Maio de 2021 – Vol. 26 – Nº 05

Walmor J. Piccinini

 

Freud ao chegar aos EUA para as conferências Introdutória da psicanálise daquele país, as conferências na Clark University, nos EUA, em 1909, comentou jocosamente que estava levando a “peste” para aquele país. Os argentinos fugindo da repressão violenta que grassou na Argentina com a tomada do poder pelo General Ongania nos trouxeram o “freudo-marxismo” e o “lacanismo”.

Os primeiros estrangeiros que construíram um nome na psiquiatria brasileira, o argentino-brasileiro Mauricio Knobel (1922- 2008 e o chileno Hernan Davanzo Corte (1924) vieram mediante convite de um visionário, o Professor Zeferino Vaz, criador de duas Faculdades de Medicina de muito prestígio, a da USP Ribeirão Preto e a Unicamp. O primeiro tornou-se o grande nome da psiquiatria infantil brasileira, naturalizou-se em 1985 e faleceu em 2008. O segundo veio em 1957 com o início da Faculdade de Ribeirão Preto, entrou oficialmente no país em1960 e aqui permaneceu até 1965. Outros argentinos vieram e se integraram na corrente dominante da psicanálise brasileira. Nesta primeira leva um outro argentino chamado Ivan Izquierdo se tornou um grande formador em neurociências. Dos inúmeros argentinos que aqui aportaram, o mais ativo e revolucionário foi Gregório Baremblit. O mais intelectual e produtivo foi Emilio Rodrigué. Sobre eles teremos que escrever capítulos à parte.

Gregório Baremblitt é psiquiatra, docente livre autorizado, Analista Institucional, Esquizoanalista e Esquizodramatista, saiu da Associação psicanalítica argentina com o grupo Plataforma, fundou no Rio de Janeiro e em São Paulo o Instituto de Psicanálise Grupos e Instituições (IBRAPSI), o Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte, e à Fundação Gregório Baremblitt de Minas Gerais. Ele se intitula “freudo-marxista, analista institucional, esquizoanalista e esquizodramatista”.

Muitos outros vieram e na maioria se integraram nas Associações psicanalíticas tradicionais.  Alguns trouxeram a crise de relacionamento dentro da Associação Psicanalítica Argentina e suas consequências de ruptura institucional. Aqui se tornaram membros e líderes da nova categoria de profissionais, os psicólogos. Juntaram-se na formação dos trabalhadores de saúde mental e do movimento de reforma psiquiátrica.

Vamos por partes.

A formação em Psicologia no Rio Grande Do Sul começou na PUC em 1953, mas foi na década de 70 que levas e levas de psicólogos formados dentro de ideias psicodinâmicas começaram a disputar mercado de trabalho. A lei de 1966 que criou a profissão de psicólogo estabelecia que poderiam trabalhar no ajustamento pessoal. Evitava-se a competição com os médicos que lidariam com a doença mental e o uso de psicofármacos. No mundo real quase tudo era permitido. A última fronteira foi a utilização de psicofármacos.

Os jovens psicólogos frequentavam conferências, se organizavam em grupos de estudos, trabalhavam com psiquiatras, mas eram impedidos de uma formação analítica. Aos poucos foram sendo incorporados ao Círculo Carusiano e começaram a procurar alternativas às portas que a eles se fechavam. Uma delas foi iniciativa da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul que trouxeram o argentino Roberto Harari e através dele a visão lacaniana da psicanálise foi trazida para Porto Alegre.

Na leva de emigrados o psicólogo Alfredo Jerusalinsky chegou a Porto Alegre em 1970. Encontrou um ambiente pouco favorável para não dizer hostil, mas foi abrindo caminhos no atendimento de crianças. Nos anos seguintes foram chegando outros argentinos que foram assimilados no ensino de psicologia; Miguel Massolo, Silvia Eugenia Molina, Martha Brizio.

Silvia Molina iniciou trabalho no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e teve apoio de Paulo César Lafaiete Brandão e desenvolveu interessante e importante trabalho com crianças.

