Outubro de 2024 – Vol. 29 – Nº 10

Sérgio Telles

1) “O que o computador não pode fazer” é um excelente artigo em que Eli Zaretski rebate a
afirmação feita por Yuval Harari de que “não há nada que a inteligência artificial não possa fazer”.
Para Zaretski há, sim, algo que o computador jamais poderá fazer: a associação livre descoberta
por Freud e instrumento maior da psicanálise. A lógica dos algoritmos não saberá jamais fazer
uma associação livre. No desdobrar de sua argumentação, Zaretski faz uma firme defesa da psicanálise contra os ataques injustos realizados por parte dos pensadores ditos “pós-
freudianos”, mostrando como eles distorceram o pensamento do mestre de Viena. Diz ele: O triunfo de nossa maneira contemporânea “pós-freudiana” de pensar sobre a mente exigiu a
mobilização coletiva de vastas fantasias, alimentadas por emoções promovidas pelos
movimentos sociais da década de 1970. Essas fantasias mostram a psicanálise como um
movimento que escondia o abuso sexual infantil (levando a uma onda de falsas acusações de
trabalhadores de creches) e como uma prática contrária ao feminismo, propagando a ideias de
que as mulheres eram inferiores. Embora haja alguns grãos de verdade nessas acusações, as
verdades muito maiores do inconsciente e a universalidade da homossexualidade e da
bissexualidade foram suprimidas. O behaviorismo dos movimentos sociais da década de 1970 se
refletiu na insistência de que a mente era produto da sociedade”. A argumentação de Zaretski é
interessante por colocar tais ataques à psicanálise como o produto datado de um momento
histórico, que como tal, caducará.

Eli Zaretsky | What Computers Can’t Do (lrb.co.uk)

2) As grandes polêmicas atuais em torno da psicanálise giram em torno da questão de sua
cientificidade e das ditas “questões de gênero”, fórmula pela qual foram rebatizada as antigas
“consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos”. Como sabemos desde Freud,
a mais importante delas é a criação das teorias sexuais infantis, que perduram para sempre no
inconsciente de todos, fato – a meu ver – não bem compreendido por uma parte do feminismo e
da teoria “queer”, onde milita Paul Preciado. Este pensador espanhol criou para si um nicho no
universo midiático, de onde difunde regularmente seus ataques à psicanálise. Enquanto Preciado
afirma que a psicanálise é a perniciosa invenção do colonizador branco, machista e patriarcal a
ser combatida, a própria psicanálise pensa (como vimos acima) que é a persistência das teorias
sexuais infantis no inconsciente de todos nós a responsável pelo machismo e o patriarcalismo, e
que, como tal, devem ser analisadas, desvendando seu caráter fantasmático infantil. É verdade
que a psicanálise não está acima da crítica e deve ser corrigida sempre que incida em erro.
Freud fez, sim, algumas afirmações sobre as mulheres que não mais se sustentam e devem ser
revisadas, sem que sua imensa obra fique invalidada. Nela, como em qualquer produção
científica, deve-se localizar o que é datado e deve ser descartado e o que é valioso e deve ser
não só preservado mas desenvolvido, sem nos deixarmos fascinar de forma acrítica por
novidades e modismos. Não se deve confundir o “novo” com o “bom” ou o “correto”. Esse
sofisma é uma decorrência da ideologia do consumo: tudo que é “velho” não presta e deve ser
descartado, dando lugar para o “novo”, que logo ficará obsoleto e trocado por outro ainda “mais
novo”. Não devemos curvar-nos a essa imposição do consumo. Essas considerações não se
atêm ao texto sobre o “dildo” como objeto “anti-fálico”, e sim a questões mais genéricas
decorrentes do embate trazido pela teoria queer e outros “pensadores pós-freudianos”, como diz
Zaretski (vide acima). Retomando a provocação específica de Preciado nesse artigo, não
poderíamos pensar que o dildo, ao contrário de ser o objeto “anti-fálico” que ele propõe, na
verdade é o que sempre foi – o objeto fálico por excelência, de uso milenar em todas as culturas,
a essência clássica do fetiche ?

