Agosto de 2022 – Vol. 27 – Nº 8
Gustavo Ivankovic Gomes * , Vinicius Scoparo Alberto** , Prof. Dra. Márcia Gonçalves***
INTRODUÇÃO
Hoje as doenças psiquiátricas são extremamente presentes em toda a sociedade e, dentre elas, as mais comuns são os transtornos de ansiedade e humor. Devido sua alta prevalência, desde as unidades de Atenção Primária à Saúde até os ambulatórios, os psicotrópicos mais prescritos são os Benzodiazepínicos (BZDs) [1]. Sendo eles utilizados como hipnóticos, indutores do sono, ansiolíticos, anticonvulsivantes, coadjuvantes anestésicos ou relaxantes musculares [2].
Este medicamento foi criado em meados dos anos 1950 pelo Dr. Leo H. Sternbach em Nutley, New Jersey, EUA. O medicamento em questão foi descoberto acidentalmente e se chamava Clordiazepóxido [3]. Inicialmente foi testado como antipsicótico, porém sem sucesso. Observou-se então seu poderoso potencial contra a ansiedade e, assim, em 1960 foi lançado no mercado como medicamento ansiolítico [4]. O nome Benzodiazepínico é advindo de sua estrutura molecular, a qual possui uma fusão de um anel benzeno com 1,4- diazepina. [5].
Desde então, seu uso vem sido progressivo e exponencial graças a seu rápido início de ação e segurança [6]. Assim, tornou-se um dos medicamentos mais utilizados pela psiquiatria e especialidades médicas em geral para tratamentos de quadros ansiolíticos e, principalmente, da insônia [2].
MECANISMO DE AÇÃO
Os Benzodiazepínicos atuam na estimulação dos mecanismos cerebrais relacionados ao equilíbrio dos estados de tensão e ansiedade. Seu mecanismo como ansiolítico está relacionado ao sistema de neurotransmissores gabaérgicos do sistema límbico [5]. O GABA (ácido γ-aminobutírico) é o principal neurotransmissor inibitório do cérebro, que normalmente desempenha um papel regulador importante na redução da atividade de numerosos neurônios[7]. Ou seja, o ácido gama-amino butírico possui a funcionalidade de atenuar as reações serotoninérgicas, as quais são responsáveis pela ansiedade [8]. Já o sistema límbico pode ser considerado o “sistema das emoções”, o qual aloca os diferentes circuitos e conexões neuronais relacionados às emoções [9]. Assim, os benzodiazepínicos agem como agonistas dos receptores do neurotransmissores gabaminérgicos e reduzem a atividade cerebral [7]. Sua atuação pode se caracterizar por diminuição da ansiedade, indução do sono, relaxamento muscular, redução do estado de alerta e aumento do limiar de convulsão [6].
Entretanto, o aumento na prescrição de benzodiazepínicos têm sido exponencial e, atrelado a este fenômeno, surge uma grande problemática: a dependência dos usuários em relação aos Benzodiazepínicos [1].
A dependência química é caracterizada pelo agrupamento de sintomas psicofisiológicos, os quais indicam que o indivíduo continua a fazer uso da substância em questão apesar dos danos significativos relacionados a ela [10]. Há um padrão de uso repetido que resulta em tolerância, abstinência e comportamento compulsivo de consumo de droga, com impulso irrefreável para consumi-la (dependência psicológica).
A dependência deve ser acompanhada de abstinência (física e psicológica), e o uso diário da substância não necessariamente é critério para seu diagnóstico [11].
Assim, uma parcela populacional considerável que faz uso crônico de Benzodiazepínicos é a idosa [2] (todo e qualquer indivíduo acima de 60 anos [12]).
Este grande número se dá por conta de que muitos destes possuem insônia, devido ao aumento da ansiedade e estresse, sintomas mais presentes nesta faixa etária [13].
Acreditamos que existe a necessidade de se avaliar a existência ou não de dependência de benzodiazepínicos na população idosa e se esta é a usuária mais frequente destes medicamentos como descrito Moreira e Borja (2018) e outros trabalhos da literatura.
OBJETIVO
Avaliar o uso e possível dependência de benzodiazepínicos em idosos, a partir de uma investigação bibliográfica dos principais estudos dentro da literatura científica sobre o assunto.
MÉTODOS
Este trabalho parte de uma revisão bibliográfica. A análise de literatura segundo GIL (2008) é desenvolvida com base em materiais já elaborados e é constituída principalmente de livros e artigos científicos.
Para a realização deste trabalho foram utilizados livros de Psicofarmacologia, Psiquiatria e Geriatria. Além disso, foram feitas pesquisas de artigos científicos nas bases de dados PubMed, Scientific Eletronic Library Online (SciELO), Latin American and Caribbean Center on Hellth Sciences Literature (LILACS) e Google Acadêmico utilizando os descritores “benzodiazepínicos”, “idosos”, “dependência”, “dependência química”, “abstinência’, “abuso” e “uso crônico”.
