No final do Século XIX, em Viena, Sigmund Freud (1858-1926) criou a Psicanálise como uma teoria com o intuito de desvendar os mistérios da mente humana e introduziu os conceitos de Inconsciente e de Sexualidade Infantil. À medida que investigava e procurava tratar pacientes histéricas, Freud desenvolveu a Psicanalise como um método específico para o tratamento de problemas emocionais. Tanto como teoria, como também como tratamento, a psicanálise influenciou a cultural ocidental durante todo o Século XX, não só em relação às patologias mentais, mas também nas artes, na literatura, na filosofia e, até mesmo, no cotidiano das pessoas.
Em meados do Século XX, ao término da II Guerra Mundial, surge a necessidade de atendimento psiquiátrico ao imenso contingente de soldados sobreviventes. Essa demanda leva a uma busca de alternativas de tratamento viáveis. Em face aos parcos conhecimentos da psiquiatria biológica na época, a primeira medicação antipsicótica – Clorpromazina – é descoberta na França por Delay e Denicker em 1953, dando inicio à chamada Revolução Bioquímica da Psiquiatria. Na Inglaterra, Balint desenvolve técnicas de terapia de grupos no Instituto Tavistock de Londres. Nos USA novas abordagens psicoterapêuticas, como a Cognitiva-Comportamental, de A. Beck, e a Terapia Racional, de A. Ellis são desenvolvidas. O Presidente J.F. Kennedy, provavelmente sensibilizado por uma irmã com sérios problemas crônicos de Saúde Mental, cria uma regulamentação incentivando o atendimento preventivo em Centros Comunitários de Saúde Mental em todo o país.
Na Década de 70, novas técnicas psicoterapêuticas que vinham sendo desenvolvidas a partir dos conhecimentos psicanalíticos, começam a se libertar da rigidez das regras técnicas e teóricas estabelecidas originalmente por S. Freud. A referência aos padrões e modelo da Psicanálise era necessária já que esta era a única forma de tratamento psicológico com reconhecimento científico. Desta vez, ao contrário do que ocorreu na década de 20 com a tentativa frustrada feita por S. Ferenczi e O. Rank, discípulos diretos de Freud, que tentaram encurtar o tempo de duração dos tratamentos psicanalíticos, as barreiras de controle institucional às tentativas de mudanças são ultrapassadas.
Inclusive, hoje em dia, encontramos várias formas de tratamento psicoterapêutico breve, e muitas não têm origem na psicanálise. Em uma simplificação didática, as Psicoterapias Breves podem ser divididas atualmente em duas grandes categorias: as de orientação psicodinâmica e as de abordagem cognitiva-comportamental. As terapias de linha comportamental e cognitiva, muitas vezes são até mais curtas do que as psicodinâmicas. E as de linha psicodinâmica são baseadas nas contribuições e desafios feitos à abordagem psicanalítica freudiana, feitos nos USA por F. Alexander e P. Sifneos, e na Inglaterra por D. Malan.
O Movimento Antipsiquiátrico, iniciado originalmente por R.Laing e D.Cooper na Inglaterra e T. Szasz nos USA e M. Foucault, na França, difunde-se bastante nos anos setenta, possivelmente devido às circunstâncias da época – questionadora e desafiante dos hippies e dos estudantes universitários norte-americanos reagindo contra a Guerra do Vietnã. Não só os tratamentos psiquiátricos vigentes, mas também a validade dos diagnósticos psiquiátricos, que só serviriam para rotular e estigmatizar socialmente os indivíduos com problemas mentais eram questionados. Surge então uma reação, em conjunto, na maioria dos Departamentos de Psiquiatria das Universidades Norte-Americanas e da Associação Psiquiátrica Americana (APA). Esse movimento, posteriormente denominado Revolução Científica da Psiquiatria, resultou numa nova classificação das doenças mentais da APA – o DSM-III (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 3. ed.1980). Essa nova classificação repercutiu não só na psiquiatria americana, mas também no resto do mundo, provocando mudanças importantes na Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial da Saúde (CID 10/ OMS). E a tendência na psiquiatria passou a ser a de procurar uma abordagem descritiva na classificação dos problemas mentais, de forma que diferentes profissionais da área de saúde mental pudessem identificar de forma objetiva os diversos distúrbios mentais.
