIMÔNIA EM NOSSO LINDO SALÃO MOURISCO, DA BIBLIOTECA
PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – E QUE TANTO
AMAMOS.
O ILUSTRE ACADÊMICO ALCY CHEUICHE, EM CUJAS VEIAS CORRE O
SANGUE ÁRABE-BERBÉRE, DEVE GOSTAR DO SOM DA PALAVRA
“MOURISCO”, QUE VEM LÁ DA MOURAMA, A TERRA DOS MOUROS. EU
ADORO O SOM DO “ISCO” DA PALAVRA “MOURISCO”.
PARA QUEM SABOREOU AS HISTÓRIAS DAS “MIL E UMA NOITES”, QUE
MINHA IRMÃ MARGARETH LIA PARA MIM QUANDO CRIANÇA, O “ISCO” DA
PALAVRA “MOURISCO” LEMBRA-ME O ASSOVIO DO GOLPE CERTEIRO
DA CIMITARRA.
É A ESPADA DE LÂMINA CURVA, COM A QUAL O SULTÃO SHARIAR, NUM
MOVIMENTO RÁPIDO, CORTAVA AS CABEÇAS DAS BELAS PRINCESAS
COM QUEM SE CASAVA.
ERAM ASSIM AS HISTÓRIAS DA PRINCESA SHERAZADE E DAS “MIL E
UMA NOITES”.
DO SULTÃO SHARIAR, QUE FORA TRAÍDO PELA ESPOSA E DEPOIS DE
MATÁ-LA E AO SEU AMANTE, PASSA A CORTAR A CABEÇA DE CADA
NOIVA APÓS A NOITE DE NÚPCIAS. ISSO ATÉ ELE CONHECER A LINDA
PRINCESA SHERAZADE, POR ELA SE APAIXONAR E, COMO EU, FICAR
CURIOSO COM AS INTERMINÁVEIS HISTÓRIAS DAS “MIL E UMA NOITES”.
ILUSTRE ACADÊMICO FRANKLIN MARCANTONIO CUNHA, MEU
PADRINHO NESTA CERIMÔNIA, ENQUANTO MINHA IRMÃ MARGARETH
ALIMENTAVA COM LITERATURA A MINHA FANTASIA, MEU IRMÃO CARLOS
ROBERTO ME FAZIA SABOREAR OS ENCANTOS DA MEDICINA.
OS DOIS ME ESTIMULARAM A SEGUIR DOIS CAMINHOS IGUALMENTE
BELOS, MAS DISTINTOS, COMO O DE “SWANN” E O DOS “GUERMANTES”,
NA OBRA “EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO”, DE MARCEL PROUST.
MEU QUERIDO E ILUSTRE ACADÊMICO LUIZ OSVALDO LEITE, A CIÊNCIA
E A CULTURA ME TROUXERAM MUITAS ALEGRIAS E REALIZAÇÕES.
MAIS QUE ISSO, MINHA VIDA FOI SEMPRE ADORNADA PELA ARTE.
MINHA MÃE RECITAVA TANTAS POESIAS DE MEMÓRIA! DE AUGUSTO
DOS ANJOS: “VISTE, ASSISTE AO FORMIDÁVEL, O ENTERRO DA TUA
ÚLTIMA QUIMERA”! DO CAMÕES LÍRICO: “AH, O AMOR! ESSE NÃO SEI O
QUÊ, QUE VEM NÃO SEI DE ONDE, E DÓI NÃO SEI POR QUÊ!”.
EU CRESCI ENTRE OS LIVROS. JAMAIS RECEBI UM “NÃO” DE MEUS
PAIS, SE O ASSUNTO FOSSE LIVRO. LEMBRO DE MEU PAI ENTRANDO
EM CASA CONTENTE, TRAZENDO-ME UMA EDIÇÃO DA ENCICLOPÉDIA
MIRADOR, QUE EU HAVIA PEDIDO A ELE. NA ADOLESCÊNCIA, FOI DONA
GISELDA, MINHA PROFESSORA, QUE SEMPRE APARECE EM MEUS
TEXTOS, QUEM ME ACONSELHOU A LER A “DIVINA COMÉDIA”, DO
GRANDE POETA DANTE ALIGHIERI.
AH, MEU QUERIDO ARMINDO TREVISAN, COMO É LINDA ESTROFE EM
QUE DANTE, AO CHEGAR NO PURGATÓRIO, ELE DESCREVE A COR DO
CÉU: “DOLCE COLOR D’ORIENTAL ZAFFIRO”! COMO É LINDA A POESIA,
ILUSTRE ACADÊMICO RAFAEL JAKOBSEN – QUE TANTO ME APOIOU
NESTA JORNADA RUMO À ACADEMIA!
