Walmor J. Piccinini

 

“A assistência psiquiátrica impõe-se como técnica, e eticamente necessária, sempre que há um transtorno mental identificado, apresentando à pessoa um quadro clinicamente significativo e acompanhado de sofrimento ou incapacidade”. (Miguel Jorge, Josimar Freitas em 2001).

Em tempo recorde foi aprovada em Brasília a lei 13.819 de 26 de abril de 2019. Lei proposta pelo ex-deputado Terra e com apoio total da ABP através da atuação do Dr. Antônio Geraldo da Silva seu ex-presidente e atual Tesoureiro contando com a ajuda do Dr. Quirino Cordeiro atual coordenador do SENAD.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

Publicado em: 29/04/2019 1 Edição: 8i 1 Seção: 11 Página: 1

Órgão: Atos do Poder Legislativo

LEI N° 13.819, DE 26 DE ABRIL DE 2019

Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do

Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com

os Estados, o Distrito Federal e os Municípios: e altera a Lei n°

9.656, de 3 de junho de 1998.

OPRESIDENTEDAREPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° Esta Lei institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser

implementada pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal.

Art. 2° Fica instituída a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, como estratégia

permanente do poder público para a prevenção desses eventos e para o tratamento dos condicionantes a eles associados.

Parágrafo único. A Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio será implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e com a participação da sociedade civil e de instituições privadas.

Art. 3° São objetivos da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio:

I – Promover a saúde mental;

II – Prevenir a violência autoprovocada;

III – controlar os fatores determinantes e condicionantes da saúde mental;

IV – Garantir o acesso à atenção psicossocial das pessoas em sofrimento psíquico agudo ou crônico, especialmente daquelas com histórico de ideação suicida, automutilações e tentativa de suicídio;

V – Abordar adequadamente os familiares e as pessoas próximas das vítimas de suicídio e garantir-Lhes assistência psicossocial;

VI – Informar e sensibilizar a sociedade sobre a importância e a relevância das lesões autoprovocadas como problemas de saúde pública passíveis de prevenção;

VII – promover a articulação intersetorial para a prevenção do suicídio, envolvendo entidades de saúde, educação, comunicação, imprensa, polícia, entre outras;

VIII – promover a notificação de eventos, o desenvolvimento e o aprimoramento de métodos de coleta e análise de dados sobre automutilações, tentativas de suicídio e suicídios consumados, envolvendo a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e os estabelecimentos de saúde e de medicina legal, para subsidiar a formulação de políticas e tomadas de decisão;

IX – Promover a educação permanente de gestores e de profissionais de saúde em todos os níveis de atendimento gratuito e sigiloso de pessoas em sofrimento psíquico.

1.° Deverão ser adotadas outras formas de comunicação, além da prevista no caput deste artigo, que facilitem o contato, observados os meios mais utilizados pela população.

5 2° Os atendentes do serviço previsto no caput deste artigo deverão ter qualificação adequada, na forma de regulamento,

5 3° O serviço previsto no caput deste artigo deverá ter ampla divulgação em estabelecimentos com alto fluxo de pessoas, assim como por meio de campanhas publicitárias.

Art. 5° O poder público poderá celebrar parcerias com empresas provedoras de conteúdo digital, mecanismos de pesquisa da internet, gerenciadores de mídias sociais, entre outros, para a divulgação dos serviços de atendimento a pessoas em sofrimento psíquico.

Art. 6° Os casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada são de notificação compulsória pelos:

I – Estabelecimentos de saúde públicos e privados às autoridades sanitárias;

II – Estabelecimentos de ensino públicos e privados ao conselho tutelar.

1° Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência autoprovocada:

I – O suicídio consumado:

II – A tentativa de suicídio;

III – o ato de automutilação, com ou sem ideação suicida.

2° Nos casos que envolverem criança ou adolescente, o conselho tutelar deverá receber a notificação de que trata o inciso 1 do caput deste artigo, nos termos de regulamento.

5 3° A notificação compulsória prevista no caput deste artigo tem caráter sigiloso, e as autoridades que a tenham recebido ficam obrigadas a manter o sigilo.

5 4° Os estabelecimentos de saúde públicos e privados previstos no inciso I do caput deste artigo deverão informar e treinar os profissionais que atendem pacientes em seu recinto quanto aos procedimentos de notificação estabelecidos nesta Lei.

5 5° Os estabelecimentos de ensino públicos e privados de que trata o inciso II do caput deste artigo deverão informar e treinar os profissionais que trabalham em seu recinto quanto aos procedimentos de notificação estabelecidos nesta Lei.

5 6° Regulamento disciplinará a forma de comunicação entre o conselho tutelar e a autoridade sanitária, de forma a integrar suas ações nessa área.