Seria o dildo um objeto anti-fálico? – Outras Palavras

3) Em outubro, o Museu Freud em Londres abre a exposição “Women & Freud: Pacients, Pioneers,
Artists”, na qual é enfatizada a presença e a importância das mulheres para Freud enquanto
pessoa e para o movimento psicanalítico. Artistas de renome participam da mostra. De uns
tempos para cá, a partir de uma leitura simplista e errônea da “inveja do pênis”, cristalizou-se a
imagem de um Freud patriarcal que desprezava as mulheres. A exposição, que tem como uma
das curadoras a escritora Lisa Apignanesi, autora de “Freud ́s Women”, talvez mostre uma outra
realidade, mais complexa e nuançada.

‘A driving force’: show at London’s Freud Museum to celebrate the women central to
psychoanalyst’s world (theartnewspaper.com)

Freud’s Love Letters Featured in New Exhibition About the Women in His Life
(finebooksmagazine.com)

4) Uma nova onda atrai a chamada geração Z – colocar nas redes sociais fragmentos de suas
sessões de psicoterapia. São os próprios pacientes que editam e fazem as postagens, muitas
vezes com o conhecimento e anuência de seus terapeutas. A prática traz vários problemas,
especialmente os ligados à confidencialidade e à exposição de profissionais. Comportamento
impensável no início da psicanálise, quando a ida a um consultório de analista era cercada de
segredo e vergonhas, ele mostra o quanto a cultura e a sociedade absorveram os procedimentos
psicoterapêuticos, dos quais a psicanálise é a indubitável mãe. A mania de publicar fragmentos
de uma sessão tem o mérito de tornar a análise mais transparente, despindo-a da equivocada e
prejudicial aura de mistério alimentada por alguns. Mas talvez incorra noutro erro: a criação de
uma imagem superficial e banal das terapias.

Luz, câmera, divã: a polêmica tendência de postar… | VEJA (abril.com.br)

5) Publicada na respeitada revista digital MAD IN AMERICA, notícia repercute artigo publicado no
“The British Journal of Psychiatry” afirmando que “indivíduos que sofreram traumas na infância e
sofrem de depressão crônica apresentam maior melhora com a terapia psicanalítica de longo
prazo (PAT) em comparação com a terapia cognitivo-comportamental (TCC). As descobertas
lançam uma nova luz sobre o tratamento da depressão em sobreviventes de trauma, desafiando
o domínio predominante da TCC como padrão-ouro das terapias”.

Psychoanalytic Therapy Beats CBT for Trauma-Linked Depression (madinamerica.com)

6) Psicanalista de Oslo lança livro “Formative Media – Psychoanalysis and Digital Media Platfoms”,
em que mostra como Facebook, Instagram, Google, YouTube e Twitter/X ressaltam diferentes
aspectos da personalidade de seus usuários.

These Personality Traits Are Nourished By Social Media | Mirage News

7) “Certa ocasião, John Lennon disse que sua canção “Strawberry Fields Forever” é “psicanálise
transformada em música”, diz o artigo. De fato, estão condensadas nas lembranças do jardim
descuidado de uma casa do Exército da Salvação próximo de sua residência, aspectos da
infância traumática de John Lennon, cheia de abandonos e incertezas, sofrimentos que
conseguiu transformar em arte, como fazem tantos artistas.

Psychoanalysis of The Beatles song ‘Strawberry Fields Forever’ (faroutmagazine.co.uk)

8) Nova série da Netflix – “MONSTROS – Irmãos Menendez: assassinos dos pais” apresenta um
crime cometido na California em 1989 e julgado em 1993, que polarizou a opinião publica nos
Estados Unidos, motivando artigos, filmes, documentários. Aqui o autor do texto se interroga
quem seria o “monstro” nesse acontecimento – os filhos, os pais, a sociedade?

Quem são os ‘monstros’ em ‘Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais’? – Estadão

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