HÁ UMA PARTE NO “QUIXOTE”, EM QUE CERVANTES SE REFERE AOS
PASSARINHOS QUE CANTAM PENDURADOS NOS RAMOS DAS
ÁRVORES. ELE DESCREVE OS PASSARINHOS A CANTAR COMO
“INQUILIDOS ALADOS A TOCAR SUAS DOCES FLAUTAS”. CERVANTES
TOCA O MEU CORAÇÃO. É ELE O ALONSO QUIJANO, QUE DE TANTO
LER NOVELAS DE CAVALARIA, DO REI ARTHUR DA TÁVOLA REDONDA,
DE AMADIS DE GAULA OU DO IMPERADOR CLARIMUNDO,
ENLOUQUECE, PARA VIVER AS FANTASIAS DO “QUIXOTE”.
NA PARTE FINAL DA OBRA, QUANDO CERVANTES TEM DE DESCREVER
A MORTE DE ALONSO QUIJANO, ELE – O NARRADOR DA OBRA – SOFRE
COMO SE PERDESSE UM AMIGO VERDADEIRO. ELE LAMENTA: “QUERO
DECIR QUE SE MURRIÓ”.
FOI UM SENTIMENTO DE AMIZADE, ALGO FRATERNO, O QUE RECEBI
DOS ILUSTRES ACADÊMICOS. NO LANÇAMENTO DO LIVRO “O
INVENTOR DA ETERNIDADE”, DE NOSSO GRANDE ESCRITOR LIBERATO
VIEIRA DA CUNHA, O ILUSTRE ACADÊMICO RUBEN DANIEL
CASTIGLIONE SAUDOU-ME: “TE ESPERO NA ACADEMIA”. “NA
ACADEMIA?”, RESPONDI EU, FALSAMENTE SURPRESO – EU QUERIA
MUITO ESTAR NA ACADEMIA.
CONTUDO, ILUSTRE ACADÊMICO ROBERTO SCHMIDT-PRYM, EU FIQUEI
COM MEDO DO “CANTO DA SEREIA”, COMO DESCREVEU HOMERO, NA
“ODISSEIA”.
EU ESCUTEI SUAS PALAVRAS – EMOCIONADO E FELIZ POR DENTRO –
MAS REAGI COMO CAPITU, NO “DOM CASMURRO”, DE MACHADO: COM
“OLHOS DE CIGANA OBLÍQUA E DISSIMULADA”.
EU RESOLVI SEGUIR O CONSELHO DA FEITICEIRA CIRCE, QUE NA
“ODISSEIA”, DE HOMERO, ALERTA ULISSES QUANTO AO IRRESISTÍVEL
“CANTO DA SEREIA”, POIS É ESTE CANTO PERIGOSO QUE ATRAÍ OS
MARINHEIROS E PODE LEVÁ-LOS AO NAUFRÁGIO.
COMO ULISSES, EU TRATEI DE PÔR CERA EM MEUS OUVIDOS E
AGARRAR-ME FORTEMENTE AO MASTRO DO NAVIO.
MAS LOGO PERCEBI QUE O CANTO ERA DOCE E SUAS NOTAS
MUSICAIS VINHAM DOS ACADÊMICOS. ERA COMO A BELA MÚSICA QUE
NÃO PRECISA SER TOCADA, APENAS SENTIDA – COMO A “SONATA DE
VINTEUIL”, NA OBRA DE PROUST. ASSIM, MINHA HISTÓRIA COM A
ACADEMIA COMEÇA COMO NO POEMA DE ALBERTO CAEIRO,
HETERÔNIMO DE PESSOA: “NUM MEIO-DIA DE FIM DE PRIMAVERA… E
COMO UMA FOTOGRAFIA…”.
ENCONTRO O ILUSTRE ACADÊMICO ANTONIO CARLOS CORTES NA
SAÍDA DE UM CONCERTO DA ORQUESTRA SINFÔNICA. ELE SORRI, DE
LONGE, PARA MIM, COMO QUEM DIZ: “ÉS BEM-VINDO NA ACADEMIA”.
MEU QUERIDO AMIGO ELVIO FUNCK, POR QUEM NUTRO UMA ENORME
ADMIRAÇÃO POR TER TRADUZIDO A OBRA COMPLETA DE WILLIAM
SHAKESPEARE, EU CONFESSO QUE ME SENTI COMO O ELFO PUCK, DE
“SONHOS DE UMA NOITE DE VERÃO”!
AO CONTRÁRIO DO “CÂNTIGO NEGRO”, DO POETA PORTUGUÊS JOSÉ
RÉGIO, QUANDO DIZ: “VEM POR AQUI”, EU NÃO FUI. DECIDI
PERMANECER ONDE ESTAVA, EM MEU DISSSIMULADO SILÊNCIO.
MAS EU ME SENTIA COMO FELICITÉ – A PERSONAGEM DA HUMILDE
EMPREGADA DA CASA, NO CONTO “UMA ALMA SIMPLES”, DE FLAUBERT,
QUE FICA ENCANTADA QUANDO GANHA O SEU ÚNICO PRESENTE NA
VIDA: O PAPAGAIO LULÚ.
