Agosto de 2020 – Vol. 25 – Nº 8
Caliel Ribeiro Simas * Márcia Gonçalves**
Introdução:
Com desdobramentos múltiplos, a situação de pandemia traz consigo o alerta geral sobre os micro e macro setores, sejam eles econômicos ou psicossociais (1,2,3, 4). Diversos Impactos vem sendo gerados a partir desse estado de tensão e estresse ao qual toda população mundial está exposta. No entanto, assim como traços de personalidade têm sua expressão variável, a pandemia gera impactos em diferentes intensidades. Neste sentido, os grupos mais vulneráveis, como profissionais da saúde, a população de baixa renda, idosos, crianças e pacientes psiquiátricos, bem como os portadores de transtornos social e de personalidade não diagnosticados, têm sido os mais afetados de modo geral (5,20).
A grande população, que não detém acesso livre e direto aos serviços básicos, e que agora se vê em meio a uma crise econômica desencadeada pelo fechamento dos estabelecimentos de serviços não essenciais, passa então a nutrir e desenvolver desordens psicossociais, como a ansiedade e a depressão (6,7). Um levantamento realizado com 4.693 brasileiros feito pelo grupo Abril, em maio de 2020, evidenciou que 59% dos entrevistados definem “insegurança” como a palavra que mais retrata seu sentimento em relação a pandemia e seus desdobramentos, e ainda que 47% do mesmo grupo demonstra ter aumento da ansiedade e dificuldades para dormir. Vulneráveis por diferentes aspectos, a população economicamente afetada e os pacientes psiquiátricos – ou em potencial – que até então representavam grupos que comungavam de pequenos pontos de tangência, agora tornam-se cada vez mais próximos (6,7).
Esse impacto negativo à saúde mental dos grupos vulneráveis, e de detentores de um baixo estado de bem-estar social, de problemas relativos à infraestrutura básica, má distribuição de renda e do acesso a diferentes serviços, é visto em países subdesenvolvidos que se caracterizam por tratar os assuntos que dizem respeito à psique com menor responsabilidade (5).
Na tentativa de manter tratamentos e diminuir a necessidade de consultas presenciais, o Ministério da Saúde do Brasil publicou uma nota no diário oficial permitindo que as prescrições de medicamentos controlados sejam válidas por seis meses, ponto polêmico discutido por psiquiatras que defendem a necessidade de haver o atendimento e acompanhamento de seus assistidos, além dos riscos que o acúmulo de medicamentos por pacientes psiquiátricos pode acarretar (5,8).
Compreender e analisar os impactos e desdobramentos referentes a situação de estresse e isolamento impostos pela pandemia, sobre a população em geral, é urgente. Na medida que a pandemia se estende, a população vulnerável é mais exposta a seus efeitos negativos. Seja relativo ao desenvolvimento de transtornos compulsivos, de ansiedade ou depressão – que podem levar ao suicídio (6, 9, 10), torna-se alarmante a situação de diversos grupos. O conhecimento acerca da relação entre o estresse fruto da pandemia e transtornos psicológicos, sociais e comportamentais se faz necessário.
Este estudo tem por objetivo compilar informações da literatura disponível nas bases de dados e levantar a discussão acerca dos impactos que a pandemia decorrente da doença COVID19, causada pelo novo coronavirus, SARS-COV-2, vem causando sobre a saúde mental da população, com enfoque nos grupos considerados mais vulneráveis a seus efeitos.
Metodologia:
O presente estudo foi realizado por meio do levantamento de artigos em português, inglês e espanhol disponíveis nas bases de dados PUBMED, SciElo e Google Acadêmico, bem como canais oficiais internacionais relativos à psiquiatria e saúde. A pesquisa foi realizada pelos descritores: covid, transtornos mentais, mental sidorders, pandemic, isolation, isolamento social, suicid e violence, e levou em consideração publicações entre setembro de 2019 e julho de 2020.
Discussão:
A ansiedade, considerada um dos componentes do “mal do século”, que de acordo com o Ministério da Saúde, é caracterizada como um fenômeno que ora nos beneficia ora nos prejudica, dependendo das circunstâncias ou intensidade, podendo tornar-se patológica, o que é prejudicial ao funcionamento psíquico e somático do ser humano. Diversos fenômenos podem se apresentar como fator desencadeante de picos de ansiedade, bem como para o desenvolvimento dos transtornos de ansiedade (11). Dessa forma, as medidas de isolamento social adotadas na presente pandemia têm seu papel no controle da disseminação do SARSCOV-2, no entanto, com o prolongar da situação, evidenciam um outro problema: a penetrância negativa sobre a saúde mental da população vulnerável.
