Novembro de 2020 – Vol. 25 – Nº 11
Sérgio Telles
- As relações da psicanálise com a política estão muito presentes nos dois links abaixo. Nos anos 80, Howard Zinn lançou o livro “A People’s History of the United States” que, para a surpresa de todos, transformou-se num imenso sucesso editorial, vendendo mais de 2 milhões de exemplares e criando um gênero de história, ao fazer revisões de esquerda acessíveis e palatáveis para o grande público. Ou seja, literalmente uma “história para o povo”. Esse modelo se impôs e este artigo fala de três novos “people´s history”, sobre três assuntos diferentes – Detroit, psicanálise e computação – escritos por autores diversos. A “história para o povo da psicanálise”, escrita por Daniel José Gaztambide (“A People´s History of Psychoanalysis – From Freud to Liberation Psychology” – Lexington Books, 2019), procura corrigir a visão de esquerda que mostra a psicanálise como uma prática branca, difusora da ideologia colonialista e preocupada apenas com o indivíduo, sem valorizar o coletivo. Resgata seus primórdios e os analistas com preocupações sociais. O livro cita os brasileiros Juliano Moreira, Artur Ramos, Paulo Freire e diz que o Brasil foi o primeiro país a praticar a psicanálise fora de Viena.
No segundo link, o autor mostra os equívocos de um comentarista que havia afirmado ser a Teoria Critica da Raça (muito em voga nos Estados Unidos) apenas uma moda passageira, tanto como o foi a psicanálise, pois tais movimentos não podem ser considerados como “moda” muito menos como ultrapassados.
https://lareviewofbooks.org/article/what-makes-a-peoples-history/
https://www.patheos.com/blogs/thecantankerouscalvinist/2020/09/29/critical-race-theory-is-not-a-fad/
- Seriam a psicanálise e a teoria queer absolutamente incompatíveis como afirma Paul Preciado, especialmente em seu livro “Sou o monstro que vos fala”? Fabrice Bourlez, psicanalista e homossexual, pensa diferente. Julga ver nuances a aproximações entre o movimento queer e a psicanálise, como a abertura para o acolhimento do estranho, do bizarro, dos transtornos de toda ordem. Em seu livro “Queer psychoanalysis” estuda o impacto da psicanálise no movimento LGBT+, nas feministas, na antipsiquiatria.
http://www.heteroclite.org/2020/09/queer-psychanalyse-irreconciliables-60514
- Modificações na universidade francesa – fusão de Paris-Diderot, Paris-Descartes e Institute de Physique du Globe de Paris – podem colocar em risco o ensino da psicanálise. Recusando a narrativa de que estaria em jogo uma disputa epistemológica entre os cursos de Psicologia e de Psicanálise, os alunos denunciam cortes orçamentários e dispensa de professores, dentro de um plano que atende não às exigências de excelência acadêmica e sim às pressões do mercado.
- Otto Gross, a controvertida figura que aparece de forma marginal na história da psicanálise, teve uma vida tumultuada, em franco desafio à moral sexual de seu tempo. Esteve às voltas com a polícia várias vezes, por suspeita de assassinato, envolvimento com suicídios de amantes e cumplicidade com terroristas. Expulso da Suíça e considerado “pessoa perigosa” na Áustria, foi internado à revelia pelo pai, Hans Gross, criminologista e policial, encarnação do poder patriarcal. Em suas atribulações, foi defendido por artistas alemães e franceses.
http://sexes.blogs.liberation.fr/2020/10/07/otto-gross-baiseur-en-serie/
- Stuart Schneiderman fez sua formação em Paris, na escola lacaniana e foi um dos introdutores dessa corrente nos Estados Unidos. Uma série de desilusões o levaram a abandonar o lacanismo e, depois, a própria psicanálise. Esse texto seu foi publicado no blog de Sophie Robert, autora dos documentários “O muro” e “O falo e o nada”, contrários à psicanálise.
- O artigo discute novamente a questão ética de se psicanalisar pessoas públicas e líderes políticos, mostrando as nuances e complexidades que lhe são próprias. Baseando-se em Erik Erikson e vários outros, especula se o movimento que apoia Trump pode ser considerado um culto. Respeitando as especificidades, tais ideias podem ser aplicadas ao fenômeno Bolsonaro.
- Dos presidentes norte-americanos, não é apenas Trump quem sofre escrutínios sobre seu estado mental. Nesse artigo, o autor mostra os vários estudos psiquiátricos e psicanalíticos sobre Clinton, que detectaram aspectos bipolares em suas ações e discursos políticos.
- Este ano o Prêmio Nobel de Literatura foi dado a Louise Glück, poeta norte-americana de ascendência judia húngara, detentora de inúmeros prêmios literários importantes. A poeta, que já descreveu sua infância como “catastrófica”, teve de abandonar o colégio devido uma grave anorexia nervosa que a fez empreender um tratamento psicanalítico por sete anos. Apesar de sua poesia versar sobre traumas, perdas, rejeição, luto, ela oferece consolo e esperança ao constatar que há formas de superar tais sofrimentos, especialmente através da criação literária. Louise Glück diz que seu trabalho foi profundamente influenciado pela psicanálise e pela poesia de Emily Dickinson e Rainer Maria Rilke.
https://expresso.pt/cultura/2020-10-08-Poeta-Louise-Gluck-vence-Premio-Nobel-da-Literatura
https://www.hypeness.com.br/2020/10/quem-e-louise-gluck-a-vencedora-do-nobel-de-literatura-2020/
https://www.linfo.re/monde/amerique/le-prix-nobel-de-litterature-decerne-a-l-americaine-louise-gluck
- Artigo da importante revista médica inglesa The Lancet fala da decisiva importância da psicanálise para entender e enfrentar a negação e a não adesão às orientações médicas frente à pandemia.
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(20)32172-3/fulltext
- A pandemia provocou grandes alterações no comportamento e rotina de todos. Três psicanalistas refletem sobre essa questão, abordando questões como o exacerbamento de conflitos familiares decorrente do confinamento e a negação da morte, que levam muitos a assumir deliberadamente atitudes de risco, desafiando orientações das autoridades sanitárias.
- VT de Cristian Dunker explicando o édipo de crianças dotadas por casal homoafetivo.
- Felipe Campelo faz uma profunda e complexa resenha do novo livro de Vladimir Safatle, “Maneiras de transformar o mundo”.
- Resenha do livro “Histoire Erotique de la Psychanalyse”, da escritora e psicanalista Sarah Chiche, que enfatiza o erotismo feminino e o papel da mulher na teorização da psicanálise.
https://www.nonfiction.fr/article-10480-variations-sur-les-conjugaisons-de-lamour-et-du-desir.htm
- Observações sobre a poesia “Mundo Grande”, de Carlos Drumond de Andrade, no qual o autor percebe as transformações do narcisismo do poeta, na medida em que ele transita da percepção de que o Eu é maior do que o Mundo, passa pela ideia de que o Eu é do tamanho do Mundo e chega à conclusão de que o Mundo é maior do que o Eu.
- Nova edição de “O lobo da estepe”, livro profundamente influenciado pela psicanálise, escrito por Herman Hesse aos 50 anos. Acolhido com entusiasmo pela crítica e público, continua atraindo novas gerações.
https://www.publishnews.com.br/materias/2020/10/06/a-beira-do-abismo