Setembro de 2020 – Vol. 25 – Nº 9
Walmor J. Piccinini
A psiquiatria brasileira da segunda metade do século XX mudou muito e para melhor graças ao Dr. MB que retornou dos EUA após 4 anos de especialização, um em neurologia no hospital Michael Reese em Chicago e três anos de residência em psiquiatria na Clínica Menninger em Topeka, Kansas. Acompanhei e participei desta sua trajetória nos primeiros 10 anos. Sou muito grato pelo aprendizado e aproveito que ainda esteja entre nós no vigor dos seus 96 anos para abordar alguns fatos da sua vida.
Fico me perguntando qual a razão do seu sucesso na formação de tantos psiquiatras competentes e dedicados. A resposta que encontrei foi comparando a atuação dos psiquiatras na segunda guerra mundial. Um psiquiatra chamado M.D. Parrish se referindo ao que podia ser atribuído o sucesso de um corpo de soldados resumiu em alguns princípios: proximidade, imediatismo, simplicidade, expectativa. Seriam características de um indivíduo forte e resiliente. A ligação entre os membros da equipe, seu vínculo coletivo de maneira a nunca se sentirem sozinhos e serem parte de um grupo vitorioso. Tudo isto existia na “equipe da Pinel”. E quem conseguiu tudo isto foi seu criador, o Dr. Marcelo Blaya Perez.
Seu pai foi Fulgêncio Blaya (não confundir com um neto com o mesmo nome), um espanhol, comerciante de sucesso em São José do Rio Preto, São Paulo que foi a falência na crise de 1929. Depois da falência deixou a mulher e seis filhos e saiu a viajar pela América do Sul. Lembra aquele personagem aventureiro de Érico Veríssimo o capitão Rodrigo Cambará. (mulherengo, inquieto, viajante). Passada esta fase Fulgêncio estabeleceu-se em Rivera no Uruguai onde Marcelo fez o curso primário. Segundo depoimento de Marcelo, seu pai pesava 120 kg. E por influência de um naturalista emagreceu e ficou com 70 kg. Magro e com seis filhos foi para Morretes no Paraná e, finalmente estabeleceu-se em Santa Maria onde abriu uma padaria. Seu filho Marcelo, em 1945 serviu no Exército. Bem no estilo do pai, na moda de Rodrigo Cambará conta que dos 200 dias no Exército ficou 75 prêso. Fez Concurso para a Caixa Federal, foi aprovado com primeiro lugar e veio para Porto Alegre. Curso Científico no Julinho e vestibular para medicina onde tirou o 13º. Lugar, o que conta como decepcionante, pois se imaginava em primeiro. O que dá uma ideia das suas ambições. Em 1954 uma turma de doutorandos foi a passeio para os Estados Unidos e lá conheceu vários centros médicos importantes. O retorno da delegação foi em 24 de agosto de 1954 dia conturbado pelo suicídio de Vargas.
Após a formatura, trabalhou dois meses no interior para conseguir dinheiro para a passagem e se foi para Chicago onde pretendia fazer neurologia. Um ano no hospital Michael Reese o desanimou da neurocirurgia e optou por psiquiatria. Foi para a Clínica Menninger em Topeka, Kansas onde permaneceu por três anos. Sua esposa, Rosita ficara em Porto Alegre com uma filha (Anete) e depois se juntou a ele nos EUA onde nasceram mais duas filhas (Monica e Beatriz). Terminada a Residência, trabalhou mais seis meses nos EUA em hospital da Flórida e veio para Porto Alegre.
Reinício difícil, era um ‘estranho no ninho’, o único hospital privado não permitia que lá internasse. Atendia alguns pacientes em consultório e internava no Hospital Espírita. Não aceitou a ideia de procedimentos religiosos interferindo com seus pacientes. Resolveu abrir uma clínica privada. Recebeu apoio do Dr. Manoel Albuquerque que foi seu fiador e alugou duas casas na Av. João Pessoa em Porto Alegre. Em 28 de março de 1960 era inaugurada a Clínica Pinel de Porto Alegre. Eu que não sabia de nada destas aventuras, lá comecei a trabalhar em 1 de junho de 1960 como atendente psiquiátrico.
Era pequena, apenas doze leitos. Foi ampliada graças a um convênio com O IAPC que permitiu alugar uma terceira casa e outras melhorias.
Em 1961 foi aprovado como livre docente da Faculdade de Medicina da UFRGS, neste mesmo ano começou a primeira Residência em Psiquiatria n Brasil. (a este respeito existem controvérsias, mas nada que diminua o brilho da iniciativa). Sua livre docência representava uma ameaça aos dois professores de psiquiatria, Dr. Paulo Luiz Vianna Guedes e David Zimmermann que eram professores contratados e nunca se preocuparam com títulos universitários. Marcelo Blaya não pleiteou a cátedra e se associou aos mesmos durante algum tempo. Os cursos, Pinel e do São Pedro se uniram. A revista Arquivos da Clínica Pinel se fundiu com a Revista Psiquiatria do CELG e nasceu a Revista de Psiquiatria Dinâmica que depois se transformou na Revista de Psiquiatria da SPRS e hoje mudou seu nome para Trends in Psychiatry.
Marcelo Blaya costuma afirmar que escolheu a psiquiatria para cuidar da própria loucura. Isto teve consequências, pois foi se analisar com Mário Martins e, gradativamente, foi se afastando da psiquiatria para se tornar psicanalista. A psiquiatria perdeu muito e na psicanálise ele nunca teve a expressão que teve na Psiquiatria. Este assunto pode dar vasão a teses e discussões e não é meu objetivo.
Como psiquiatra, Marcelo Blaya foi um revolucionário. Suas ideias de ambientoterapia, socioterapia, equipe psiquiátrica, acompanhamento terapêutico trouxeram novos ares, novas motivações para a psiquiatria brasileira. Seus discípulos se tornaram líderes nos seus campos de atividade. A Pinel se tornou uma grife, uma marca de uma nova psiquiatria.
Em 1964 começou a construção da sede da Clínica na Rua Santana 1445. Em 1972 foi inaugurada. Em 1966 faleceu sua mãe a Sra. Encarnación Blaya. Depois da sua morte resolveu transformar a Clínica numa Fundação que levou o nome da sua mãe.
Sua esposa Dona Rosita, passou a participar ativamente na vida da Clínica e dirigiu a AVE (Associação de Voluntários Externo) que era formada por ex-pacientes, estudantes e voluntários em geral. As suas filhas também cresceram, as duas mais velhas se formaram em Medicina, Anete se tornou psicanalista, Mônica patologista e Beatriz psicóloga. Beatriz, atualmente, dirige a Fundação. Dona Rosita, santa Rosita como nós a chamávamos, infelizmente faleceu.
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