MEU DESEJO ERA INGRESSAR NA ACADEMIA, MAS DENTRO DE MIM –
PARA MEU INFORTÚNIO – MORAVA TAMBÉM UMA ESPÉCIE DE IAGO,
PERSONAGEM DE SHAKESPEARE, EM “OTHELO”. E O DISSIMULADO
IAGO ME ACONSELHAVA A FINGIR CERTA INDIFERENÇA.
LOGO DEPOIS, A ILUSTRE ACADÊMICA JANE TUTIKIAN ME ENVIOU UMA
MENSAGEM: “NÓS TE QUEREMOS NA ACADEMIA”. E MEU IAGO
RESPONDEU COM FALSIDADE: “TAL IDEIA JAMAIS PASSOU POR MINHA
CABEÇA”.
SE SHAKESPEARE DESCREVEU COMO NINGUÉM OS TIPOS HUMANOS,
PROUST E SEU CONTEMPORÂNEO SIGMUND FREUD, MEU CARO
DOUTOR SERGIO DE PAULA RAMOS, APROFUNDARAM-SE NO “LAGO
DESCONHECIDO” DA MENTE DOS HOMENS.
NÓS SABEMOS FINGIR, QUANDO QUEREMOS. MAS MENTIR NÃO É
NOVIDADE NA LITERATURA. NÃO HÁ ENSAIO LITERÁRIO MAIS
MARAVILHOSO DO QUE “A DECADÊNCIA DA MENTIRA”, DE OSCAR
WILDE. WILDE DIZ QUE A MENTIRA É A ESSÊNCIA DA ARTE.
PESSOA NOS AVISA QUE “O POETA É UM FINGIDOR, FINGE TÃO
COMPLETAMENTE, QUE CHEGA A FINGIR QUE É DOR, A DOR QUE
DEVERAS SENTE”. EU QUERIA, SIM, A ACADEMIA, MEU QUERIDO AMIGO
PAULO AMARAL!
COMO O NOBRE ESCOCÊS MACBETH, DEPOIS DE EU TER OUVIDO
SOBRE O MEU DESTINO, DAS TRES BRUXAS QUE HAVIA NO CAMINHO,
SEGUI A GALOPE EM DIREÇÃO AO CASTELO DE REI DUNCAN. EU NÃO
PRETENDIA ASSASSINAR NENHUM REI, PARA GANHAR UMA VAGA NA
ACADEMIA, COMO LADY MACBETH SUGERIRIA, MEU QUERIDO ÉLVIO,
MAS MEU DESEJO DE INGRESSAR NA ACADEMIA ERA IMENSO.
ESCONDI ESSE DESEJO ATÉ DE MINHA ESPOSA LEONOR E DE MEU
EDITOR, LUIS PAIM, DA EDITORA SULINA. EU PARECIA OUTRO –
COMPLETAMENTE TRANSFORMADO. EU PENSEI: TEREI EU ME
TORNADO UMA BARATA, COMO A PERSONAGEM DA “METAMORFOSE”?
OU UM RÉU SEM CRIME, COMO “JOSEPH K”, DE “O PROCESSO”, DE
KAFKA?
ILUSTRE ACADÊMICO E VICE- PRESIDENTE ROSSYR BERNY, POR NÃO
ME SENTIR UM ESCRITOR RECONHECIDO, ACHEI QUE MINHA ENTRADA
NA ACADEMIA PODERIA SER VISTA COMO UM DAQUELES PECADOS
PASSÍVEIS DE CASTIGADO NOS NOVE CÍRCULOS DO INFERNO DE
DANTE.
UM PECADO COMO O DE FRANCESCA DE RIMINI, MEU QUERIDO POETA
ARMINDO TREVISAN, NA “COMÉDIA” DE DANTE, QUANDO ELA E O
CUNHADO PAOLO MALATESTA SE BEIJAM, APAIXONADOS, APÓS LEREM
JUNTOS UM POEMA.
EU LEMBRO QUE NA “COMÉDIA”, DANTE DEIXA CLARA A PUNIÇÃO DE
FRANCESCA E PAOLO. ELES SÃO ASSASSINADOS PELO MARIDO
TRAÍDO, E TÊM DE AGUENTAR VENTANIAS INSUPORTÁVEIS NO
INFERNO! A PENA DO MARIDO FOI PIOR, POIS DANTE TOLERAVA
MELHOR A LUXÚRIA DO QUE AS MORTES VIOLENTAS.
EU FIQUEI COM CERTO MEDO, MAS RESOLVI SEGUIR ADIANTE, COMO
RECOMENDARIA O MEU QUERIDO AMIGO E GRANDE ATOR, JOSÉ ADÃO
BARBOSA. ELE ME RECITARIA O POEMA DE YEATS, QUE TANTO
APRECIA: “LANCE UM OLHAR GÉLIDO À VIDA, À MORTE, CAVALEIRO, E
SIGA EM FRENTE!”
