Agosto de 2020 – Vol. 25 – Nº 8

Fernando Portela Câmara, MD, PhD

Diretor-fundador do Instituto Stokastos

 

À medida que lidamos com pacientes com a Covid-19, estamos também começando a lidar com os sobreviventes das formas graves e descobrindo que seu agente. O vírus SARS-CoV-2. não é somente viscerotrópíco, mas também neurotrópico, portanto um vírus pantrópico. Isto por si só já é um indicativo de um vírus perigoso e letal.

Sintomas de comprometimento do sistema nervoso central na Covid-19 vêm ganhando importância e preocupação. Cefaleia intensa, adinamia, alguma confusão mental, e anosmia algumas vezes associada à disgeusia, já denotam isso, mas agora se descobre que nos pacientes graves os sintomas neurológicos podem se manifestar de forma importante.

Na minha experiência, tenho observado ansiedade e insônia em pacientes acima dos 50 anos de idade que estiveram internados, destacando-se a queixa de comprometimento da memória. Como são casos ainda recentes, não dá para dizer se esse déficit é neurológico ou neuropsiquiátrico, permanente ou transitório. Todos tiveram anosmia que regrediu em cerca de uma semana a um mês. É interessante observar aqui que anosmia também ocorre transitoriamente nas gripes fortes, rinite alérgica ou por rinovírus e na parainfluenza, porém nesses casos o sintoma decorre da obstrução das terminações nervosas por muco, enquanto na Covid-19 seria por bloqueio nervoso central.

Em um estudo conduzido pela Sociedade Espanhola de Neurologia com 3.500 pacientes que tiveram a forma grave da Covid-19, cerca de metade deles manifestaram alterações neurológicas importantes. Outro estudo importante realizado com 841 pacientes internados mostrou que 57,4% deles apresentavam um ou mais sintomas neurológicos, variando de mialgias de origem central até alterações de consciência, estas nos pacientes idosos (Romero-Sánchez et al, 2020). No conjunto, outros 20% exibiram sintoma neuropsiquiátricos típicos, como ansiedade, insônia e psicose. Os sintomas neurológicos mais comuns (1% a 5% dos casos) foram miopatias e disautonomia, e em alguns casos AVC. Por outro lado, anosmia e disgeusia incidiram em 90% dos casos.

Outro estudo mais detalhado sobre a ocorrência de AVC na Covid-19 foi conduzido com 1.683 pacientes durante 50 dias, e em 1,4% deles foram encontradas alterações cerebrovasculares importantes, incluindo AVC (Hernandez-Fernández et al, 2020). O aspecto típico aqui foi o de pequenos focos de microangiopatias trombóticas, o que faz suspeitar que o vírus talvez possa romper a barreira hematoencefálica ao promover lesões endoteliais.

Referências

Hernández-Fernández F, Valencia HS, Barbella-Aponte RA, Collado-Jiménez R, Ayo-Martín O, Barrena C et al. Cerebrovascular disease in patients with COVID-19: neuroimaging, histological and clinical description, Brain, awaa239, July 22, 2020, DOI: 10.1093/brain/awaa239

Romero-Sánchez CM, Díaz-Maroto I, Fernández-Díaz E, Sánchez-Larsen A, Layos-Romero A, García-García J et al. Neurologic manifestations in hospitalized patients with COVID-19: The ALBACOVID registry, Neurology Ju2020; DOI: 10.1212/WNL.0000000000009937

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