“Outro importante espaço de prática e transmissão da psicanálise fundada em 1977 foi a Clínica da UFRGS. Sob o título inicialmente de Núcleo de Atendimento Psicológico ao Estudante (NAPE) ligada ao então Departamento de Psicologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, tinha o fito de oferecer atendimento psicológico aos alunos da graduação do Curso de Psicologia, estendendo esse objetivo à comunidade e posteriormente tornando-se campo de estágio curricular. A psicanalista argentina Martha Brizio foi a impulsionadora desse projeto desde seu início. Em 1979, passou a denominar-se Clínica de Atendimento Psicológico e, desde 2006, tornou-se Órgão Auxiliar do Instituto de Psicologia. Tem, no centro de seu trabalho, a escuta de pacientes baseada na teoria psicanalítica proposta por Freud e Lacan. Oferece também atendimento psicopedagógico, fonoaudiológico e terapia sistêmica de casal e família. O trabalho é executado por uma equipe técnica constituída de psicólogos, psicopedagogos e fonoaudiólogos, bem como de consultores de áreas que não estão disponibilizadas à equipe, como, por exemplo, em genética, numa proposta de trabalho interdisciplinar”. (Gageiro)

Gustavo Gauer & William Barbosa Gomes Relações com a Psicanálise MuseuPsi (ufrgs.br) capítulo 8. Os autores apresentam a evolução das relações dos psicólogos com a psiquiatria e a psicanálise no Estado que deve ser lida por todos os interessados.

Em 1978, deram-se as negociações para a futura fundação da Mayêutica de Porto Alegre, afiliada da Mayêutica de Buenos Aires. Em maio de 1980, deu-se a oficialização da fundação com seu registro legal datando de 17 de dezembro. Como membros fundadores, constam, além de Roberto Harari como convidado de honra, Luiz Olyntho Telles da Silva (presidente), Gladys Wechsler Carnos, Maria Angela Brasil, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack e Rita Maria Franci. No ano seguinte, outra importante instituição foi fundada em Porto Alegre: o Centro Lydia Coriat. Paulo César Brandão, Alfredo Jerusalinsky, Silvia Molina e Zulema Garcia Yañes inauguraram, com essa instituição, um importante espaço de atendimento à infância, sobretudo no que se refere aos transtornos do desenvolvimento. Tornou-se, ao longo dos anos, um importante lugar de pesquisa e de formação no campo da psicanálise da infância.

Gregório Baremblitt, psicanalista argentino, radicado no Brasil no Rio de Janeiro, desde 1977, propôs, uma reflexão sobre o acesso ainda difícil para as classes populares a um tratamento psicanalítico. Na época, Baremblitt dirigia o Instituto Brasileiro de Psicanálise.  “Nós conseguimos tornar as terapias de grupo e individual acessíveis à população graças a uma forma organizacional que se aproxima de uma maneira comunitária de trabalho”.

Também nos anos 1980, o campo lacaniano gaúcho ganhou reforço com a presença de Alduísio Moreira de Souza. Nascido em Minas Gerais, viveu durante a década de 1970 na França, fugindo do regime militar brasileiro. Formado em psicologia, participou da Escola Freudiana de Paris, tendo seguido os seminários de Lacan. Em Porto Alegre, participou da Cooperativa Jacques Lacan, primeira experiência institucional do campo lacaniano na cidade.

No cenário gaúcho, os anos 1980 marcaram o início da afirmação da análise profana. Em nível mundial, a Associação Psicanalítica Americana perdeu na justiça a causa que questionava a política de exclusão praticada, fazendo-a orientar seus Institutos afiliados a abrirem as portas aos “não-médicos”. Na Assembleia Geral de março de 1989, foi comunicada a abertura do Instituto da SPPA aos psicólogos que desejassem seguir uma formação analítica.

Chega ao Rio Grande do Sul o psicólogo Contardo Caligaris (1948-2021), veio por motivos afetivos pessoais, mas logo incorporou-se aos movimentos dos psicólogos gaúchos. Figura sedutora e carismática, além de muito inteligente e preparado, deu início a um diálogo com os representantes dos diversos grupos lacanianos de Porto Alegre ao longo do ano de 1989, apostando numa reunião de todos de forma associativa, a fim de aproximar os psicanalistas lacanianos da cidade ampliando as transferências de trabalho e ganhando força política por meio de um diálogo ampliado com a cultura e a pólis. Tratava-se de um trabalho delicado, pois era necessário romper com a tendência ao caudilhismo de nosso Estado, elemento que determinou nos grupos a questão: “quem é o patrão”? “quem é o patrão desse grupo, desse CTG?”

