Sérgio Telles
Não conheço quem não tenha ficado impressionado com o “jogo do copo”, aquela brincadeira em que se colocam as letras do alfabeto em semicírculo e um copo emborcado no centro sobre o qual os participantes colocam o dedo indicador e, sem que ninguém o pressione, o copo misteriosamente começa a se movimentar, encaminhando-se para as letras e formando palavras, configurando supostas mensagens do além.
O que chamamos de “jogo do copo” é chamado de “Ouija board” nos países anglófonos.
O tablado ou mesa Ouija é um produto comercial muito bem-sucedido inventado nos Estados Unidos, quando ali chegou a onda de espiritismo que varreu a Europa em meados do século XIX.
O produto consistia numa tábua de madeira com as letras colocadas em semicírculo, as palavras “sim” e “não” impressas juntamente com os números de 1 a 10 e, ao invés do copo existente em nossa versão tupiniquim, uma palheta que deslizava pela tábua.
Concebido o produto, restava dar-lhe um nome para sua comercialização. Consta que a irmã de um dos sócios do empreendimento, que se dizia médium, perguntou à própria mesa (!) como ela deveria ser chamada e o “além” respondeu com esse nome “Ouija”, explicando que significava ‘boa sorte’ numa língua desconhecida. Os mais céticos afirmavam que a suposta médium tinha em sua casa um porta-retrato com a foto de Ouida, pseudônimo de uma escritora inglesa então muito popular, o que poderia ter facilitado o trabalho dos espíritos na escolha do nome.
Durante mais de 100 anos a mesa Oiuja despertou variado nível de credulidade. Havia os que a usavam apenas como um instigante jogo de salão e os que a viam como um efetivo meio de comunicação com os mortos – o que suscitava forte oposição dos médiuns estabelecidos, que se revoltavam com a usurpação de uma função da qual até então tinham o monopólio.
É claro que o espiritismo – sistematizado naquele momento por Allan Kardec – entrou em choque com as religiões oficiais, que não queriam perder seu papel de único mediador entre o criador e suas criaturas, muito menos permitir o fácil contato das almas com os viventes. Suas doutrinas religiosas afirmavam que às almas só cabiam três possibilidades – 1) o ficar em beatífico gozo com a presença divina, sem que nada mais lhes interessasse; 2) o ficar aprisionadas nos caldeirões do inferno e 3) o permanecer nas infindáveis e aborrecidas filas burocráticas do purgatório, esperando cumprir a pena para subir aos céus. Não teriam, pois, tempo, disposição ou permissão superior para vir conversar com os familiares vivos, muito menos para realizar incontáveis reencarnações nesse vale de lágrimas.
Assim como as religiões atendem a uma angústia maior relacionada à morte do próprio sujeito, o espiritismo atende mais às vicissitudes do luto. Grande parte dos crentes no espiritismo são pessoas que perderam um ente querido e querem prolongar por algum tempo o contato com ele, acertar contas, pedir desculpas pelas eventuais brigas, perdoar e ser perdoado. Na sessão espírita há uma mediação para que o morto descanse em paz e sem desejos vingativos, deixando o familiar vivo tranquilo, podendo dormir o sono dos justos.
A própria morte e a morte dos entes queridos são fatos incontornáveis que sempre farão parte de nossas vidas e, por isso mesmo, as religiões e o espiritismo têm vida longa garantida, assim como o “jogo do copo”.
Em função do filme “O Exorcista”, nos anos 80 houve uma sensível mudança na cultura quanto à receptividade do “jogo do copo”. Ele deixou de ser visto como um reconfortante meio de comunicação com os mortos queridos ou uma inofensiva brincadeira e passou a ser considerado como uma atividade reprovável e temerária que poderia convocar os poderes do mal e suas forças negativas, o que fez despencar sua popularidade, prejudicando sua dimensão comercial. Curiosamente esse foi o mesmo argumento usado pela igreja católica no auge da moda do espiritismo, com suas mesas dançantes, suas sessões, seus ectoplasmas e contatos com o além. A igreja afirmou que tudo aquilo era obra do diabo e condenou sumariamente tais práticas malignas.
Mais recentemente ainda, houve uma outra reviravolta no uso do “jogo do copo” ligada ao fato de permanecer inexplicado o movimento do copo e das mesas. Excluída a ideia de que eram os espíritos que as movimentavam, atribuiu-se o fenômeno a um “efeito ideomotor”, decorrente de impulsos inconscientes dos que participavam das sessões espíritas. Assim, pesquisadores da University of British Columbia´s Visual Cognition Lab1, propõem que o “jogo do copo” poderia vir a ser usado para mostrar não a existência do além e, sim, a existência do inconsciente.
Tal afirmação em nada surpreende o psicanalista. O que o surpreende e o faz lamentar é que em nenhum momento sejam citados Freud e a psicanálise, descobridores e desbravadores dessa dimensão do psiquismo.