Art. 7° Nos casos que envolverem investigação de suspeita de suicídio, a autoridade competente deverá comunicar à autoridade sanitária a conclusão do inquérito policial que apurou as circunstâncias da morte.

Art, 8° (VETADO).

Art. 9° Aplica-se, no que couber, à notificação compulsória prevista nesta Lei, o disposto na Lei n° 6.259, de 3o de outubro de 1975.

Art.1o. A Lei n° 9.656, de 3 de junho de 1998, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 1o-C:”Art. 1o-C. Os produtos de que tratam o inciso 1 do caput o g 1° do art. 1° desta Lei deverão incluir cobertura de atendimento à violência autoprovocada e às tentativas de suicídio.”

Brasília. 26 de abril de 2019; 198° da Independência e 131° da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

SÉRGIO MORO

ABRAHAM BRAGANÇA DE VASCONCELLOS WEINTRAUB

LUIZ HENRIQUE MANDETTA

DAMARES REGINA ALVES

ANDRÉ LUIZ DE ALMEIDA MENDONÇA

 

Esta lei assinala uma mudança de atitude em relação aos inúmeros problemas que brotam no dia a dia dos brasileiros. Tornar a notificação compulsória de tentativas de suicídio e automutilação vai revelar questões que estavam diluídas na tragédia diária de muitos adolescentes e jovens adultos. Identificar o problema, encaminhar para a assistência pública vai obrigar ao Governo a se aparelhar para atingir este objetivo. Equipes multiprofissionais terão oportunidade para um trabalho conjunto.

Para entender o que estava acontecendo com a ação de antipsiquiatras sugiro a leitura do artigo do Professor Valentin Gentil Filho publicado na Revista da USP em 1999.

Transcrevo também um artigo publicado em 2014 na Psychiatry Online Brasil

AS LEIS PSIQUIÁTRICAS ESTADUAIS NUMA VISÃO CRÍTICA

A segunda metade do século XX trouxe profundas transformações para a psiquiatria e sua prática. A descoberta dos antipsicóticos, as novas abordagens redescobrindo os direitos dos pacientes, a possibilidade do esvaziamento dos grandes hospitais e o desenvolvimento da psiquiatria de comunidade despertou novas forças antipsiquiátricas.

Os anos 90 foram denominados por Reagan a década do cérebro. No Brasil tivemos uma extraordinária articulação política integrada por correntes de diferentes partidos políticos todos unidos no fechamento dos hospitais psiquiátricos que passaram a receber a pecha de manicômios.  Como bem disse o Professor Valentim Gentil Filho: “Não é por culpa dos psiquiatras, nem por desvios na nossa formação, que a assistência em saúde mental no Brasil é hospitalocêntrica, manicomial, ineficaz, cronificante e desumana. Ela é assim justamente por estar defasada da moderna psiquiatria”.

A Psiquiatria, pela natureza do seu objeto de estudo, é destinada a ser estimada e detestada, analisada e desconsiderada, negligenciada e debatida. Psiquiatria enfrenta muitas das contradições humanas que quase todo mundo gostaria de ignorar ou negar. No entanto, em psiquiatria, assim como na vida, os sintomas nos informam dos conflitos que assolam a pessoa. Qualquer disciplina que tenha a coragem de se dirigir a este conjunto de condições que vão do politicamente oprimido, ao socialmente marginalizados, ao sexualmente desviado, ao ansioso, ao intimamente abusado, ao pervertido moral, o imprevisível irracional e emocional, pode ser encarada como ameaçadora.

“Entretanto, impedir a modernização dos hospitais, é crucial para quem pretende “desconstruir” a psiquiatria. Suas razões não são econômicas, nem técnicas e, muito menos, de direitos humanos. São exclusivamente ideológicas e políticas, inspiradas em Franco Basaglia, um modelo malsucedido na Itália, exceto em alguns poucos centros, rejeitado por todo o mundo desenvolvido, e exportado para a América Latina pelo Instituto Mário Negri, de Milão”. (V. Gentil)

Dentro dessa estratégia geral, os postos diretivos da saúde mental brasileira foram sendo ocupados por integrantes do “movimento de trabalhadores em saúde mental” e do seu derivado, o “movimento da luta antimanicomial”. A aparência de representatividade foi tentada por meio de fóruns e conferências orquestradas, à margem da psiquiatria, assessoradas por aqueles serviços estrangeiros,6 e com “resoluções” previamente redigidas, como se percebe pela comparação dos anais da II Conferência Nacional de Saúde Mental com os textos dos projetos de lei anteriores a ela, submetidos aos legislativos estaduais.

Campolina, H. num artigo intitulado Psiquiatrofobia publicado no Jornal Mineiro de Psiquiatria (n22 de agosto de 2005). Apresenta duas citações que marcam os reais motivos políticos por trás do movimento:

1) O hospital psiquiátrico é um mal em si mesmo. Ex.: “O hospital enquanto existir sempre terá um caráter asilar, tutelar, cronificante.” (1) (Passos, 2003).