EU PODERIA, TALVEZ, ESPERAR. QUEM SABE, PUBLICAR UM POUCO
MAIS E DEPOIS PENSAR NA ACADEMIA.
PROFESSORA VERA BARROSO, QUE SABE TANTO SOBRE LISBOETAS E
AÇORIANOS, MINHA MÃE ENSINOU-ME SOBRE A PACIÊNCIA,
DECLAMANDO POEMAS DE LUIS DE CAMÕES:
“SETE ANOS DE PASTOR JACÓ SERVIA A LABÃO, PAI DE RAQUEL,
SERRANA E BELA, MAS NÃO SERVIA AO PAI, SERVIA A ELA”. E “OS DIAS,
NA ESPERANÇA DE UM SO DIA, PASSAVA JACÓ CONTENTANDO-SE EM
APENAS EM VÊ-LA”. MAS LABÃO, PAI DE RAQUEL, USANDO DE
CAUTELA, NÃO LHE DEU RAQUEL, MAS A IRMÃ MAIS VELHA, LIA.
PROFESSORA MARIA LUIZA BERWANGER DA SILVA, O POBRE JACÓ, NO
ANTIGO TESTAMENTO, TEVE DE SERVIR POR MAIS SETE LONGOS
ANOS, PARA TER A MÃO DE RAQUEL, SUA AMADA – FORAM CATORZE
ANOS DE ESPERA! ORA, SE JACÓ, NA BÍBLIA SAGRADA DE MEUS
ANTEPASSADOS HEBREUS, ESPEROU POR TANTO TEMPO PARA TER
RAQUEL, MEU QUERIDO AMIGO E GRANDE ARTISTA CARLOS DE BRITTO
VELHO, EU TALVEZ PUDESSE ESPERAR UM POUCO MAIS PELA
ACADEMIA.
A JORNALISTA TÂNIA CARVALHO, QUE EU AMO TANTO – E ELA AMA OS
LIVROS – SABE MUITO BEM QUE CAMÕES CONCLUI A POESIA, DIZENDO,
RESIGNADO: “PARA TANTO AMOR, TÃO CURTA VIDA!”.
EU PENSEI: JACÓ ESPEROU CATORZE ANOS POR RAQUEL … E EU
ESPERAREI? SE CONTO COM A SIMPATIA DE ALGUNS ACADÊMICOS,
QUE PECADO HAVERIA EM CONCORRER AGORA? PENSEI NO QUE
APRENDI COM ZORAVIA BETTIOL, GRANDE ARTISTA E MINHA AMIGA: A
CORAGEM E A DETERMINAÇÃO.
E DECIDI: “VOU POR AÍ!… “DEUS E O DIABO É QUE GUIAM, MAIS
NINGUÉM, TODOS TIVERAM PAI, TODOS TIVERAM MÃE, MAS EU, QUE
NUNCA PRINCÍPIO, NEM ACABO, NASCI DO AMOR QUE HÁ ENTRE DEUS
E O DIABO…” DIZ O CÂNTIGO NEGRO DE JOSÉ RÉGIO.
NUM EVENTO NO THEATRO SÃO PEDRO, O ILUSTRE ACADÊMICO LUIS
CORONEL, SEMPRE TÃO CARINHOSO COMIGO, DISSE-ME: “TE QUERO
NA ACADEMIA!!”.
COMO ENÉAS, O HEROI TROIANO, NA “ENEIDA”, DE VIRGÍLIO, EU ME VI
EM ÍTACA! E PASSEI A ME IMAGINAR ACADÊMICO. COMO A VAIDADE
NOS CEGA, MEU QUERIDO PROFESSOR MIGUEL ESPÍRITO SANTO!
COMO NO CONTO DE MACHADO, “ELOGIO DA VAIDADE”, SENTI-ME O
MAIS PODEROSO HOMEM NA FACE DA TERRA! DOCE ILUSÃO…
DEPOIS PENSEI MELHOR E PERCEBI QUE HÁ NA “ENEIDA” UMA
ESPÉCIE DE TERCEIRA PERSONAGEM: O DESTINO. E SE O MEU TEMPO
TIVESSE CHEGADO?
NÃO O TEMPO DE LEOPOLD BLOOM, NO “ULISSES” DE JOYCE, MEU
QUERIDO AMIGO JUAREZ RIBEIRO, EM QUE TUDO SE PASSA NUM SÓ
DIA! MAS O TEMPO DE MEU DESEJO, COMO NOS ENSINA NIETZCHE.
MEU AMOR PELA ACADEMIA ERA SILENCIOSO, MAS ARDENTE, COMO O
DE FLORENTINO POR FERMINA, NO “AMOR NOS TEMPOS DA CÓLERA”,
DE GABRIEL GARCIA MARQUEZ. E PARA INGRESSAR NA ACADEMIA, O
ILUSTRE PRESIDENTE NÃO ME IMPOS O SACRIFÍCIO QUE PESOU NOS
OMBROS DE ANNA KARENINA. EU NÃO PRECISEI ABANDONAR TODO O
MEU PASSADO PELO NOVO AMOR. AO CONTRÁRIO DA OBRA CLÁSSICA
DE TOLSTOI, EU CONTINUO MÉDICO E PRESIDENTE DA ORQUESTRA
SINFÔNICA.
