Fernando Portela Câmara, MD, PhD
Diretor científico do Instituto Stokastos
http://institutostokastos.com.br/
Um vídeo muito interessante e instigante, liberado recentemente pela revista Science, resume o estado atual das pesquisas sobre expressão gênica após a morte.
https://www.youtube.com/watch?time_continue=4&v=GWR7QZXyPLs
Nem todas as células morrem junto com o corpo, algumas podem ficar ativas por mais tempo, sugerindo que alguns genes continuam trabalhando após a morte. Não sendo inteligentes, senão apenas meros algoritmos, eles nada sabem ou percebem a tragédia que nós humanos, em consciência, tanto tememos e rogamos misericórdia aos deuses e à medicina techno, com suas panacéias rejuvenescedoras e antienvelhecimento… E para o horror de muito, estudos recentes mostram que a consciência sobrevive por algum tempo (esperemos que por momentos breves) após a morte (https://www.youtube.com/watch?v=WnoIf2NwaRY). (Sentiremos dor ao doar os órgãos logo após? Ouviremos as pessoas ao redor, sentiremos a angústia dos maus tratos com o corpo morto? Um pouco de paranóia aqui pode ser importante para uma boa reflexão…, como Freud recomendava.)
Algumas horas após a morte, a rigidez cadavérica se instala – todos os músculos se contraem irreversivelmente, dando ao corpo uma aparência rígida. Dois a quatro dias depois, a degradação das proteínas musculares causa seu relaxamento, dando início à putrefação. Em seguida, as bactérias anteriormente presentes nos organismos e microorganismo externos (bactérias, fungos, insetos e outros invertebrados) alimentam-se do cadáver, sucedendo espécies após espécies numa ordem que segue de acordo com o estágio de decomposição, até não restar mais nada a consumir. Esse processo pode levar anos, dependendo de vários fatores.
Nos primeiros dias após a morte, algumas células continuam a mostrar sinais de atividade, sugerindo que o DNA ainda é capaz de expressar genes. Isto foi comprovado medindo-se a expressão de cerca de mil genes em ratos e em paulistinhas (um popular peixinho de aquário) por quatro dias após estarem mortos. Descobriu-se que os genes envolvidos na resposta imune, estresse, inflamação e câncer continuavam ativos.
Surpreendentemente, descobriu-se também que genes que eram expressos somente durante o desenvolvimento embrionário eram ativados na morte. Como esses genes silenciam após a fase do desenvolvimento, não mais se expressando pelo resto da vida do indivíduo, levantou-se a hipótese de que algumas condições celulares presentes durante a formação do embrião poderiam ser encontradas na morte. Parece que esses genes voltam a tentar impulsionar novamente vida no organismo…
A atividade de proteínas reguladoras da expressão gênica (nucleossomas, estruturas formadas por oito histonas) aumenta no final da vida, e os genes de desenvolvimento são normalmente bloqueados por essas proteínas, mas após a morte o bloqueio se desfaz e os genes de desenvolvimento despertam.
Em um estudo com mais de 9.000 amostras de 35 tipos diferentes de tecidos de humanos falecidos, descobriu-se que em alguns órgãos, como o cérebro e o baço, a expressão gênica varia apenas ligeiramente. Já nos músculos, a atividade era muito diferente: mais de 600 genes mostravam aumento ou diminuição na sua expressão. Esses diferentes padrões de atividade gênica implicam na existência de mecanismos bioquímicos ativos após a morte.
Ora, a expressão desses genes não pode mudar nada na morte. Contudo, se o organismo está em agonia, a ativação de genes relacionados à inflamação e ao estresse, em derradeira tentativa de restauração da condição vital, pode ser vantajosa. É possível que a expressão post mortem dos genes mencionados seja um traço ou prolongamento da cega tentativa de reinicializar o organismo. Isso me faz pensar… se o genoma não tem instrução ou programa que reconheça a morte, parece que seus algoritmos evoluíram para impulsionar e manter a vida a todo custo… Não existe pulsão de morte na evolução…
Por outro lado, pacientes que recebem órgãos de indivíduos falecidos apresentam maior risco de contrair câncer, o que nos leva a indagar se existe uma relação entre as mudanças na expressão gênica após a morte e o aumento do risco de câncer em receptores de transplantes. Mais uma vez filosofo… na maioria das vezes as células cancerosas proliferam na idade madura e quase inevitavelmente na velhice; seria isso uma tentativa de rejuvenescimento, que para a burra e cega natureza seria o retorno ao principio, quando éramos seres unicelulares imortais, e a vida era vitoriosa sobre a morte?
Bem, para manter o espírito cientifico aqui, alguns cientistas forenses já consideram a descoberta uma contribuição importante para se precisar com grande margem de acerto o tempo de morte de uma pessoa (http://www.sciencemag.org/news/2018/02/changes-gene-activity-may-one-day-reveal-time-death-crime-victims).