Fevereiro de 2023 – Vol. 28 – Nº 2
Belarmino Alves de Azevedo (*1), Adriana Meirin Cordeiro Silva (*2), Catarina Fernandes (*3),
Nilza Pereira da Mota Ribeiro (*4) e
Talvane Marins de Moraes (*5)
(*1) Prof. da Disciplina de Saúde Mental da Universidade Iguaçu (UNIG) e Ex-coordenador do
Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Instituto Nacional de Infectologia da Fundação
Oswaldo Cruz (INI/FIOCRUZ), e-mail: [email protected]; (*2) PreceptorA do
Internato do Curso Médico da UNIG na Disciplina de Saúde Mental e Especialista em
Psicologia Hospitalar, Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro;
(*3) Preceptora do Internato do Curso Médico da UNIG na Disciplina de Saúde Mental
e Especializações em Neurologia Clinica, IPEMED, e em Psiquiatria Infantil, Santa
Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro;
(*4) Preceptora do Internato do Curso Médico da UNIG na Disciplina de Saúde Mental
e Especialização em Neuropsicologia e Reabilitação, Centro Universitário Celso
Lisboa;
(*5) Prof. da Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Ex-
diretor do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Heitor Carrilho.
Resumo
O objetivo deste estudo foi o de identificar outras características e traço
psicopatológico que apóiam o diagnóstico do quadro clínico da psicopatia
socioinstitucional. Fez-se uso da metodologia qualitativa, descritiva e
exploratória com observações não participantes, por um período de um ano e
meio. O observador foi um profissional de psicologia, contratado
temporariamente no Departamento de Recursos Humanos. Para o diagnóstico
de psicopatia socioinstitucional, utilizou-se o critério diagnóstico segundo
AZEVEDO, SALLES e MORAES.
Como resultados, o sujeito da observação mostrou-se positivo aos 17 itens para
o diagnóstico de psicopatia socioinstitucional e mais dois destaques,
características psicopatológicas associadas que apóiam este diagnóstico: serial
killer corporativa e intervenções abusivas. Com esta"serial killer corporativa", o
perfil das vítimas era aquele que, se destruído ou anulado, permitiu a sua
escalada ascendente à ampliação do seu poder corporativo. Utilizou-se de ações
planejadas, cuidadosas, maleficentes, fake news, anulação da autonomia,
afetos superficiais não beneficentes, falta de empatia maleficente, inadequações
antiéticas maleficentes e inadequações delitivas. Ultrapassou o campo dos
direitos alheios, desprezou-os. Uma destruição, mais uma maleficência
psicopática, à custa de afetos superficiais, falta de empatia e sadismo.
Concluiu-se que: Nicole compara-se a uma espécie de "serial killer corporativa":
uma compulsão para a destruição fria e cruel daqueles avaliados por ela como
potencialmente ameaçadores à sua ambição alpinista ao poder; estabeleceu-se
a estreita relação entre a psicopatia em serial killer corporativa e suas condutas
sádicas; a presença e atuação da serial killer corporativa estiveram associadas
às diminuições de profissionais competentes e do nível competitivo da
empresa;a intervenção abusiva é vitimizadora e avizinha-se de outras duas
ações abusivas: a sexual e a moral;o poder psicopático vê-se fortalecido a cada
intervenção abusiva; a intervenção abusiva pode-se constituir como um traço
psicopatológico, relativo às maleficências antiéticas ou delitivas.
;
Palavras-chaves: psicopatologia, psicopatia socioinstitucional, depreciações
persistentes, serial killer, intervenções abusivas.
Summary
The objective of this study was to identify other characteristics and
psychopathological trait that support the diagnosis of the clinical picture of
socio-institutional psychopathy. A qualitative, descriptive and exploratory
methodology was used with non-participant observations, for a period of one
and a half years.
The observer was a psychology professional, temporarily employed in the
Human Resources Department. For the diagnosis of socio-institutional
psychopathy, the diagnostic criteria according to AZEVEDO, SALLES and
MORAES were used.