TAMPOUCO O MEU NOVO AMOR – A ACADEMIA – SERIA O AMOR SEM
ESPERANÇA DE DOUTOR JIVAGO POR LARA, NAS NEVES RUSSAS DA
IMAGINAÇÃO DE BORIS PASTERNAK. NEM A PAIXÃO DOENTIA DO JUIZ
FROLLO PELA BELA CIGANA ESMERALDA, NO “CORCUNDA DE NOTRE
DAME”. EM MEU SILENCIOSO DESEJO DE INGRESSAR NA ACADEMIA,
QUASÍMODO NÃO PRECISOU RAPTAR A BELA ESMERALDA, APENAS
OCULTÁ-LA POR UM TEMPO, ENTRE OS SINOS DA CATEDRAL DE NOTRE
DAME.
MEU AMOR PELA ACADEMIA, EU JURO, É PURO COMO O DE “ROMEU E
JULIETA”, MAS SEM O FINAL TRÁGICO E AS DISPUTAS DE MONTEQUIOS
E CAPULETOS, DA OBRA DE SHAKESPEARE. ILUSTRE ACADÊMICO
DEGRAZIA, EU ME SENTI O HOMEM MAIS FELIZ DO MUNDO.
CONTUDO, TÃO LOGO COMECEI A PENSAR EM MEU DISCURSO DE
POSSE, O ESPÍRITO DE RASKOLNIKOV PULOU DAS PÁGINAS DE “CRIME
E CASTIGO”, DE DOSTOIEVSKI, E PASSOU A ME AMEAÇAR COM O FIO
DE SEU MACHADO.
SERIA EU O FAUSTO, DE GOETHE, QUE VENDEU A SUA ALMA À
MEFISTÓFELES, EM TROCA DE TER OS SEUS DESEJOS REALIZADOS?
POR QUE SERIA EU O ELEITO PARA A ACADEMIA E NÃO OUTRO?
PORQUE SERIA EU O HÉRCULES, FILHO DE ALCMENA E DE ZEUS, MEU
QUERIDO PROFESSOR FRANCISCO MARSHALL, A BEBER O LEITE
MÁGICO DOS SEIOS DA DEUSA HERA? A AMBIVALÊNCIA DO PRÍNCIPE
HAMLET PASSOU A ME ATORMENTAR. HÁ TANTA GENTE COM MAIOR
ENVERGADURA LITERÁRIA DO QUE EU! QUE JUÍZO FARIAM DE MIM
NOSSOS GRANDES AUTORES?
JUREMIR MACHADO DA SILVA, SERGIO FARACO, LETICIA
WIERZCHOWSKI, LIBERATO VIEIRA DA CUNHA, CARPINEJAR, MARTHA
MEDEIROS!
FLÁVIO TAVARES, CUJAS OBRAS E TEXTOS NOS ENSINAM TANTO
SOBRE A CORAGEM E O AMOR À NATUREZA; JEFERSON TENÓRIO E
SUA FLORESTA REPLETA DE “JABUTIS”!
A LISTA DE QUEM DEVERIA ESTAR NA ACADEMIA ANTES DE MIM
TORNOU-SE ASSUSTADORA.
EU ME SENTI, ILUSTRE PROFESSOR LUIS OSVALDO LEITE, COMO O
CAPITÃO AHAB, A ENFRENTAR O “MOBY DICK”, DE HERMAN MELVILLE. E
MEUS AMIGOS QUE RECEBERAM O PRÊMIO AÇORIANOS DE
LITERATURA? E OS PATRONOS DA FEIRA DO LIVRO? E OS CRÍTICOS
TEATRAIS? E MEU AMIGO ANTONIO HOLDFELD?
E OS GRANDES DO NOSSO TEATRO? LUIS PAULO VASCONCELOS,
SANDRA DANI, LUCIANO ALABARSE, JOSÉ ADÃO BARBOSA – MEU
QUERIDO AMIGO – DILMAR MESSIAS, ARLETE CUNHA! E OS
PROFESSORES DE LITERATURA! PROFESSORA MARIA LUIZA
BERWANGER DA SILVA, LEA MASINA, SERGIUS GONZAGA! REGINA
ZILBERMANN, LUIS AUGUSTO FISCHER! PROFESSORA VERA BARROSO!
FRANCISCO MARSHALL, COM O STUDIO CLIO E SUAS CONTRIBUIÇÕES
FILOSÓFICAS! ELVIO FUNCK, QUE TRADUZIU AS OBRAS COMPLETAS DE
SHAKESPEARE! MEU QUERIDO HIQUE GOMEZ, COM A SUA IMAGINÁRIA
SBÓRNIA, UMA “MACONDO”, DE “CEM ANOS DE SOLIDÃO”, DE GABRIEL
GARCIA MARQUEZ, EM PLENA CIDADE DE PORTO ALEGRE. MEU AMIGO
LÊNIO STRECK E SEUS ENCONTROS SOBRE “DIREITO E LITERATURA”.
