Fernando Portela Câmara, MD, PhD, Prof. UFRJ
Diretor científico do Instituto Stokastos
http://institutostokastos.com.br/
Guilherme Cardoso Portela Camara, B.Ec.
Instituto Stokastos, membro colaborador
“A maior limitação da raça humana é a incapacidade de compreender o poder da função exponencial.” (Albert Bartlett)
Poucas pessoas têm consciência do significado dos grandes números. Boa parte da ciência nasceu do esforço para compensar essa incapacidade. Se pudéssemos correr 280.000.000 de metros por segundo, não haveria necessidade de uma teoria da relatividade especial, pois ela seria um fato óbvio para qualquer pessoa. Se vivêssemos 70.000.000 de anos não haveria necessidade de uma teoria da evolução, pois a constatação da especiação e adaptação seria uma experiência comum. Se pudéssemos assar o pão a 20.000.000 de graus Kelvin, a fusão nuclear não seria um domínio esotérico de físicos, mas um fato que qualquer padeiro saberia.
A maioria das pessoas não consegue ter uma ideia do que significa um milhão, ou distinguir essa quantidade de um bilhão, mas, sobretudo, como números aumentam vertiginosamente quando multiplicados sucessivamente. Pensar com esses números pode salvar economias e o planeta, mostrar como certos modelos institucionais não são mais sustentáveis, ajuda a formular politicas de desenvolvimento, e estimular o pensamento criativo. Os psiquiatras que lutam por politicas assistencialistas na saúde mental poderiam chegar a um acordo se usassem essa ferramenta em suas discussões.
A cegueira cognitiva para o crescimento exponencial – números que se multiplicam vertiginosamente até explodirem em valores assustadores – pode levar a situações críticas quando menos se espera. Uma bactéria em um meio nutritivo divide-se a cada 20 minutos; uma hora depois teremos oito delas no tubo de cultura. Isso é insignificante para uma pessoa, mas em apenas 10 horas teremos mais de 1.000.000.000 de bactérias. Da mesma forma, as epidemias têm um início insidioso; as pessoas não notam os casos, então esparsos, até que são surpreendidas com a súbita avalanche de doentes e mortes se acumulando. Os epidemiologistas conhecem o segredo do contágio exponencial e sabem que se não se agir rapidamente nenhuma política preventiva funcionará quando a exponencial epidêmica acelera.
O problema das imigrações em massa e das politicas públicas de saúde são exemplos de desastres causados pela ignorância da exponencial, e da mesma maneira políticas que não levam em consideração o impacto desses números levam a economia e a sustentabilidade de um país ao colapso. O problema atual da previdência no Brasil é consequência do fato de se ignorar essa noção e o alerta dos demógrafos e estatísticos. O modelo médico hospitalar tradicional – em especial o psiquiátrico – entrou em colapso com a atual taxa demográfica e custos de demandas que crescem a uma taxa ainda maior, numa economia que cresce a taxas modestas. O desenvolvimento de tecnologias que reduzem a necessidade e o tempo de internação encarecem tremendamente os serviços, e a longo prazo não resolverá a sobrecarrega de demandas. A psiquiatria é mais sensível a essa questão, pois um paciente psiquiátrico requer cuidados multiprofissionais, medicamentos caros e mais tempo no leito. A tecnologia pouco evoluiu nessa especialidade. A parcela de doentes mentais cresce a uma taxa maior que a população, e seu número torna-se cada vez mais socialmente preocupante.
Suponha um lago onde as vitórias-régias que nele flutuam se reproduzem constantemente a uma taxa que fará cobrir toda a superfície da água em 30 dias, extinguindo as formas de vida que vivem sob a sua superfície. No 29º dia metade da superfície do lago estará coberta pelas vitórias-régias, mas no dia seguinte toda superfície está coberta e o desastre ecológico é inevitável. Muitas formas de câncer crescem silenciosamente e sem sintomas até que chega o seu “vigésimo nono dia de vitória régia” e irrompe subitamente uma catástrofe de sintomas e complicações, e em pouco tempo a morte. Imigração em massa, sobrecarga de inativos na previdência social, sobrecarga de demandas na assistência de saúde à população, são alguns exemplos de “vitórias-régias” que exigem nossa constante vigilância.
“As pessoas não tem ideia do que seja o crescimento vertiginoso de uma exponencial”, observou o físico Albert Bartlett, “[e] a maior limitação da raça humana é a incapacidade de compreender o poder da função exponencial”. (1)
O poder da exponencial é uma ferramenta que devemos incorporar ao nosso kit mental, especialmente aqueles que lidam com políticas de desenvolvimento, populações, epidemiologia e economias. A famosa fábula do enxadrista ajudará a fixar essa noção. Um sábio persa teria inventado o jogo de xadrez para um rei que vivia deprimido. Este ficou tão contente com a invenção que curou o seu humor, que resolveu presentear o sábio com uma grande quantia em ouro. Este recusou tal honraria e pediu, por razões humanitárias, para ser pago em grãos de trigo da seguinte maneira: o rei colocaria um grão de trigo na primeira casa de um tabuleiro de xadrez, dois grãos na segunda casa, quatro na terceira casa, oito na quarta casa e assim por diante até completar as 64 casas do tabuleiro, e a soma de todos os grãos seria o pagamento. O príncipe riu e disse que o sábio pedia muito pouco, porém, mais tarde, quando o ministro das finanças calculou o preço, ficou apavorado: a quantia era tão grande que todo o trigo produzido no mundo não poderia pagar. A soma 20+21+22+…+263 (abreviada para a exponencial 264-1) é um número maior que toda produção mundial de trigo que a humanidade produziu até hoje! (2) O exemplo mostra como nossa cognição falha completamente quando lidamos com tais números; pensamos que um grão de trigo dobrado 63 vezes dá um número modesto… até fazermos as contas.
Carl Sagan aconselhava a jamais subestimarmos algo que seja governado por uma exponencial. (3) Os que discutem politicas de saúde talvez possam extrair algum benefício desse princípio.
Notas
(1) A citação é “The greatest shortcoming of the human race is our inability to understanding the exponencial function”, e está na sua famosa conferência “Arithmetic, Population and Energy”, de 1969. http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.198.3822&rep=rep1&type=pdf). Tão importante foi essa conferência que ele a repetiu 1.742 vezes ao longo de 36 anos.
(2) Esse exemplo povoou gerações passadas de estudantes que leram “O Homem que Calculava”, de Malba Tahan, pseudônimo do professor de matemática e escritor Júlio Cesar de Mello e Souza (1895-1974). Essa história é uma tradição universal entre professores escolares de matemática.
(3) Sagan faz referência a Bartlett.