Foram utilizados como critérios de inclusão a data de publicação (a partir de 2016) e o foco na relação da população idosa com os benzodiazepínicos. Assim, a busca inicial resultou em 21 artigos (3 PubMed, 9 SciELO, 1 LILACS e 8 Google Acadêmico,) dos quais, depois de aplicados os critérios de inclusão e exclusão de duplicatas, sobraram 11 artigos sobre a dependência de Benzodiazepínicos por idosos.
Após levantadas as referências, procedeu-se a análise, síntese e fichamento dos trabalhos avaliados.
DISCUSSÃO
Os Benzodiazepínicos são hoje a 3° droga mais prescrita no Brasil. O número de usuários do medicamento na sociedade atual tem sido cada vez maior, fato este que deve servir de alerta para a Saúde Pública. Além disso, a prescrição para idosos tem demonstrado números elevados e preocupantes. O uso do fármaco desajustado com a diretrizes médicas pode oferecer risco de dependência e outros perigos. Sua administração por mais de 3 meses pode apresentar chances de dependência e seu uso por mais de 12 meses pode aumentar proporcionalmente tal fator. A maioria dos pacientes que utilizam BZD o fazem por mais de um ano ou possuem uso crônico e existe relatos de que os médicos não os informam sobre os riscos de seu uso contínuo [13].
Um estudo realizado na Alemanha afere que 5,2% de sua população adulta total utilizam Benzodiazepínicos. Números este que aumentam quando são direcionados à população de 51 à 64 anos (7,4%) e que são ainda maiores quando relacionados à faixa etária de 65 à 80 anos (8,7%) [15].
No Brasil os números estimados são de que 22% dos adultos façam uso da substância diariamente por mais de 12 meses [2]. Especificamente quando avaliada a população idosa brasileira alguns estudos avaliam que o número de usuários atinjam a faixa de 18,3-33,9% [16] [17].
Desta população avaliada, em todos os artigos analisados, se concluiu que a população do sexo feminino era predominante quanto a masculina em relação ao uso de Benzodiazepínicos [2] [13] [15] [17] [18] [19].
Isto pode se dar por conta do fato de a população feminina possuir maior procura por assistência médica, maior capacidade perceberem e relatarem seus problemas. [16] [17].
Alguns outros dados importantes a serem levantados acerca da população usuária de BZDs, dizem sobre a presença de comorbidades. Sendo elas presentes em cerca de 89% dos pacientes [16]. Dentre as doenças de base se destacam a Diabetes Melitus, Hipertensão Arterial Sistêmica e Infarto Agudo do Miocárdio, possuindo este último fator uma possível explicação ligada ao uso do psicotrópico para tratamento da ansiedade acarretada pela “experiência de adoecer” [18].
Outra questão importante a ser destacada é que dentro dos quadrante dos usuários analisados, 38,4% faziam uso de Benzodiazepínicos associados à antidepressivos [16]. Uma explicação para este dado é que esta associação é considerada normal no início do tratamento da depressão, já que, dentre seus sintomas, a ansiedade e insônia são extremamente prevalentes. Por fim, o uso crônico de BZDs em consonância com outros medicamentos em geral é de 59,5% [18].
Assim, é de conhecimento da comunidade médica que os Benzodiazepínicos possuem eficácia quando administrados em curto prazo (2-4 semanas). Após este período, o medicamento pode estar associado ao desenvolvimento de dependência física e psicológica [20]. Desta forma, visualizou-se que apenas 5,8% dos idosos medicados com BZDs estavam dentro do tempo de duração correto do tratamento [2]. Em contrapartida, em sua grande maioria, a prescrição prolongada (<6 meses) estava presente nas populações avaliadas [16].
De acordo com os critérios de Beers, os Benzodiazepínicos de ação prolongada devem ser evitados em idosos e os medicamentos de curta e média duração (Lorazepam e Oxazepam) devem os mais indicados, pois estes já são incialmente hidrolisados e, desta forma, permanecem menos tempo no organismo, reduzindo assim sua toxicidade [19] [21]. Além da dependência, os fármacos de liberação prolongada apresentam influência no aumento do risco de quedas, fratura de quadril e maior chance de envolvimento de idosos em acidentes de transito [19]. Entretanto, 59,2% dos idosos são tratados com psicotrópicos de longa duração [16].
O uso de Benzodiazepínicos possui grande ligação com o comprometimento da qualidade de vida dos usuários. Em sua maioria, idosos autoavaliados referiram a sua saúde como “ruim” ou “muito ruim”. Este parâmetro de análise é um forte preditor do bem estar global do paciente (físico, mental e social). Sobre isto, alguns autores acreditam que hajam duas possíveis explicações: (1) uma saúde auto referida como “ruim” ou “muito ruim” impacta negativamente na saúde mental e, desta forma, acarreta um maior uso de Benzodiazepínicos. (2) a saúde auto referida como “ruim” ou “muito ruim” pode ser advinda do uso crônico e prolongado de BZDs [18] [19].