As a result, the subject of the observation was positive for the 17 items for the
diagnosis of socio-institutional psychopathy and two more highlights, associated
psychopathological characteristics that support this diagnosis: "corporate serial
killer" and abusive interventions. With this "corporate serial killer", the profile of
the victims was one that, if destroyed or annulled, allowed their upward
escalation to the expansion of their corporate power. It used planned, careful,
maleficent actions, fake news, annulment of autonomy, non-beneficial
superficial affections, maleficent lack of empathy, maleficent unethical
inadequacies and criminal inadequacies. It went beyond the field of other
people's rights, it despised them. A destruction, another psychopathic
maleficence, at the expense of superficial affections, lack of empathy and
sadism.
It was concluded that: Nicole compares herself to a kind of "corporate serial
killer": a compulsion for the cold and ruthless destruction of those she judges as
potentially threatening her climbing ambition for power; the close relationship
between psychopathy in corporate serial killers and their sadistic attitudes was
established; the presence and performance of the corporate serial killer were
associated with a decrease in the number of competent professionals and the
company's competitive level; abusive intervention is victimizing and is close to
two other abusive actions: sexual and moral; the psychopathic power is
strengthened with each abusive intervention; abusive intervention can be
constituted as a psychopathological trait, related to unethical or criminal
maleficence.
Keywords: psychopathology, socio-institutional psychopathy, persistent
depreciation, serial killer, abusive interventions.
INTRODUÇÃO
O psicopata no trabalho, corporativo ou institucional, não raro, mostra-se
ambicioso e, investido da necessidade de ascensão ao patamar do exercício
do poder, para estabelecer as principais decisões institucionais: solucionático,
como é o seu costume, e estando no poder, esta qualidade a todo o momento
se apresenta; como exibição da sua suposta ou real habilidade, como exercício
das manifestações de poder ou como expressão sedutora, sua marca
raramente excluída em suas interrelações. Mas, nem todo psicopata no
trabalho inclui-se neste modelo de psicopatia institucional: nestes casos, falta o
motor essencial, a ambição pelo poder. Por vezes, são psicopatas com
principal mobilização ao prazer, em suas diferentes modalidades: sexual, jogos,
práticas voltadas às atividades de risco etc. Portanto, psicopatas nas
instituições podem ser incluídos na psicopatia institucional ou não. Nestes
casos, não há a plenitude do modus operandi institucional, centrada
principalmente nos seguintes traços psicopatológicos: sedução, manipulação,
parasitismo, alpinismo e poder. No psicopata na instituição, mas “não
institucional”, a sedução, manipulação e parasitismo podem ocorrer, mas o
alpinismo e o controle do poder estão ausentes. Casos nos quais a satisfação
narcísica não é na obtenção do poder.
O psicopata, no contexto criminal, não raro, pode estar associado às práticas
definidas como de serial killer (assassinato em série): três ou mais crimes
produzidos por uma pessoa, em intervalos de tempos distintos. Esteve ligado,
inicialmente, às questões exclusivas da sexualidade, e hoje não mais; 5% com
doenças psicóticas e 86,5% em psicopatas; nestes casos de serial killers
psicopatas a taxa de transtornos sádicos é mais elevada, cerca de 100%,
estabelecendo uma estreita relação entre psicopatia e sadismo (MORANA,
2006 e STONE, 2001). .
O psicopata serial killer exercita seu poder e controle sobre a outra
pessoa/vítima (CASOY, 2014). Palavras de um deles, Mike DeBardeleben: “o
impulso central é ter completo comando sobre a outra pessoa, fazer dela o
objeto desamparado de nosso desejo … e o objetivo mais radical é fazê-la
sofrer”; tratando-a como simples objeto; visam desumanizá-las (MORANA,
2006). Geralmente a motivação é psicológica, com nuances sádicas e sexuais
(SCHECHTER, 2013), ocorre com forte indiferença (RÁMILA, 2012) e nunca
quer ser descoberto.
Tem elevada plasticidade camaleônica (mimética), demonstrando duas faces
ou vida dupla: uma voltada ao seu social – bem articulado, por vezes gentil,
racional, pode mesmo ser exemplo de sensatez ou ser arauto de soluções
extraordinárias; a outra, sua verdadeira personalidade, é mostrada
preferencialmente às suas vítimas – pessoa calculista, maquiavélica, sem
culpa, e obtém satisfação com tortura, estupro e crime (GUIMARÃES,2021).
A vítima tem algum significado para o assassino, voltado ao seu prazer
sádico, protagonismo ou controle do poder.
