Fevereiro de 2023 – Vol. 28 – Nº 2

SÉRGIO TELLES

1) A Sociedade Italiana de Psicanálise manifesta sua grande preocupação com o uso dos
bloqueadores da puberdade, administrados a adolescentes com disforia de gênero. É
uma atitude corajosa, que não se submete à pressão cultural que censura toda e
qualquer questionamento sobre as intervenções médicas em adolescentes que se
dizem com problemas de identidade de gênero.
Italian Psychoanalytic Society expresses ‘great concern’ over use of puberty blockers |
Catholic News Agency

2) Roudinesco responde a questões ligadas às políticas de identidade, seus equívocos e
excessos a serem combatidos.
https://nyznews.com/2023/01/06/elisabeth-roudinesco-historian-biological-sex-
exists-it-does-not-correspond-to-choice/

3) Interessante artigo sobre um paciente cineasta (Jonah Hill) que fez um documentário
com (ou sobre) seu terapeuta (Phil Stutz), tratando do próprio processo terapêutico e
das ideias teóricas de seu terapeuta. Se, por um lado, o filme colabora para
desmitificar um procedimento que – em função da confidencialidade – sempre fica
cercado de mistérios, ao mesmo tempo, levantam-se várias questões – a mais
importante do fato de ordem ética. O terapeuta é autor de um livro a ser vendido em
que apresenta como suas ideias há muito estabelecidas no campo. Além do mais,
apresenta tais ideias como “instrumentos” para consertar as pessoas, o que reforça
um equívoco a ser evitado – reforça a dimensão pragmática e consumista, a terapia é
vista como algo que se compra, um item de consumo que deve satisfazer o
consumidor. Apesar de tudo, o resenhista acha que o saldo é positivo e útil para a
divulgação da terapia.

https://blog.stillpoint.org/stutz-a-public-psychotherapy/

4) Um indício de que a psicanálise pode estar voltando ao lugar que ocupou por décadas
no mundo intelectual e “psi” nos Estados Unidos é o lançamento da nova revista
“Parapraxis”, que trata de uma psicanalise “voltada para os novos tempos” – ou seja,
com uma visão critica de eventuais pontos cegos como as questões de classe, raça e

gênero, além do interesse sobre a realidade sociocultural e a forma como ela influi no
psiquismo.
An Evening With Parapraxis, a New Glossy Mag for the New Psychoanalysis Crowd

5) Estudo mostra elo existente o uso extensivo das redes sociais por adolescentes e o
fato de eles se autodiagnosticam (Síndrome de Tourette, transtornos obsessivos,
distúrbios alimentares, questões de gênero). É grande a casuística em países como
Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Canada e Australia e estudos mais
aprofundados são necessários para coibir tal comportamento.
https://www.theguardian.com/australia-news/2023/jan/09/urgent-need-to-
understand-link-between-teens-self-diagnosing-disorders-and-social-media-use-
experts-say

6) Zizek discorre sobre a felicidade e mostra o equívoco de equipará-la com a realização
de desejos. A felicidade, diz ele, não é algo que se alcança de forma definitiva e
permanente, e sim uma construção em permanente andamento.
Slavoj Žižek: Why be happy when you can be interesting? – Big Think

7) “Mutzenbacher”, documentário de Ruth Beckermann, famosa cineasta alemã, baseia-
se no livro pornográfico do começo do século XX, cuja autoria é atribuída a Arthur
Schnitzler (tido com alter ego literário de Freud) ou a Felix Salten, autor de “Bambi”,
posteriormente filmado por Walt Disney. O livro conta as memórias de uma prostituta,
que ingressa na vida sexual muito precocemente, aos 5 anos e que no final da vida
teria fornicado com 33.000 homens! O documentário consiste de mais de uma
centena de homens lendo trechos do livro e respondendo a perguntas, em off, que lhe
são feitas a respeito do que leram. Disso teria resultado uma curiosa mostra
panorâmica da sexualidade masculina.

The Talking Cure: On Ruth Beckermann’s “Mutzenbacher” (lareviewofbooks.org)

8) “Still Picures”, obra póstuma de Janet Malcolm é uma espécie de memória ou
autobiografia, escrita a partir de fotos tirados em diferentes momentos de sua vida.
Falecida aos 86 anos em 2021, Malcolm ficou famosa como jornalista do “The New
Yorker” e por seus livros, dos quais o mais conhecido e elogiado é “Nos arquivos de
Freud”.
Janet Malcolm's posthumous not-quite-memoir, 'Still Pictures' – The Washington Post

9) Com seu livro “O que sobra” (em inglês “Spare”), Principe Harry tem provocado muita
polêmica não só na Inglaterra. Uma delas decorre das recorrentes menções elogiosas
que Harry faz a seus psicoterapeutas. Semana passada, sua cunhada Kate, mulher do
Príncipe William, ao fazer uma visita a uma instituição de saúde mental, disse que
“psicoterapia não serve para todos”, o que foi entendido como uma resposta a Harry.
Interessante ressaltar que a terapia elogiada por Harry é a EMDR (Eye Movement
Desensitization Reprocessing), não muito conhecida entre nós, que prescreve
exercícios de movimentos oculares e respiratórios como forma de minorar o
sofrimento de traumas psíquicos.
Kate raises eyebrows as she says 'talking therapies don't work for everyone' during
hospital visit | Daily Mail Online

10) “Jacques Lacan, o oráculo da impostura”, artigo de Vinny Oliveira Carvalho de Melo,
como o nome anuncia, é um forte ataque aos aspectos dogmáticos e centralizadores
do psicanalista francês, reforçados por seu discurso hermético que facilitava a
mistificação e idealização em torno de seu nome, transformando seus seguidores em
fieis de uma seita. Critica também o monopólio teórico que a família de Lacan na
figura de Jacques Alan Miller pretende exercer sobre sua obra e cita Maria Pierrakos (a
estenógrafa de Lacan), François Roustang e Noam Chomsky entre outros autores para
reforçar suas argumentações. É interessante que o autor não mencione os embates de
Elizabeth Roudinesco com a família Lacan, especialmente no que se refere ao ritos
fúnebres do mestre da Rue Lille, bem como aquilo que ela chama de “eliminação de
arquivo” em torno de Lacan.
Jacques Lacan, o oráculo da impostura | Questão de Ciência
(revistaquestaodeciencia.com.br)

 

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