Janeiro de 2021 – Vol. 26 – Nº 01

 

Walmor J. Piccinini

 

Antes da fundação da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre existiu um pré sociedade integrada por vários candidatos em análise, analistas didatas e alguns associados. Na tentativa de reconhecimento pela IPA, analistas do Centro do País sugeriram que o grupo fosse enxuto e só ficassem os candidatos e em formação. Surgiu então a necessidade de refundar a Sociedade Psicanalítica e vários médicos em análise foram desligados. Surgiram problemas, pois entre os desligados estavam o Drs. Manoel Albuquerque e José de Barros Falcão. Ambos tinham luz própria na política médica gaúcha e seguiram suas vidas longe da Sociedade Psicanalítica. Albuquerque foi presidente da AMRIGS e um dos líderes na formação da Associação Brasileira de Psiquiatria. Organizou a cadeira de psiquiatria da Faculdade de Medicina da PUCRS. Barros Falcão liderou a psiquiatria na Faculdade de Medicina da Católica, hoje federalizada.

A psicanálise foi se desenvolvendo e manteve uma estreita ligação com a formação psiquiátrica que começou em 1957. Em 1961 foi fundada a Divisão Melanie Klein e, em geral, os formados pelo “Curso do David” se inclinavam pela formação analítica. Quando a Clínica Pinel passou a formar psiquiatras, muitos deles, também se dirigiram a formação analítica. Entre eles, Marcelo Blaya, David E. Zimerman, Flávio Rotta Correa, Carlos Gari Faria, Bernardo Brunstein, Marlene Silveira.

A Sociedade de Neurologia, Psiquiatria e Neurocirurgia do Rio Grande do Sul era compartilhada, dois anos de presidência para os neurologistas seguida de dois anos de presidência para os psiquiatras. O clima era amistoso, muito se devia a figura de Paulo Luiz Vianna Guedes. O psiquiatra presidente era sempre um psicanalista graduado ou em formação. Não havia oposição. Esta surgiu com Mário Bertoni e psiquiatras descontentes com esta linha ideológica e que propôs uma chapa de oposição. A chapa oficial era encabeçada pelo Mostardeiro (Antônio Luiz Bento Mostardeiro) e por mim como secretário. Foi uma disputa intensa, muitos que nunca saíram de casa para alguma reunião na AMRIGS apareceram para votar e a chapa do Mostardeiro foi vitoriosa. No primeiro ano ele seria vice-presidente, e um neurologista seria o presidente, no segundo ano ele seria o presidente. Nosso trabalho foi preparar a separação das especialidades propondo novos estatutos que foram aprovados na eleição seguinte foi concretizada a separação e o presidente era Harri Valdir Graeff, formado na Clínica Pinel.

Nos anos sessenta, um candidato a formação analítica tinha que aguardar uma vaga para análise didática e isto poderia demorar dois anos. Vivendo num meio que todos queriam ser analistas e com muitos amigos entre os analisandos, achei a opção natural ser analista. No quarto ano de medicina e com vários empregos planejei minha vida para dois anos depois onde estaria formado e com melhores condições financeiras para enfrentar uma formação cara e difícil. No final do quarto ano, pensando em fazer análise dois anos depois, me candidatei para análise didática na SPA. Um mês depois recebo uma carta dizendo que eu tinha sido aceito na formação analítica. No mês seguinte me encontro com o Dr. Cyro Martins numa livraria e ele me puxa para um canto e me diz. Vai falar com o David que ele quer conversar contigo. Já havia conversado com o David e ele me convidara a fazer o Curso da Melanie. Já tinha recusado, pois minhas fidelidades estavam com o Marcelo na Pinel. Em todo caso, não se recusa uma conversa com alguém que muito admirava. Para minha surpresa ele me informou que tinha uma vaga para candidato e que era minha se eu aceitasse. Levei um susto, fui conversar com o outro David, com o Marcelo e me deram parabéns etc. Foi assim que, no quinto ano do Curso Médico, em 1964, iniciei minha análise pessoal. Foi tudo muito rápido e difícil pessoalmente. Enfrentava cinco empregos, era pobre, ajudava a manter minha família e encarava quatro horas semanais de tratamento pessoal. A entrar no sexto ano médico, fui aceito em Seminário de formação. Meus colegas eram Flávio Rotta Correa, Mário Bertoni, Luís Ernesto Pellanda. No segundo ano Bertoni ficou fora e eu segui com os outros colegas. Imaginem a situação, me formei em Medicina, iniciei a Residência em Psiquiatria na Clínica Pinel. Tinha quatro seminários no Instituto de Psicanálise, três na Psiquiatria e uma carga de 25 pacientes internados. Teria que alugar um consultório e receber meu primeiro paciente em análise e mais a despesa da supervisão. Comecei recusando o primeiro paciente para análise e passei a discutir o que eu queria da vida. Ao meu analista fui dizendo, tenho 24 anos, só namoro porque é uma colega de turma, quero mudar de vida. Interrompi os seminários com a proposição de repensar o assunto quando tivesse 35 anos.  Foi difícil, de uma fulgurante jóia, virei um carvão. Fiquei mais alguns anos em análise e por fim decidimos que poderia parar. Por fim terminei minha análise, continuei amigo e fui muito apoiado pelo Professor David. Fui me tornando conhecido como psicogeriatra e não tive maiores problemas de sobrevivência. Conto minha história para destacar o quanto era sacrificada a vida dos primeiros candidatos e como se criou um grupo dedicado de psicanalistas em Porto Alegre.

Os anos sessentas viram o nascimento de muitas sociedades médicas. Em 1963 foi fundada a Associação Mundial de Psiquiatria (WPA). Neste mesmo ano de 1963 a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre foi aceita como entidade filiada a Associação Psicanalítica Internacional. Em 1966 foi fundada a Associação Brasileira de Psiquiatria.

No mesmo ano de 1966, no dia 27 de agosto, foi aprovada a lei que criava os cursos de psicologia e a profissão de psicólogo. Os cursos de psicologia existiam desde 1953 com objetivo de formar professores de psicologia para as escolas de formação de professores. O curso existia na PUC e consistia em um ano a mais para os formados em História Natural. A formação de psicólogos como a conhecemos começou em 1967, na PUC de Porto Alegre. O Curso da UFRGS iniciou mais tarde, em 1973. Muitos dos professores foram psicólogos formados na Psicologia da PUC. Os primeiros professores de Clínica, Psicopatologia, Técnicas psicoterápicas eram psiquiatras e/ou psicanalistas. Na PUC fui responsável pela cadeira de Psicopatologia, mas colaborava na Clínica com o Professor Isaac Sprinz e na Técnica com o Professor Carlos Gari Faria. Todos vínhamos da formação na Clínica Pinel. Quem me indicou para a função foi o Professor David E. Zimerman que sempre me indicava para substituí-lo em funções que já não tinha tempo para se dedicar. Foi assim no Hospital da Brigada e em outras atividades. No Curso da PUC, fui treinando minhas melhores aluna para me substituir, pois tinha ideia que os alunos de psicologia deveriam se identificar com psicólogos e não com psiquiatras. Em 1977 quando me afastei do curso deixei no meu lugar a psicóloga Kenia Balvê Behr, que hoje é psicanalista. Algo que não me sai da memória é que as turmas eram grandes, cerca de setenta alunas e muitas fumavam. Parecia natural, mas hoje se sabe que era algo assustador. Imaginem uma sala de aula com setenta pessoas, umas vinte fumando e o professor dando aula no meio de tanta fumaça. E falando em saúde.

 

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