O objetivo deste estudo foi o de identificar outras características e traço
psicopatológico, que apóiam o quadro clínico da psicopatia socioinstitucional
(AZEVEDO, SALLES e MORAES, 2021).
O sujeito das observações e a metodologia empregada
Nicole, 42 anos, divorciada, filha de pais separados, constituiu uma
segunda família com um casal de filhos. Sem graduação universitária,
encontrou-se em exercício como diretora do setor de veículos novos, há dois
anos, em uma Empresa Concessionária de Veículos, na Cidade Sorocaba,
Estado de São Paulo, Brasil, onde trabalha há 15 anos. Destacava-se, segundo
seus pares, como pessoa muito ambiciosa às funções de dirigente.
Neste estudo, utilizou-se a pesquisa qualitativa, descritiva, exploratória
(RUDIO, 2009; MARCONI & LAKATOS, 2017), com observações não
participantes, por um período de um ano e meio, na frequência de uma a duas
vezes por semana. O observador foi um profissional de psicologia, contratado
temporariamente no Departamento de Recursos Humanos. As observações
foram ocasionais e ocorreram nos diversos ambientes corporativos: salão de
exposição, salas de reunião, eventos corporativos, auditórios, solenidades,
momentos recreativos etc.
Para o diagnóstico de psicopatia socioinstitucional, utilizou-se o critério
diagnóstico de AZEVEDO, SALLES e MORAES (2021). Outras descrições
clínicas surgiram, além das vigentes (DSM-V, 2013 e CID-10, 1993). A
metodologia, em seus aspectos mais abrangentes, encontra-se em AZEVEDO e
MORAES (2018) e AZEVEDO et al. (2020).
O observador guardou sigilo absoluto das identidades dos sujeitos e da
instituição, mantendo-as em anonimato e substituindo-as por nomes fictícios.
Não há conflito de interesse e nem houve fontes de financiamento.
Resultados
1. Quadro Clínico da Psicopatia Socioinstitucional
À Nayara, sua gerente de venda, Nicole, uma das diretoras da empresa,
não economizava expressões depreciativas injustificáveis (item 17,
Inadequações antiéticas maleficentes): focava-se nestas práticas,
invariavelmente quando esta gerente estivesse acompanhada de alguns ou
muitos dos seus próprios vendedores; tratava de seduzir essas pessoas com
elogios e expressões de apoio (item 2, Sedução), quando paralelamente, de
forma insistente, desvalorizava Nayara. Para Nicole, esta gerente nada fazia
corretamente e era sempre reduzida, com observações e críticas negativas sob
elevada assertividade perturbadora e mesmo assustadora. Esta diretora dava
preferência para desmerecê-la diante de outras pessoas, ao mesmo tempo em
que insistia em manipulá-las, em busca de apoio às suas ideias, admiração,
cumplicidade e respeito à sua condição de detentora do poder institucional
(item 4, Manipulação) – este quadro era seu modus operandi.
Em outro episódio, entre Nayara e seu vendedor, deu-se uma
divergência, ao tentar orientá-lo com modernas e pertinentes formas de
abordar uma determinada atribuição, para implicar em menos riscos
institucionais. Porém, o caso deste colaborador, que demonstrava muita
resistência à aceitação de orientações, foi levado pela gerente ao
conhecimento de Nicole. Para surpresa da gerente, Nicole provocou um
encontro presencial entre os três: deu total razão ao vendedor e ampla
reprovação às pretensões da gerente (item 6, "Falta de empatia"); tal vendedor
ainda recebeu numerosos elogios sedutores da diretora que, ampliando suas
ações sedutoras-manipuladoras, estabeleceu parcerias e objetivos comuns.
Institucionalmente, criou fake news de que Nayara costumava impedir este
vendedor de dar prosseguimento ao seu trabalho cotidiano.
Esta dirigente empreendeu na instituição uma série de conteúdos
difamatórios à imagem profissional da gerente Nayara, que até então era
possuidora de elevadíssimo prestígio entre seus pares e clientes: não raro,
recebia o título de "profissional melhor avaliada da instituição"; em geral, era
muito bem querida por todos, nos diferentes graus hierárquicos institucionais;
gozava de acentuada simpatia e influência; nunca expressava qualquer
intenção de galgar chefias superiores; transparecia possuir muita satisfação
com os limites de suas atribuições; seus liderados mostravam-se muito
satisfeitos com ela – as funções e desempenhos das atribuições ocorriam de
forma harmônica, sem intercorrências negativas. Nayara "brilhava" na
instituição.