BAREMBLITT, G. Entrevista sobre o Instituto Brasileiro de Psicanálise. JORNAL ZEROHORA, Porto Alegre, 2 de novembro de 1982 Em 17 de dezembro de 1989, deu-se a fundação da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA). A ata de fundação foi publicada no primeiro boletim da instituição em março de 1990. Ela informa os aspectos importantes da formação em psicanálise: “permitir a formação de analistas; assegurar a qualidade analítica dos membros que ela reconhece como analistas; sustentar a produção e a difusão do discurso psicanalítico em todas as situações que não comprometam as condições de sua enunciação – ou de seus efeitos”.

A ata de fundação retomou os três principais elementos da formação do analista: análise pessoal, supervisão e estudos da teoria. A primeira diretoria da APPOA era composta por: Contardo Calligaris, presidente; Maria Lúcia Bopp Kruel, secretária; Maria Ângela Brasil, Maria Auxiliadora Sudbrack e Anna Callegari, acolhimento; Robson de Freitas Pereira e Neusa Calliari, tesouraria; Alduísio Moreira de Souza, Alfredo Jerusalinsky e Ana Maria da Costa, ensino; Gladys Carnos, Cleuza Maria Bueno, Diana Lichtenstein Corso, Lucia de Souza Serrano, publicações; Eda Tavares e Mário Corso, arquivos; Adão Luiz Lopes da Costa, Conceição Beltrão, Eliana dos Reis Calligaris e Yeda Swirski, eventos; Contardo Calligaris, Alduísio Moreira de Souza, Alfredo Jerusalinsky, Anna Callegari, Maria Ângela Brasil e Maria Auxiliadora Sudbrack, comissão de analistas membros.

Pouco a pouco, a psicanálise ampliou-se numa multiplicidade de instituições e grupos, propondo desde estudos da obra de Freud e dos principais autores pós-freudianos como instituições que oferecem um percurso de formação para a prática clínica com orientação psicanalítica. Os cursos de Psicologia das Universidades sediadas em Porto Alegre e de todo o Estado têm em seus currículos a psicanálise como um fundamento do campo da clínica.

1.Ana Maria Gageiro Sandra D. Torossian; A História da Psicanálise em Porto Alegre

2.Analytica | São João del-Rei | v. 3 | n. 4 | p. 117-144 | janeiro/junho de 2014 |

BAREMBLITT, G. Entrevista sobre o Instituto Brasileiro de Psicanálise. JORNAL ZEROHORA, Porto Alegre, 2 de novembro de 1982. Citada por Ana Maria Gageiro.

  1. Museu Psi de William Gomes e Gustavo Gauer.

Nota explicativa:

Grupo Plataforma, da Argentina. Este foi um agrupamento de psicanalistas críticos e militantes, dentro da APA, que realizou a primeira cisão de uma associação de psicanálise por motivos políticos. “Neste mesmo ano de 1971, precisamente a 4 de novembro, todos os membros do Plataforma Argentino apresentam renúncia formal à APA e à IPA através de uma declaração pública, na qual denunciam a ideologia burguesa da instituição oficial em todos os níveis de atividade: teórica, técnica, investigativa, didática e econômica”

Dezoito psicanalistas deixam a APA, sendo analistas didatas, membros titulares, associados e candidatos (como o caso de Baremblitt). Ao sair da APA, o Plataforma adotou um perfil mais interdisciplinar, intensificando a articulação da psicanálise com o marxismo, a análise institucional e outras correntes teóricas. Por exemplo, em 1973 Baremblitt introduz a Esquizoanálise na Argentina, ao fundar um grupo experimental que estudou a obra “O Anti-Édipo” (Deleuze & Guattari, 1972). Plataforma Argentino foi diluído em 1974, com o receio de se transformar numa “IPA de esquerda”.

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