NOSSOS GRANDES NOMES DA SÉTIMA ARTE: CARLOS GERBASE,
JORGE FURTADO! DENIS ROSENFIELD E SUAS OBRAS FILOSÓFICAS E
ENSAIOS SOBRE POLÍTICA!
COMO AS CARGAS IMPIEDOSAS DOS CANHÕES DE MAOMÉ II, A
BOMBARDEAR AS MURALHAS DE CONSTANTINOPLA, MINHAS NOITES
DE INSÔNIA COBRAVAM DE MINHA CONSCIÊNCIA A INJUSTIÇA DE
MINHA CANDIDATURA.
ILUSTRE ACADÊMICO FRANKLIN CUNHA, MEU PADRINHO NESTA NOITE,
FOI ENTÃO QUE SE DEU “O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES E
DOS PEIXES”, DESCRITO NOS EVANGELHOS DE MARCOS E DE MATEUS.
LEMBREI-ME DO “TEMPO REDESCOBERTO”, DE MARCEL PROUST. SIM!
FOI A LITERATURA A JANELA QUE FEZ A PERSONAGEM DE MARCEL
VISLUMBRAR QUE HAVIA UM FACHO DE LUZ “NA ENTRADA DA
CAVERNA”. A LITERATURA O LIBERTARIA.
EU PENSEI TAMBÉM NO “ASSIM FALOU ZARATUSTRA”, DE NIETZSCHE.
QUEM SABE, EU TERIA O DIREITO DE DESEJAR A ACADEMIA. POR QUE
NÃO? FOI NIETZSCHE, MEU QUERIDO JOSÉ ADÃO BARBOSA, QUEM
TROUXE PAZ À MINHA AMBIVALÊNCIA.
DONA EVA SOPHER DIZIA QUE “UMA SOCIEDADE SEM ARTE É UMA
SOCIEDADE SEM AR”. PARA MIM É IGUAL: A CULTURA É COMO O AR
QUE RESPIRO.
E SE NIETZSCHE FALOU DE UM NIHILISMO AMARGO, COMO SENTIA A
PERSONAGEM DO JOVEM BÁZAROV, EM “PAIS E FILHOS”, DE
TURGUENIEV, EU LEMBREI QUE ELE TAMBÉM FALOU DE OUTRAS
FORMAS DE NIHILISMO, MUITO MAIS CONSTRUTIVAS. O FILÓSOFO FALA
QUE É A VONTADE QUE NOS MOVE! O “ETERNO RETORNO”, DE
NIETZSCHE, É UMA FORMA DE NIHILISMO POSITIVO, QUE NOS
EMPURRA PARA FRENTE.
E CÁ ESTOU, MEU AMIGO E BRILHANTE DIRETOR DE TEATRO LUCIANO
ALABARSE, NA NOITE DE MINHA POSSE, COMO UMA “DORIAN GRAY”, DE
OSCAR WILDE, A OLHAR-SE NO ESPELHO.
OU COMO UM “JEAN VALJAN, DE “OS MISERÁVEIS”, VICTOR HUGO,
LIVRE DA PERSEGUIÇÃO DO INSPETOR JAVERT”, PRONTO PARA
REALIZAR UM RITUAL QUE CULTUA A IMORTALIDADE ACADÊMICA.
REPETIDA À CADA CERIMÔNIA DE POSSE DE UM NOVO ACADÊMICO, É
ELA – A MEMÓRIA – O QUE GARANTE AO ACADÊMICO A IMORTALIDADE.
COMO DIZIA BORGES E, ANTES, ELIOT, UM ESCRITOR É A SOMA DE
TODOS OS ESCRITORES QUE VIERAM ANTES DELE.
A CADEIRA 32 DA ACADEMIA RIOGRANDENSE DE LETRAS TEM COMO
PATRONO PEDRO VELHO, UM POETA MUITO POPULAR EM NOSSO RIO
GRANDE, AO INÍCIO DO SÉCULO XX, QUE PUBLICOU MUITAS DE SUAS
POESIAS E SÁTIRAS EM JORNAIS.
ESTA CADEIRA FOI DEPOIS OCUPADA POR AUGUSTO DE CARVALHO. É
INTERESSANTE QUE, NA CAPA DE UMA DE SUAS OBRAS, INTITULADA
“BILHETES PARA UMA VALQUIRIA”, ÉRICO VERÍSSIMO DÁ SOBRE ELE
UM TESTEMUNHO:
“NOS BONS E NOS MAUS MOMENTOS, AUGUSTO DE CARVALHO FOI
UMA VOZ CLARA E SEGURA A SERVIÇO DA DEMOCRACIA”. ISSO NÃO É
POUCA COISA, MEU AMIGO E JORNALISTA FLAVIO TAVARES.