Em mais outro episódio, dois vendedores de Nayara compareceram em
uma reunião com Nicole, solicitando ascensão em seus cargos. Pretensão
negada de imediato, porque não havia sustentação administrativa para tal
situação. Mas, Nicole foi bem mais além: recebeu-os, logo no início do
encontro, com a desconcertante e imprevisível expressão: "em que posso
prejudicá-los?". Comunicou-se desta forma, com acentuada disposição de
tentar demonstrar ser a melhor, a mais inteligente, uma profissional singular e
“a diretora” (item 1, Soberba).
Na vigência da reunião, esta diretora sistematicamente privilegiava
conduzir os assuntos com exemplos desmerecedores à Nayara: dizia que era
incompetente, para gerir as pessoas e atribuições do setor sob sua
responsabilidade e assim se expressou: "vou demiti-la"; e mais tarde
acrescentou um "melhor, não"; “resolverei isto de outra forma, intervindo
naquele seguimento institucional, diminuindo ou abolindo as influências
decisórias daquela gerente” (item 17, Maleficência antiética).
Nayara, de certa forma, ainda possuía incertezas acentuadas sobre as
avaliações da lealdade de Nicole referentes a ela, porque vez por outra Nicole
a chamava de "amigona", ou concluía as mensagens de aplicativo com a
expressão "beijão", ou em auditório, em solenidades com a presença de muitas
pessoas se referia, em tom de homenagem, sobre Nayara, da seguinte forma:
"vejam senhores e senhoras, aquela cidadãzinha sentada nesta mesa é a
nossa colaborada mais antiga: construiu o alicerce da nossa empresa!" (item 3,
Farsa). Em Nicole, seus erros e inadequações nunca foram
acompanhados por arrependimento ou culpa (item 7, Ausência de culpa) ou por
ela admitidos (item 8, Inaceitação das suas inadequações).
Nos finais dos cursos de treinamento da instituição, Nicole
invariavelmente ocupava a função de palestrante – “a palestra de despedida".
Destacava-se o seu talento (item 9, Talento diferenciado), como exímia
condutora do evento, chamando muito atenção para o sucesso que obtinha
com suas frases humoradas. Todos riam, porque se evidenciava a elevada
plasticidade da expositora para a comédia.
Esta diretora não poupava esforços em relação aos seus clientes (item
10, Abnegação): criava diversos programas institucionais relevantes, para
reuni-los, divulgar a importância institucional e mostrar-se superiora aos seus
pares. Nesses programas, ligados aos propósitos e aos valores institucionais,
alguns conteúdos eram até mais pertinentes às esferas funcionais de outros
profissionais, mas Nicole chamava para si tais responsabilidades (“interferência
abusiva”). Desdobra-se em várias atividades, além daquelas diretamente a ela
relacionadas (item 10, Abnegação). Alguns pares já entendiam que ela
buscava persistentemente aprovações e indicações para exercer tarefas
superiores: levantava, defendia e propagava "a bandeira institucional",
aparentemente, como mais ninguém (item 11, Camaleonismo).
Muito destemida, fazia a convergência das expectativas dos clientes
encontrar segurança em suas ideias oportunas (item 4, Manipulação) e
solucionáticas (item 12, Messias): nisto ninguém lhe era parecido. Surgia como
uma salvadora da pátria, diante das imperfeições e desafios institucionais. Com
seus colaboradores subalternos, persistentemente procurava convencê-los
com suas expressões de ser a melhor, mais capacitada e mais intrépida (item
1, Soberba). Não raro, depreciava acentuadamente as atribuições e
competências de outras direções (“depreciações persistentes”): procurava ser o
centro do poder institucional (item 15, Poder). No entanto, mostrava-se
indiferente a uma realidade que lhe desmerecia: não possuía os requisitos
necessários ao desempenho das suas atribuições, como diretora (item 16,
Discrepância funcional). Estas melhores condições existiam em alguns dos
seus pares, mas Nicole ultrapassou-os, atropelou-os (item 17, Inadequações
antiéticas maleficentes).
