Fevereiro de 2022 – Vol. 27 – Nº 2

                                                             Dr. João Romildo Bueno

 

 

Nota pessoal para não ser publicada, mas respeitando o humor do professor, acrescentei ao texto.

“Caríssimos, de novo o dedinho nervoso,  segue o “off records”

…-poupem-me das babaquices de WALT DISNEY … quem não gosta de quadrinhos sofre de uma ausência total de “senseof humour” e, por isto sempre me dei bem com Clóvis Martins…

Neste congresso da SBNPHM em 1969 perdi a “virgindade”, a inocência se esfumou : eu conhecia algo que a grande maioria nem suspeitava existir… um conhecimento bem irônico, como o das histórias de quadrinhos … meu pai tinha razão : ” acumule conhecimento e cultura, essas bagagens “não têm peso”, mas “pesam” o bastante para derrubar ignorantes : o tamanho de sua cultura se mede pelo vazio da ignorância alheia” … e eu não conhecia a ignorância dos outros, sempre fui tímido .. e, prazer maior do congresso da SBNPHM, o ter conhecido mais de perto o Busnello, o Salvador, o Marcos, o Othon, o Gari, e tantos outros que eram ou estudantes ou recém graduados como o William, o Bertolote … creio que estavas por aqui Walmor.

 

1970 – O PRIMEIRO CONGRESSO BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA

 Clóvis Martins, Manuel Albuquerque e Fernando Megre Velloso tinham aspirações latino-americanas, a APAL era a meta, a ABP nem merecia consideração maior…que pena…e deste modo o PRIMEIRO Congresso Brasileiro de Psiquiatria é inserido em um dia de atividades do CONGRESO DE APAL realizado em São Paulo … nada demais…gostava rever o “cartaz” deste primeiro congresso da ABP, o meu perdeu-se entre tantas mudanças que fiz, a cada vez que sai de casa, nada levei além de livros, nem mesmo os “discos”, fazem-me falta algumas bolachas do Furtwängler com a sinfônica de Viena regendo Mozart ou Wagner…desculpem-me a derrapada pessoal, devo ser “objetivo” e não deixar-me levar pela espiral da memória que aparenta ser linear … ledo engano…

O que mais me chamou a atenção neste primeiro congresso da ABP foi a ABUNDÂNCIA de temas “psicodinâmicos”, talvez por influência da temática da APAL, dominada pelos argentinos que acreditavam em psicanáliseintrauterina : não falo de “percepções fetais”,  coisa conhecida pela psicofisiologia desde as eras de Thales Martins, mas da “capacidade interpretativa dos fetos” … isso sem falar do seio bom – Sofia Loren – e do seio mau – Kathie Hepburn – tão apregoados pela exploradora do cadáver de Freud chamada Melanie Klein e seu namoradinho “goy” Ernest Jones… repito o escrito por sua filha, a Melitta Schmideberg … não julgo, nem inovo…

Outro Jones se impunha, Maxwell Jones, o criador do “modelo santuário” onde pacientes participam da gestão “do coletivo”, uma espécie de “pleno ampliado” do partidão, a chamada “comunidade terapêutica”, inviável pela falta de …fundos públicos: nem uma entidade privada é capaz de “bancar” um sonho … talvez, uma pena…chi losà …

Lembro-me especificamente de uma sessão: David Zimmermann relatava a súmula  de uma  “análise de grupo” sobre o caso de uma enfermeira, incógnita inominável … um “psicodinâmico gaúcho”,  que dizia conhecer a paciente,  disse-me que metade do que se dizia tinha sido colocado em sua (dela…) boca, o resto era invenção … nunca soube a verdade, convivi com David e Aida e jamais pensaria em invencionices de sua parte, a inveja é tal qual a tristeza: não tem fim  … como já afirmei, não passava de um “desconhecido em terra estranha”, apesar de dotado de uma sempre crescente “ingenuidade irônica” : sem ironia não há vida inteligente, nem em Marte …

Enfim, um “primeiro congresso” para se esquecer, nem um marco, nem um pico, apenas uma planura …uma mesmice cansativa…nem o Cerqueirinha, sempre entusiasta gostou do primeiro congresso da ABP, apesar de ali ter apresentado um “puta de um trabalho” que registrava as mudanças da expressão artística – pintura e escultura – em pacientes antes, durante e após o tratamento com clorpromazina, o que lhe valeu um convite para a próxima bienal de Veneza, única viagem internacional patrocinada de que foi merecedor … gênios, por vezes passam desapercebidos…