No final do Século XX, chamou-se de “Década do Cérebro” aos anos 90 em função do enorme desenvolvimento nas técnicas de Neuroimagem e pelo acúmulo de resultados de pesquisas das Neurociências. Há muitos anos que E. Kandel tentava comprovar os conceitos teóricos de Freud na Universidade de Columbia em Nova York através de métodos científicos rigorosos e, em 2000, ele recebe o Premio Nobel de Medicina por suas descobertas sobre o mecanismo de funcionamento da memória e a capacidade de plasticidade neuronal do cérebro humano.
No inicio do Século XXI, a Pesquisa Translacional passou a ser essencial na área da Psiquiatria, tornando viável o que havia sido previsto por Freud cem anos atrás: “Podemos esperar que daqui a dezenas de anos a biologia nos surpreenda com respostas e informações que não podemos imaginar para as questões que agora fazemos. Elas poderão ser de um tipo que venham a destruir toda a estrutura artificial de nossas hipóteses.” (“Além do Princípio do Prazer” 1920).
Os resultados das pesquisas dos Projetos Genoma e Celera em 2001 explicaram que os genes representam os alicerces da maioria das características humanas e que a essência do ser humano está na interação dos genes com o ambiente – Epigenética. Eis que agora as descobertas de modernas pesquisas de neurociência estão sendo diretamente traduzidas/aplicadas na prática clínica, comprovando e corroborando várias hipóteses teóricas de Freud e outras não.
As imagens de Ressonância Magnética Funcional estão demonstrando que o cérebro e o corpo são indissociavelmente integrados por circuitos bioquímicos e neurais recíprocos, sendo, portanto, impossível separar os fenômenos psíquicos e sociais dos fenômenos corporais. Além disso, os dados científicos de imagem cerebral confirmam a capacidade de plasticidade cerebral do ser humano, e mostram que um processo psicoterapêutico eficaz que provoque reestruturação emocional do paciente leva à formação de novas redes de conexões neuronais através de experiências de reaprendizagem emocional. E desta forma explicam os Conceitos de Experiência Emocional Corretiva e Efeito Carambola, ambos na base teórica da Psicoterapia Breve Focal, pela formatação dos trajetos neuronais para as percepções e comportamentos, permitindo que a reformulação de uma área cerebral provoque repercussões em outras áreas.
Apesar de todo o progresso obtido nesses últimos cem anos, ainda falta muito para se conseguir aprofundar o conhecimento do funcionamento do cérebro humano. Assim que durante o Encontro Anual da APA em Nova York, em 2015, o então Vice-Presidente Norte-Americano, Joe Biden, apresentou oficialmente ao meio psiquiátrico o Projeto Conectoma Humano do Instituto Nacional de Saúde do Governo Americano. O objetivo deste projeto é o de mapear os circuitos do cérebro humano e abrir novas linhas de pesquisa para a neurociência humana. E os Diretores do Instituto de Saúde e de Saúde Mental e o Prêmio Nobel, E. Kandel, em suas respectivas palestras, afirmaram que nos próximos anos, até o final desse ambicioso projeto, não é provável que surjam grandes novidades na área de tratamento e cuidados das doenças mentais. Portanto, nesse inicio do Terceiro Milênio, só nos resta esperar pelas novas descobertas e, enquanto isso, ir usando de forma criativa os recursos que já temos e que já estão cientificamente comprovados em sua eficácia pelos resultados de pesquisas com o objetivo de cuidarmos da melhor maneira possível os nossos pacientes.