Sua insensibilidade afetivo-emocional mostrou-se evidente:
– Quando um colaborador lhe solicitou um abono de falta ao serviço, por ter
comparecido no sepultamento de um colega de trabalho: tal solicitação foi
negada, com desprezo injustificável (item 5, Afetos superficiais);
– "Ela senta-se no chão", referindo-se a uma diretora que estaria por chegar em
sua sala, onde não havia cadeiras para todos, e alguém perguntou: onde a Dra.
Helena, quando chegar à reunião, irá sentar-se?
– Ao final de uma reunião com Nayara e outro colaborador, na despedida,
anuncia com ironia e prazer incontidos: "Você (dirigindo-se à Nayara) terá no
próximo feriado prolongado de fim de semana esta tarefa desafiadora, para
concluí-la e me apresentar na próxima segunda".
Tal diretora, em sua trajetória institucional, tinha por hábito aproximar-se
das pessoas de cargos mais elevados. Obtinha delas apoios, simpatias
crescentes e favores (item 13, Parasitismo), que alicerçavam seu crescimento
corporativo (item 14, Alpinismo institucional).
Nicole, enquanto colaboradora desta corporação, desde sempre, e a
cerca de duas décadas, vem em crescimento institucional. Há muito
ambicionava esta sua atual posição. Tentou sucessivas vezes alcançá-la,
conseguindo há cerca de dois anos. Apresenta algo compulsivo para galgar
cargos diretivos, embora algumas frustrações já lhe ocorreram, como a não
obtenção da presidência do Conselho de Diretores da empresa.
Em seu cotidiano, Nicole, em relação aos demais colaboradores,
predominantemente mostra-se brincalhona e interage habilmente com
diferentes setores (item 11, Camaleonismo); assimila e estabelece perfeita
conexão, associada à elevada expertise com os valores institucionais positivos
e negativos. É muito presente e participativa nos diversos eventos
empresariais, com frequência em funções de liderança, com acentuada e
indisfarçável avidez. Destas diferentes e contínuas convivências, sempre em
busca de algum proveito ou vantagem (item 13, Parasitismo). O poder e esses
exercícios de liderança lhe exercem um incontrolável fascínio (item 15, Poder).
Sua imaturidade existencial, no entanto, limita-a as ações acentuadamente
autocráticas, não raro tirânicas; disto em momento algum nunca exibiu
resposta de arrependimento (item 7, Ausência de culpa).
2. Maquiavelismo
Para ampliar suas ações depreciativas sobre Nayara, Nicole agia
maquiavelicamente, sempre que encontrava ou mesmo criava oportunidades
para isto: seduziu e manipulou uma das colaboradoras desta gerente,
incentivando-a para não acatar as orientações ou decisões desta chefia, sob
sua garantia de proteção; criou fake news, difundindo a ideia que Nayara era
contrária ao tipo de trabalho desenvolvido por esta colaboradora.
Em outra ocasião, durante uma reunião, com as presenças desta
diretora, Nayara e um colaborador de Nayara, de forma persistente, Nicole
elogia o desempenho deste colaborador e desfaz o trabalho da sua chefa.
Enaltece, astuciosamente, com falsa admiração, a ponto de transparecer que
este colaborador de Nayara possuía mais méritos que ela e que poderia, se
necessário, indicá-lo em futuro como substituto a esta chefia. Estabeleceu com
este colaborador uma parceria, para juntos diminuírem ou anularem
a autonomia de Nayara; a desvalorização de Nayara era contínua e
ardilosamente trabalhada para atingir o conhecimento de todo restante dos
colaboradores da instituição.
Esta diretora, em reunião com Nayara e toda sua equipe de
colaboradores, tendo o objetivo aparente ou o pretexto de ter conhecimento
das cargas horárias de todos, claramente tentava transparecer que o
desempenho desta gerente era muito insuficiente – ideia que deveria ser
entendida, aceita e apoiada.