DEPOIS, QUEM OCUPARIA A CADEIRA 32 É O NOSSO LUIS ANTONIO DE
ASSIS BRASIL, HOJE ELEVADO À CONDIÇÃO DE ACADÊMICO EMÉRITO,
AUTOR DE ROMANCES MARAVILHOSOS!
EU ME DELICIEI COM A LEITURA DE “UM QUARTO DE LÉGUA EM
QUATRO”, “BACIA DAS ALMAS” E OUTRAS DE SUAS OBRAS DE GRANDE
QUALIDADE.
MEU ILUSTRE ACADÊMICO FRANKLIN CUNHA, EU CONSIDERO O
MUNDO DOS LIVROS, DAS BIBLIOTECAS E DAS PESSOAS CULTAS E
SENSÍVEIS, O QUE PODE HAVER DE MELHOR NESTA VIDA. EU
ACREDITO NO “MITO DE PROMETEU”!
QUANDO PROMETEU ROUBA O FOGO DOS DEUSES DO OLIMPO, MEU
QUERIDO PROFESSOR ANTONIO HOLDFELT, ELE DÁ AOS HOMENS O
CONHECIMENTO E COM ELE A POSSIBILIDADE DE CONTROLAR O SEU
PRÓPRIO DESTINO.
O LIVRO É UM INSTRUMENTO PRECIOSO QUE NOS FAZ DESENVOLVER
A IMAGINAÇÃO. ADOLESCENTE, EU ESPIAVA ÉRICO VERÍSSIMO,
SENTADO COM DONA MAFALDA, NA VARANDA DE SUA CASA, NO
BAIRRO PETRÓPOLIS. E PENSAVA SOBRE O QUE PODERIA SE PASSAR
EM SUA MENTE, PARA PRODUZIR TÃO LINDA LITERATURA.
FOI ÉRICO QUEM ME FEZ AMAR AS DELÍCIAS DO PECADO. EU LI E RELI
“OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO”! E ENTENDI INSTANTANEAMENTE O
AMOR PROIBIDO DE EUGENIO POR OLIVIA! EU REZAVA PARA QUE ELE
DEIXASSE A ESPOSA EUNICE E CAÍSSE NOS BRAÇOS DE OLIVIA!
TORNEI-ME LEITOR PELA FORÇA QUE EXERCERAM SOBRE MIM AS
PÁGINAS DOS LIVROS. A LEITURA ME CONQUISTOU, MEU QUERIDO
AMIGO E POETA ROGERIO XAVIER, POIS PERCEBI QUE, ATRAVÉS DAS
PÁGINAS DOS LIVROS, EU PODERIA FAZER VIAGENS INIMAGINÁVEIS.
PELAS ASAS DOS LIVROS, EU PUDE VIVER OUTRAS VIDAS E OUTROS
TEMPOS. EM “A MONTANHA MÁGICA”, DE THOMAS MANN, EU ME SENTI
CONTAMINADO PELA PERSONAGEM DO JOVEM CASTORP. EU ERA MAIS
UM ENTRE OS TUBERCULOSOS DO SANATÓRIO DE DAVOS!
EU QUERO ESTAR NA ACADEMIA, PORQUE SEI QUE OS ILUSTRES
ACADÊMICOS AMAM AS BIBLIOTECAS, COMO SANCHO PANÇA AMAVA
DOM QUIXOTE; PORQUE EU GOSTO DE OLHAR PARA UM LIVRO, SENTIR
O SEU PERFUME, TOCÁ-LO, DE LONGE, OBSERVÁ-LO NUMA ESTANTE E
IMAGINAR OS SEUS SEGREDOS.
BORGES DIZIA QUE SUA “BIBLIOTECA DE BABEL” ERA INFINITA, E
QUANDO A HUMANIDADE DESAPARECESSE, SERIA ELA – A BIBLIOTECA
– O TESTEMUNHO DA PASSAGEM DO SER HUMANO PELA TERRA.
COMO OS ILUSTRES ACADÊMICOS, EU TENHO A COMPULSÃO QUASE
DOENTIA POR ADQUIRIR LIVROS QUE – EU SEI – JAMAIS TEREI TEMPO
DE LER. E MESMO ASSIM, EU OS ADQUIRO…
MEU QUERIDO PROFESSOR JOSÉ RIVAIR MACEDO, NÓS DOIS
SABEMOS O PODER QUE TEM A PALAVRA! “A PALAVRA É UMA ARMA
PODEROSA”, DIZIA VICTOR HUGO! COMO EU, OS ILUSTRES
ACADÊMICOS SE EMOCIONAM COM UMA PRIMEIRA EDIÇÃO, COM UMA
OBRA RARA QUE ALGUÉM EXIBE, OU MESMO COM UMA DEDICATÓRIA
MISTERIOSA.