Segundo estudos, diversas explicações são dadas acerca dos fatores que corroboram para o aumento do uso de BZDs na sociedade atual. Pode estar ligado à diminuição da tolerância do stress pela sociedade atual.
A Area Tegmentar Ventral está presente no mesencéfalo e também inerva diversa regiões cerebrais. Esta área é formado por neurônios dopaminérgicos (70%), interneurononios GABAérgicos (15%), e neurônios glutaminérgicos (15%). Nestes locais a subunidade α-3 é prevalente nos receptores GABA dos neurônios dopaminérgicos AVT e a subunidade α-1 é a mais presente nos interneurônios. A partir desta noção neuroanatômica, entende-se que os BZDs agem na via recompensatória do circuito AVT, já que esta é comandada pelos efeitos produzidos na subunidade α-1, mais prevalente nos interneurônios GABAérgicos. Assim, os interneurônios liberam cada vez mais menos GABA aos neurônios dopaminérgicos o que causa perda do mecanismo de inibição. Em outras palavras, os BZDs ativam indiretamente os neurônios dopaminérgicos no Tegmento Ventral, sendo a unidade α-1 do receptor GABA a mais importante. Ou seja, os BZDs possuem as mesmas características fisiológica e neurologicamente viciantes de outras substâncias de abuso, já que elas também ativam a subunidade α-1 do receptor GABA [15] [21].
Além da potente fármaco-fisiologia do Benzodiazepínico, deve-se ressaltar que os efeitos do medicamento são mais intensos nos idosos pois neles há um aumento no volume de distribuição e redução na metabolização e excreção do psicotrópico, já que estes indivíduos possuem baixa massa magra, baixa albumina e água, além de aumento do tecido adiposo. Esta diminuição de funções orgânicas leva ao aumento da dosagem usada para atingir o efeito desejado, o que gera um abuso do medicamento, diminuindo sua eficácia terapêutica. Desta forma, com esses fatores em concomitância, aumenta-se o tempo de vida dos BZDs no organismo do idoso e, assim, aumenta-se também sua toxicidade [13] [20] [21].
Os BZDs possuem uma característica incomum quando relacionados à dependência. Neste medicamentos a dependência não está atrelada ao aumento da tolerância como ocorre com a maioria das substâncias viciantes. Em outras palavras, mesmo a baixa dose do psicotrópico pode levar a sintomas de abstinência e dependência psicológica. O sintoma mais comum na abstinência é o rebote, o qual seria o retorno dos sintomas que induziram ao uso do Benzodiazepínico inicialmente.
O único estudo encontrado que apresentava dados concretos e investigação direcionada à dependência de benzodiazepínicos foi realizado por Silva et al, entretanto abrangeu uma população em geral, não havendo foco nos idosos. Neste trabalho realizado com 219 usuários de BZDs da região Oeste de Minas Gerais se concluiu que 181 (82,6%) possuíam dependência química do medicamento, sendo que, destes último citados, 157 (86,74%) eram dependentes químico-fisiológicos. Além disso, da população dependente avaliada, 125 pacientes (69%) possuíam sintomas ligados à tolerância do medicamento e 163 (90%) apresentavam sinais de abstinência [1].
Os médicos encontram muita dificuldade na retirada os Benzodiazepínicos de seus pacientes, já que este medicamento é um forte elo da ligação médico-paciente. Além disso, outro fator dificultante da retirada do fármaco é que ele possui forte influência na adesão do paciente ao tratamento da suas doenças concomitantes. Os usuários do fármaco enxergam com maus olhos a retirada de seu medicamento, pois temem o retorno dos sintomas ansiosos e que tenham suas atividades rotineiras comprometidas novamente. Desta forma é criada uma dependência psicológica [16].
Assim, no Hospital Universitário de Munique foi realizado um esquema de retirada de BZDs. Neste estudo a dose inicial foi reduzida em 50% e foram obtidos resultados satisfatórios de acordo com os autores. Por outro lado, segundo o mesmo estudo, a maioria das meta-análises sugerem a retirada lenta e gradual, sendo em torno de 10-25% de redução da dose semanalmente [15]. Além destas medidas, a retirada do medicamento deve ser realizada em consonância com medidas como higiene do sono e terapia comportamental [20]. Ainda sobre à de prescrição de benzodiazepínicos, alguns autores apresentam estudos os quais aferem que retirada do medicamento em associação com Carbamazepina e/ou Inibidores da Recaptação de Serotonina vêm apresentando resultados positivos [21] [15].
Conclusão:
Por fim, ao analisar todo o quadro relacionado ao elevado número de usuários de BZDs no Brasil, observamos que existe a necessidade de mais trabalhos para uma melhor compreensão das necessidades desta faixa etária e uma avaliação conjunta com as políticas públicas de saúde para uma atuação em ações que possam elucidar melhor e intervir nesta problemática.
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