3. Outras características e traço psicopatológico que podem apoiar o
diagnóstico de psicopatia socioinstitucional
a. Serial Killer corporativa
Nicole chegou à empresa como vendedora, e logo evoluiu para a
gerência de vendas. Mobilizado por excessiva ambição pelo poder
institucional, em sua ascendência hierárquica produziu sucessivos estragos
nos recursos humanos: destruiu funções importantes e competentes – ações
predadoras frias e sem limites, segundo os episódios a seguir:
1. A gerência existente neste setor, que a acolheu inicialmente, transferiu-se
para outra empresa, por sucessivos descontentamentos: a imagem
institucional deste gerente desgastava-se de forma contínua. No processo de
desvalorização deste profissional, Nicole, enquanto vendedora desempenhou
um papel central: propagava falsas notícias; colocava em confrontos
ideológicos institucionais tal chefia com o CEO da empresa;
2. Na escala de sucessão para ocupar a gerência deixada vaga, Nicole fez-
se mais merecedora ao CEO, que o colega priorizável ao cargo, muito mais
experiente, antigo na instituição – profissional que generosamente havia lhe
ensinado com muita dedicação os principais fundamentos do serviço. Este
funcionário preterido deixou a instituição e passou a ocupar-se em outra
empresa;
3. Havia um setor, situado ao lado do setor de Nicole, cujo responsável tornou-
se incompatibilizado com o CEO da empresa, por influência de Nicole,
porque não havia beneficiado um determinado colaborador, parente dele. Não
tardou para que este gerente fosse demitido. Resultou que, Nicole incorporou a
área deste setor à sua, ganhando maior espacialidade física na instituição – um
expansionismo geográfico institucional;
4. Situação semelhante aconteceu com um outro setor vizinho: neste caso,
todo setor mudou-se para um outro andar, com insuficientes condições
funcionais. Mais uma vez, Nicole amplia a sua área física institucional, sobre
sua gerência;
5. Anteriormente, existia um colaborador que acumulava com desempenho
satisfatório duas direções: diretor desta Concessionária e também de outra, do
mesmo grupo de vendas de veículos. Nicole denunciava ao CEO da empresa
que, este colaborador deixava esta unidade faltosa de assistência em vários
aspectos, era um diretor ausente, em situações que a sua presença se fazia
muito necessária. As queixas reiteradas de Nicole fizeram com que o CEO
demitisse este colaborador e colocou-a nesta direção, em exercício até o
momento;
6. É o caso descrito no presente trabalho – Nayara, sob acentuado assédio
moral (item 17, Inadequação delitiva). Esta colaboradora desde sempre era
vista em elevadíssimo destaque na empresa, acumulando contínuos valores
positivos, como competência técnica, humanismo e dignidade.
b. Interferência abusiva
De forma frequente e persistente, Nicole não demonstrava limites para
interferir em setores institucionais, com depreciações às chefias vigentes.
Ações alheias aos valores éticos e legais: "era a chefe", "mandava", segundo
as ações abaixo:
1. A chefia de uma gerência, embora escolhida por ela própria, tinha suas
decisões desfeitas arbitrariamente por Nicole – como uma autoridade livre e
absolutamente soberana. A soberba (item 1, Soberba) era plena, momentos de
expressões narcísicas maiores;
2. "Sou eu quem manda", "ela não manda nada": assim se referiu sobre uma
diretora, com hierarquia institucional superior a dela: "tudo tem que passar por
mim, e só!";
3. "Irei interferir no seu setor", expressão utilizada por outra gerente, dirigida à
Nayara; tal decisão fora decidida e orientada por Nicole;
4. Assim que assumiu o cargo de diretora, Nicole, de imediato deu férias
involuntárias a um colaborador de outro setor e a seguir deixou-o em
disponibilidade, para qualquer outro segmento institucional. Este funcionário
nunca conseguiu saber as razões que a levou a esta prática, mas sentiu-se
muito surpreso, inseguro, prejudicado e passou a sofrer de ansiedade e
depressão – mais uma maleficência, manifestação sádica desta diretora.
Discussão
No quadro clínico de psicopatia socioinstitucional (AZEVEDO et. al.
2021), em seus 17 itens, Nicole respondeu positivamente a todos. A divulgação
de fake news lhe foi marcante, compreensível pelo tanto que na existência
psicopática, mais do que em outros transtornos de personalidade, a mentira, a
farsa (simulações e dissimulações), o Camaleonismo (mimetismos), a soberba,
a sedução, a manipulação, a loquacidade, entre outros são elementos
facilitadores e sustentadores do desempenho dessas práticas.