2) A psiquiatria é perversa em teoria e prática. Ex.: “Não se trata, portanto apenas de questionarmos radicalmente essa instituição [o hospital psiquiátrico], mas de questionarmos radicalmente a psiquiatria sobre seus conhecimentos, poderes e códigos de comportamento.” (2) (Rotelli, 1991; deste, nós sabemos a extensão de experiência… política).

Leis de matriz única.

É notável como o grupo ideológico por trás da “Reforma Psiquiátrica” conseguiu implantar em diferentes estados e com diferentes partidos políticos leis que passaram a direcionar o atendimento psiquiátrico no Brasil. A origem foi o projeto Paulo Delgado que circulou pelos gabinetes de Brasília e não foi aprovado. O que foi aprovado foi um substitutivo que foi o produto de intensas negociações.

O modelo de legislação estadual foi aquele aprovado no Rio Grande do Sul em 7 de agosto de 1992. Lei de número 9716. O Governador era Alceu Collares (do PDT).

No mesmo dia 7 de agosto de 1992 foi aprovada a Lei de número 5.267 no Espírito Santo. O governador era Victor Buaíz. (PT)

No dia 29 de setembro de 1993 foi à vez do Estado do Ceará com a Lei de número 12.151 de 29 de julho de 1993. O Governador era Ciro Ferreira Gomes. (PSB)

Em 16 de maio de 1994 foi aprovada em Pernambuco a Lei de número 11.064 e o Governador era Miguel Arraes. (PMDB)

Minas Gerais aprovou sua lei em 18.01.1995 e o governador era Eduardo Azeredo (do PSDB).

Em 9 de novembro de 1995 foi a vez do Paraná aprovar a Lei 11.189 que foi sancionada por Jaime Lerner. (PDT)

No mesmo ano de 1995, no dia 12 de dezembro o Distrito Federal aprovou a Lei de número 975 sancionada pelo Governador Cristovam Buarque. (PDT).

Pequenos detalhes de redação marcam a diferença entre todas as leis. O que está presente em todas é a proibição de construir novos hospitais psiquiátricos naqueles estados. Há sempre uma preocupação em defesa dos direitos dos pacientes com se fossem vítimas em potencial das maldades da psiquiatria. A mudança de partido deixa uma incógnita nas ideologias dos governadores, aparentemente a maioria era do PDT).

A preocupação com a maldade dos psiquiatras impediu que percebessem que estavam transformando pacientes em criminosos. A partir da desativação dos leitos, os pacientes voltaram a serem recolhidos a cadeia pública e presídios como acontecia no século XIX e início do século XX.

Novos dilemas.

A Lei Federal 10.216 de 6 de abril de 2001 que é bem menos restritiva que as leis estaduais, contém alguns aspectos de defesa da cidadania onde pressupõe que fosse prática corrente pelos psiquiatras de práticas “soviéticas” contra o doente mental. No Art. 2º. Trata das informações que devem ser prestadas aos pacientes e familiares. No parágrafo único são enumerados os direitos dos pacientes:

I- Ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo com as suas necessidades.

II – Ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho, na comunidade.

III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV – Ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V – Ter direito à presença médica, em qualquer tempo para esclarecer a necessidade ou não da sua hospitalização involuntária;

VI – Ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII- receber o maior número de informações a respeito da sua doença e de seu tratamento;

VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX – Ser tratada, preferencialmente em serviços com recursos de saúde mental.

As leis estaduais continham recomendações semelhantes, principalmente do Espírito Santo e do Distrito Federal.

Como já examinamos. A lei federal não proíbe a internação nem a abertura de novos leitos psiquiátricos. As leis estaduais, na maioria, com maior ou menor destaque, proíbem a abertura de novos leitos.

No geral, todas as leis vêm com características de impedimento do livre exercício da psiquiatria em todas as suas possibilidades. Imaginam se nas UTIs fossem estabelecidas regras para entubar ou não um paciente, uso ou não de ventilação mecânica, fossem criadas regras externas para a atuação do intensivista. Na psiquiatria não houve nenhum cuidado em respeitar o progresso da ciência.  Estas são algumas considerações para que pensem a respeito do problema criado por ativistas políticos antipsiquiatras.

Bibliografia consultada

A Associação Brasileira de Psiquiatria e a Reforma da Assistência …

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462001000100002

Legislação em Saúde Mental 1990 – 2004 – Biblioteca Virtual em Saúde

bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/legislacao_saude_mental_1990_2004_5ed.pdf

 

As leis psiquiátricas Estaduais numa visão crítica

https://www.polbr.med.br/ano14/wal0914.php

Uma leitura anotada do projeto brasileiro de “Reforma Psiquiátrica ”

https://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/28471/30327/

 

 

 

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