…in ilo tempore …por estas épocas os sucessos musicais eram Yellow River cantado pelo Christie GimmeShelter dos Rolling Stones … no cinema o Oscar iria para Midnight Cowboy do John Schlesinger …em Cannes o Palmarès foi para M.A.S.H de Robert Altman e o prêmio do JURI pousou sobre INDAGINE SU UN CITTADINO AL DI SOPRA OGNI SOSPETTO de Elio Petri … o Nobel de literatura coube a Alexander Solzhenitsyn, por Cancer Ward, Gulag Archipelago, eu li estes livros em inglês, antes que pintassem em Pindorama, dai mencionar os títulos no idioma da “pérfida Albion” … o mundo começa a girar, muito mais que a Lusitana roda …  e, em pleno período do “eu te amo meu Brasil”,  este pobre vivente passou a “aspone”…o presidente era Álvaro Rubim de Pinho, em Salvador, junto com Ulysses, fomos jantar no largo da Vitória número dois…Rubim, sempre formal, me diz que precisaria de um “adjunto” no Rio de Janeiro: Ulysses e Oswald Morais de Andrade nem sempre estavam presentes, ele, em Salvador, necessitaria de um “relato” e de uma espécie de ” livro deve-haver” das atividades e pagamentos da ABP … a precária associação nem CNPJ tinha, suas “finanças” não mereciam a análise de um contador … ele, Rubim não desconfiava de ninguém, mas como trabalhava com o Leme Lopes seria mais fácil que a tarefa me coubesse, daí nascem minhas viagens e minha paixão por São Salvador da Bahia …Vanor e eu passamos a “saber demais”, coisa estranha, verystrange, indeed … a situação de “aspone” é mantida com Megre Velloso, Lucena, Zimmermann e … Ulysses … uma sucessão de presidentes que,  sem jamais me “nomear”, acreditou que eu era o “homem errado no lugar incerto … creio que Othon, Salvador, Marcos Ferraz e William sabiam desta “estranha situação” …

De qualquer modo, a experiência de um primeiro congresso em plena “paulicéia desvairada” foi muito “didática”.

 

1972 – BELO HORIZONTE – o segundo CONGRESSO BRASILEIRO DE PSIQUIATRIA – 

Nos longínquos tempos de 1971, na rua do Ouro, residência de Fernando Megre Velloso, já como presidente da ABP discutiu-se a realização do II Congresso Brasileiro de Psiquiatria : presentes o anfitrião, Ulysses, Leme Lopes, Austregésilo Mendonça, Hélio Tavares, Jorge Paprocki …creio que Alvim não estava na reunião … eu lá estava, na sempre desprestigiada categoria de “aspone” …levar o CBP para Bel’zonte seria prático, Megre Velloso era secretário da Saúde da gerais, Paprocki mantinha curso de especialização e uma linha de pesquisas no Galba Velloso, na “Gameleira” e o prédio da Secretaria de Saúde na Av. Augusto de Lima – atual MinasCentro –, defronte ao Mercadão Municipal estaria à disposição do CBP, sem custos…melhor, impossível …

A ABP instala seu “quartel-general” no Hotel Vila Rica, do mesmo grupo do Samambaia e do Vila Rica da Vieira de Carvalho em São Paulo, alguns dos proprietários do grupo eram amigos de … Ulysses Vianna Filho (sem ele, nem sei o que seria da ABP…)

O segundo CBP tinha tudo para ser o sucesso…que foi…

Não adianta procurar por um “programa” do II Congresso Brasileiro de Psiquiatria: este documento jamais existiu … foi feito um arremedo para justificar a “ajuda oficial”.

.- abre parêntese :vários convidados estrangeiros – e alguns brasileiros – chegavam a BH um dia após a programada participação, outros saiam antes da data programada por falta de conexões aéreas que eram precárias, Pampulha recebia no máximo o 737-mini, com duas turbininhas finas ou o BAC-OneEleven e com capacidade de uns 80 passageiros; Cumbica nem existia, voos internacionais só entravam no Galeão, onde também pousavam os “voos diretos” do Electra da VARIG vindos de Porto Alegre ou do Recife … e as danadas das passagens custavam muito dinheiro…fecha parêntese…

Resumo da história: o programa era “mimeografado” à noite e lá pelas sete da manhã este beletrista encontrava-se com o pessoal da segurança da secretaria de Saúde e afixava à porta de cada sala o que lá ocorreria naquele glorioso dia … e mesmo assim havia “furadas homéricas”…como se dizia à época.

Roga-se a quem tiver cópia do programa original e do que relata o que realmente acontecia no dia-adia que as envie para esta lista e o mesmo vale para quem tiver cópias das fotos “batidas” pelo fotógrafo oficial. Vanor tinha algumas depositadas na banheira seca da sede na Alcindo Guanabara, não tenho a menor ideia de onde estejam no momento.