COMO OS ILUSTRES ACADÊMICOS, EU ADORO REENCONTRAR OS
MEUS AMIGOS ENTRE OS JACARANDÁS EM FLOR, DA PRAÇA DA
ALFÂNDEGA, DURANTE OS DIAS DE FEIRA DO LIVRO. PARA UM
ACADÊMICO, MEU AMIGO ALCIDES STUMPF, O LIVRO É UM DIAMANTE –
COMO “O ALEPH”, DO CONTO DE BORGES. OU COMO O VELHO BAÚ
CONTENDO UM MAPA SECRETO, ENTERRADO NAS AREIAS DA “ILHA DO
TESOURO”, DE ROBERT STEVENSON.
EU SEI TAMBÉM QUE OS ILUSTRES ACADÊMICOS ACREDITARÃO, SE EU
DISSER QUE OS LIVROS DE MINHA BIBLIOTECA CONVERSAM UNS COM
OS OUTROS. E QUE EU JÁ VI “RAYUELA”, DE JULIO CORTÁZAR, SAIR
SOZINHA DA ESTANTE, PARA TROCAR CARINHOS COM “A DAMA DO
CACHORRINHO”, DE TCHECOV.
COMO DIRIA O GRANDE JOÃO SIMÕES LOPES NETO, MINHA QUERIDA
SECRETÁRIA BEATRIZ ARAÚJO, MINHAS “TREZENTAS ONÇAS”
CARREGAM NA GUAIACA UM IMENSO DESEJO DE ESTAR NA ACADEMIA.
COMO O VAQUEANO BLAU NUNES, PERSONAGEM DE SIMÕES LOPES
NETO, EU JÁ CAVALGUEI POR BIENAIS DE ARTES VISUAIS, PELOS
RECANTOS DO THEATRO SÃO PEDRO, POR ENTRE ESTANTES DESTA
BIBLIOTECA E HOJE PROCURO “O FLAUTISTA DE MERLIN” EM NOSSA
ORQUESTRA SINFÔNICA.
MEU QUERIDO MAESTRO EVANDRO MATTÉ, RICHARD WAGNER DIZIA
QUE O MELHOR DA ARTE VEM DA INTEGRAÇÃO DAS ARTES, COMO OS
GREGOS FAZIAM, MEU QUERIDO LUIS PAULO VASCONCELOS, AO
INCLUIR AS VOZES DOS COROS EM SUAS GRANDES TRAGÉDIAS.
PROFESSORA LEA MASINA, QUEM SABE VEM DAÍ A JUSTIFICATIVA PARA
A MINHA ENTRADA NA ACADEMIA: DOS MEUS MODESTOS DEVANEIOS
LITERÁRIOS, SOMADOS AO MEU AMOR PELA MÚSICA, PELA PINTURA E
PELOS PALCOS TEATRAIS.
MEU AMIGO, O POETA ARMINDO TREVISAN, QUE FESTEJA NESTES DIAS
O SEU ANIVERSÁRIO, É ASSIM QUE – HUMILDEMENTE – EU ME
APRESENTO À ACADEMIA. POR CRER, COMO DANTE ALIGHIERI, NA
ESTROFE FINAL DO SEU “PARAÍSO”: NO “AMOR QUE MOVE O SOL E AS
ESTRELAS”.
É ESSE MESMO AMOR QUE ME FEZ PERCORRER A VIDA, TÃO FELIZ E
REALIZADO, AO LADO DE LEONOR, AMOR DE MINHA VIDA, E QUE ME
ENSINA “SEMPRE E TANTO”; E DE COM ELA TRAZER AO MUNDO DOIS
FILHOS MARAVILHOSOS – LAURA E GUILHERME – E DE PRESENTE, UM
LINDO NETO CHAMADO DANIEL.
SIM! É ESSE O AMOR QUE FAZ COM QUE EU ME DEDIQUE À CULTURA E
ÀS ARTES, SOBRETUDO AO LIVRO, QUE É MEU AMIGO E CÚMPLICE DE
TODAS AS HORAS. E QUE ME PERMITE, MUITAS VEZES, DEIXAR A
ESCURIDÃO DE MINHA “CAVERNA DE PLATÃO”.
ILUSTRE ACADÊMICO FRANKLIN CUNHA, EU ESTOU AQUI, PORQUE O
LIVRO FOI SEMPRE O MEU FIEL COMPANHEIRO. FOI MINHA PENÉLOPE,
DA ODISSEIA; MINHA BEATRIZ, DA “COMÉDIA”; MINHA DULCINÉIA DEL
TOBOSO, “DO QUIXOTE”; MINHA LAURA, DE PETRARCA; E “MEU DOCE
DIADORIM”, DE GUIMARÃES ROSA.
O LIVRO, ILUSTRES ACADÊMICOS, É A MINHA PRINCESA SHERAZADE,
SEMPRE A ME CONTAR HISTÓRIAS QUE NÃO TÊM FIM, PARA QUE
POSSA DORMIR E SONHAR EM PAZ POR “MIL E UMA NOITES”.