A depreciação persistente, Azevedo (2022), em uma de suas formas de
apresentação, possui uma sutileza como característica: a maleficência
antiética, ou falta de empatia maleficente, encontrada no psicopata, ainda que
não exclusivamente. Neste caso de psicopatia socioinstitucional, a depreciação
humilhante esteve associada ao assédio moral, tipo vertical, da chefia para
chefiado (HELOANI e BARRETO, 2018), uma inadequação delitiva (item 17,
inadequações antiéticas ou delitivas).
É em referência ao seu universo de maleficências e insensibilidades
afetivas emocionais que Nicole também tem distinção. Desde seus afetos
superficiais (item 5), relativos às suas relações interpessoais, com destaque
aos subalternos e àqueles que representam suas vítimas: pessoas já listadas
por ele para serem destruídas. Presentes com frequência, como extensão e
maior gravidade são as suas faltas de empatia maleficentes (item 6), em um
espectro de gravidade singular, atingindo níveis elevados de crueldade,
sadismo ou perversão.
Diante da sequência de predações das trajetórias de vários pares
institucionais, Nicole inclui-se em uma espécie de "serial killer corporativa":
compulsão sem freios para a destruição fria e cruel da carreira dos
profissionais, avaliados e escolhidos por ela, para serem eliminados e permitir
o desimpedimento e crescimento da sua excessiva ambição por ascensão
institucional, em direção ao controle do poder.
Como psicopata serial killer corporativa suas numerosas condutas sádicas
foram marcantes, de acordo e como previsto em MORANA (2006) e STONE
(2001), em 97% dos serial killers ocorre esta associação.
Em Nicole, o contexto hilariante criado por ela também revelava o seu
elevado potencial de manipulação: as pessoas passavam a rir e atendiam ao
seu propósito de ser aceita, admirada, para em futuro ser também apoiada
e escolhida. Sim, com frequência recebia, paradoxalmente, homenagens
especiais, um destaque institucional.
Nicole não se mostrou nenhum pouco incomodada com sua situação de
inferioridade, por não possuir as condições exigidas, para o desempenho do
exercício do cargo de direção. Parecia mesmo como um estado de afetos
superficiais autorreferentes, expressão da dominância da sua posição
existencial e institucional soberbas. Quando abordada por sua insuficiente
titulação, suas reações nunca foram expressões de culpabilidade (item 7,
Ausência de culpa) ou aceitação de irregularidade (item 8, Inaceitação das
suas inadequações).
Uma das consequências institucionais desta psicopata no trabalho é o
rastro de destruição, inevitavelmente, resultante da sua trajetória ascendente,
seu alpinismo em direção aos privilégios do poder, um prazer especial
marcante em sua existência. Não raro, pode acontecer que, antecedendo esta
fase predatória, exista uma fase "harmônica", de efeitos dominantemente pró-
sociais: valores logo utilizados outra vez como sedutores, que
retroalimentavam uma nova escalada com mais acúmulos de ganhos
institucionais, que potencializavam e acentuavam o poder, ambição sempre em
crescimento e necessitada de satisfação.
Findo o primeiro ciclo para obtenção do poder, com muita frequência,
identifica-se nas predações as maleficências incluídas nas inadequações
antiéticas ou delitivas, seguidas pelas ausências de culpa e inaceitação das
suas inadequações. O poder retroalimenta um novo ciclo, para ampliar o poder
já existente, que estimula outra vez a sedução e dá origem ao segundo e
demais ciclos de trajetórias ao poder crescente. A retroalimentação do poder
pode ter origem tanto nas ações pró-sociais quanto nas antissociais, as
inadequações. Esta psicopata, quando investiu em novos ganhos pela
sedução, o fez com ambas as práticas, sem diferenciá-las: paradoxalmente,
para ela, a maleficência é uma vitória, um reforço egoico-narcísico, com
prazeres em diferentes intensidades.
No modus operandi psicopático nas instituições, há um destaque muito
importante para o expressivo papel da sedução, de elevada plasticidade. Não
se trata de uma sedução limitada, frequentemente encontrada na pessoa
histriônica (RAMOS, 2008), que prioriza sempre o protagonismo em suas
exibições, mas de uma elevada plasticidade sedutora, sustentada pelos seus
diversos talentos psicopáticos, muitas vezes inimitáveis.
Quanto maior foi o poder psicopático de Nicole mais ocorriam desprezo
ou depreciação ao outro. Paradoxalmente, este outro, quando sob olhar
psicótico, foi entendido como objeto de perseguição. Neste lugar de
distanciamento da realidade, este outro, segundo Nicole, deveria ser destruído,
para não mais ameaçar a sua imagem narcísica.