No II CBP houve de tudo: desde sessões abertas de psiquiatria transcultural, com umbandistas reconhecidos: von Gebsatell teria adorado, até mesas redondas sobre o emprego de lítio como agente profilático nas psicoses maníaco-depressivas… passando por carusianos,kleinianos, neo freudianos, análise em grupo, emprego de psicotrópicos e … abuso de psicotrópicos em pobres criancinhas brasileiras … menú completo, com direito a licor digestivo.

Pessoas e personalidades estrangeiras transitavam pelo…mercado: deliciando-se com queijos do serro ou da canastra engolidos com boas talagadas de “Havana” do seu Anísio, “Lua-cheia” “Claudionor” e similares.

A psiquiatria brasileira estava presente com todos seus luminares, creio que até o Neves Mantas que jamais “andou de avião” estava presente, foi de carro. Omito nomes não apenas para “ser justo”, mas para dar espaço para que outros o façam, mas estavam  Jurandyr, Picanço, Gerardo Frota Pintoe Vandick Pontes de Fortaleza, Agatângelo de Maceió, René Ribeiro, Lucena, Zaldo, Galdino, Othon do Recife, Rubim de Pinho, Adilson Sampaio, Norival Sampaio e todos os novos baianos, o pessoal das gerais,além do Megre Velloso, Alvim, Santiago Americano Freire destacavam- se Paprocki, Barreto, Baggio e com o Cesar já despontando… pelo eixo Rio – São Paulo :Leme Lopes, Nobre de Mello, Alves Garcia, Walderedo, José  Octávio,  Álvaro Aciolly, Fernando Bastos, Albuquerque Fortes, Fraletti, Anibal, Mendonça Uchoa, Carvalhal, Paulinho Vaz Arruda, do Paraná o Zanardini e a grande delegação gaúcha que – justiça seja feita – sempre prestigiou os CBPs ( nomes a cargo do Walmor…jamais fui “analista” e alguns nomes se me escapam…)

Uma mesa redonda discutindo o emprego de lítio chamou-me a atenção: Mogens Schou, Jack Bunney, Fieve  …um time de primeira em qualquer congresso, em qualquer parte do “mundo”, sala cheia apesar de não haver tradução simultânea.

Entre estrangeiros alguns conhecidos: Barahona-Fernandes, Obiols(?), Alonso Fernandez, Pichot, Dennis Leigh e, por primeira vez nos trópicos Georges e Jacqueline Verdaux e o Roland Kuhn, um psicoterapeuta existencial que descobrira o efeito antidepressivo da Imipramina.

Havia alguns psicoanalistas argentinos também como Rodrigué, Berman, Baremblit, Arnaldo Rascovsky, creio que o Kalina ainda não fazia “elpuenteaereo” …

Kuhn, extremamente modesto, relatou seu “encontro” com a imipraminada maneira mais casual possível: a casa Geigy procurava uma “clorpromazina suíça”, a imipramina era um tricíclico e um bom candidato … fracasso total : os esquizofrênicos pioraram dramaticamente … salvo alguns diagnosticados como “esquizo-afetivos” de Münsterlingen, Kuhn resolve testar a imipramina em deprimidos … este relato é o resumo de sua conferência em BH, tudo falado de maneira modesta, como se não houvera sido uma grande descoberta.

O presente autor, além da trabalheira mimeográfica participou de um curso sobre psicotrópicos e de uma mesa redonda que tratava da monocloroimipramina

O amadorismo foi tamanho que as inscrições eram feitas contra recibo, a “empresa” encarregada devolveu-nos nove canhotos, com a identidade dos pagantes e confessou que “achava” que uns “três talões de recibos tinham se extraviado”.

Então pode-se dizer que o II CBP teve entre 850 e 1 150 participantes. A história do “extravio” jamais foi esclarecida, a culpa foi nossa que não mantivemos um “fiscal” permanente nas mesas de inscrição, todos os “bagrinhos” e “meninos” trabalharam para danar e meu amigo Vanor mal dormiu … é o preço do sucesso em que os CBPs progressivamente se afirmaram … começar é difícil, aprimorar dá muito trabalho …

O II Congresso Brasileiro de Psiquiatria ocorreu em pleno milagre brasileiro, a ABP debutava como uma “dama”, a “psiquiatria brasileira” desligada -ainda que parcialmente – da medicina legal, da neurologia, da psicoanálise começava a se delinear e muita água ainda rolaria debaixo da ponte.

O próximo congresso – III CBP – seria realizado no Rio de Janeiro, por ocasião da aposentadoria do Prof. José Leme Lopes, mas isto é outra história.

Fico, por agora, por aqui. Os próximos dois congressos, Rio e Fortaleza merecem um capítulo a parte.

Romildo

 

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