Tido como o meio mais eficaz de se combater a onda de alastramento da COVID 19 (3), o distanciamento social tem sido adotado em diversos países, principalmente a partir da classificação do estado de pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020 (12) e da recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) em maio do mesmo ano (13). Com esse isolamento, diversos grupos sociais foram afetados, seja economicamente, pelo fechamento do comércio e produção não essencial, ou pelo isolamento ao qual a população foi submetida. Restritos aos seus lares, os problemas sociais relativos à família e ao indivíduo foram intensificados, como demonstrado pelo aumento no número de violência doméstica e suicídios (14,18).
Em levantamento realizado pela Agência Brasil e publicado no Fórum Brasileiro de Segurança Pública foi possível perceber uma queda no número de denúncias de violência doméstica. Em contraponto, houve um aumento de 46,2% a 300% no número de feminicídios entre os estados brasileiros em 2020, quando comparado ao ano de 2019. Esses números demonstram o aumento da violência e a maior dificuldade das vítimas em realizar denúncias (14).
No tópico suicídio, a discussão levantada pelo portal digital PEBMED, braço da plataforma médica White Book, acerca do impacto da pandemia no risco de suicídio é ilustrada pela publicação do epidemiologista e suicidologista inglês e professor na Universidade de Bristol – Inglaterra, David Gunnel (15). Em seu artigo publicado na The Lancet Psychiatry, em junho de 2020, o professor defende a relação entre períodos de pandemias e crises com o aumento no número de suicídios (16, 17). A teoria levantada pelo professor britânico se torna ainda mais preocupante ao passo que as taxas de suicídio já têm crescido na última década (18).
Sob esses fenômenos, deve destacar-se a população marginalizada e mais afetada pela pandemia e seus desdobramentos. Em estudo internacional publicado em julho de 2020, realizado por meio de levantamento e análise de dados estatísticos, com uma amostra de 1.568 voluntários, os departamentos de psiquiatria das instituições University of Regina, Fordham University, University of British Columbia constataram que os fatores agravantes para o desenvolvimento de transtornos emocionais estão intrinsicamente ligados a exposição ao assunto, condição sócio econômica, idade, cor e sexo. Como maiores vítimas estão a população idosa de forma geral e mulheres adultas não brancas de baixa renda (9). Diante disso, é possível constatar a grande relação entre o isolamento social e desenvolvimento de transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade. Transtornos de humor já existentes também podem se intensificar, uma vez que pacientes já controlados, ou ainda não diagnosticados, tem seus transtornos agravados e aflorados (9).
Em paralelo ao estudo norte americano, a Universidade Regional da Bahia (UNIRB) realizou uma metanálise de artigos relativos ao impacto da pandemia sobre transtornos mentais e o risco de suicídio. Nesta publicação, puderam concluir que os profissionais da saúde qualificam o grupo de maior incidência de desenvolvimento de transtornos do sono com características de Transtorno Emocional Pós-Traumático (TEPT). Seguido do grupo formado por pacientes psiquiátricos e população de baixa renda (10, 19). Fomentando a discussão acerca do aumento das taxas de suicídios no Brasil e no mundo.
Em consonância às pesquisas apresentadas, o estudo multicêntrico realizado por universidades da China, Alemanha, Itália e Israel, por meio de um questionário destinado aos responsáveis de 320 crianças e adolescentes chineses e europeus, seguindo os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) (20), constatou alterações no perfil dos analisados. Entre essas alterações, destacam-se o aumento da frequência de sono ruim, falta de apetite, desconforto físico e agitação, evidenciando o impacto do estresse decorrente da pandemia nestas crianças. Assim, essa dificuldade e sofrimento psicológico podem representar o “primeiro passo” para o desenvolvimento de distúrbios comportamentais e emocionais, não apenas em crianças, no entanto, mais evidente nesta faixa etária. (20)
Conclusão
Sob as perspectivas apresentadas, a influência negativa do estado de pandemia e seus desdobramentos, em especial o distanciamento social, se faz evidente. Grupos sociais mais afetados, como os profissionais da saúde, idosos, mulheres socialmente vulneráveis e crianças são mais suscetíveis aos efeitos colaterais provocados pela pandemia.
O distanciamento social passa então a ser meio e mecanismo para o desenvolvimento e intensificação de distúrbios psicossociais como a ansiedade e a depressão. Neste sentido, a maior ferramenta que temos hoje para impedir a disseminação do SARS-COV-2, paralelamente está impactando negativamente na saúde mental de toda a população mundial. A partir deste entendimento, fazem-se necessárias produções científicas com enfoque nos efeitos negativos do isolamento sobre a saúde mental da população, em especial dos pacientes psiquiátricos, já portadores de transtornos mentais ou psicossociais. Para que, dessa forma, seja possível prever e preparar a comunidade médica para o cenário pós pandêmicos e seus efeitos, sejam de curto, médio ou longo prazo.
Referências:
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Caliel Ribeiro Simas* – acadêmico do sexto período de Medicina da Universidade de Taubaté
Prof. Dra. Márcia Gonçalves** – Professora de Psicologia médica, psicopatologia e psiquiatria – Universidade de Taubaté