A sedução psicopática também é alimentada por outros traços
psicopatológicos: a soberba, a farsa, o afeto superficial, a falta de empatia, o
talento diferenciado, a abnegação, o camaleonismo e o messias. Estes
diferentes traços, em diferentes circunstâncias, combinações e intensidades,
facilitam ou acentuam as funções da sedução ou loquacidade.
Maquiavelismo (PHILLIPS, 2010; LUSTOSAet. al., 2004): aquilo que é
voltado à astúcia, ardil, conduta desleal, manipulação e à justificativa insensata
para obtenção de objetivos, frequentemente inadequados; inclui-se nas
personalidades narcísicas e psicopáticas. Em Nicole, o maquiavelismo foi
expressivo, persistente e muito implicado ou em destaque na sua
personalidade psicopática, para os itens fake news, depreciações persistentes,
serial killer e intervenções abusivas.
As interferências arbitrárias, abusivas, assediantes ou destruidoras
(intervenções abusivas e serial killer) ocorriam a favor da defesa narcísica de
Nicole, sua soberba ou necessidade de se posicionar como melhor, ou a mais
importante.
Ações dominantes e acentuadamente indevidas, grosseiras ou
agressivas, invasibilidade, inveja descometida (KLEIN, 1984) ou necessidade
de incorporação são alguns elementos que costumam ter origem na natureza
psicótica e sustentam a personalidade psicopática. A pessoa assediada é
inferiorizada, podendo se desestabilizar diante de outros. Vivência, quando
exposta às situações estressantes e contínuas, sofrimentos com danos
emocionais e psicossomáticos, consequentes aos constrangimentos ou
ameaças. O assédio é uma violência recorrente, intencional e prolongada, com
objetivo de prejudicar outra pessoa: uma ação sádica, por resultar em prazer
no assediador. Configura danos morais: ato ilícito, lesivo à honra e boa fama.
A natureza psicopática, não raro, inclui elementos do campo da psicose:
provavelmente um objeto sentido como perseguidor que tem que ser anulado,
em defesa do seu narcisismo patológico acentuado. Prestando, ao mesmo
tempo, um reforço ou acentuação da sua necessidade de controle do poder
institucional: objetivo psicopático essencial.
Intervenções no contexto corporativo constitui-se por práticas de
estabelecer regulação, controle de outros ou de setores. Enquanto abusiva,
implica em atingir a autonomia alheia: diminuir, atenuar, anular ou extingui-la.
As intervenções sistemáticas quando abusivas ou assediantes são patológicas.
Mostram-se alheias aos limites das normas estabelecidas e à ética: trata-se de
um traço psicopatológico relativo à maleficência antiética ou delitiva. Não são
intervenções pertinentes, mas sim acompanham-se de características
abusivas, inadequadas ou insensatas. O interventor, nestas circunstâncias, é
regido pelo narcisismo exacerbado, para reafirmar a sua vivência de poder
controlador, repressor ou mesmo sádico.
Não raro, como prática psicopática, Nicole mimetizava, simulava
obediência aos melhores princípios relativos ao desenvolvimento institucional.
No entanto nada estava associado a estes valores, e sim, tão somente, à
mercê do seu sadismo.
A intervenção abusiva psicopática é distanciada da realidade, mostra-se
compreendida tão somente pelo próprio interventor – as demais pessoas sabem
o quanto ela se mostra descabida.
Conclusões, segundo este relato de caso sobre Nicole:
– compara-se a uma espécie de "serial killer corporativa": uma compulsão para a
destruição fria e cruel daqueles avaliados por ela como potencialmente
ameaçadores à sua ambição alpinista ao poder ;
– estabeleceu-se a estreita relação entre a psicopatia em serial killer corporativa
e suas condutas sádicas;
– a presença e atuação da serial killer corporativa estiveram associadas às
diminuições de profissionais competentes e do nível competitivo da empresa;
– a intervenção abusiva é vitimizadora e avizinha-se de outras duas ações
abusivas: a sexual e a moral;
– o poder psicopático vê-se fortalecido a cada intervenção abusiva;
– a intervenção abusiva pode-se constituir como um traço psicopatológico,
relativo às maleficências antiéticas ou delitivas.
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