Volume 4 - 1999 Editor: Giovanni Torello |
Janeiro de 1999 - Vol.4 - Nš 1 Reflexões sobre Ética e o Custo da Consulta Médica * *Trabalho realizado na Disciplina de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM), Uberaba- MG. **Professor Responsável pela Disciplina de Psiquiatria da FMTM, Especialista em Psiquiatria pela Associação Médica Brasileira e Associação Brasileira de Psiquiatria.
INTRODUÇÃO "Não
me peça de graça, o que eu só sei fazer para
viver". DO FECHAMENTO DOS HOSPITAIS O momento é oportuno para se pensar no exercício clínico-ambulatorial. Principalmente agora que se fala em fechar progressivamente os hospitais psiquiátricos existentes, e não abrir novos hospitais. Em psiquiatria há o projeto de lei de autoria do Deputado Paulo Delgado (3), que dispõe sobre a extinção dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais. Ventila-se há anos, o fechamento de alguns hospitais que funcionam em condições precárias, o que infelizmente nunca foi posto em prática. Não acreditamos que seja razoável acabar
com hospitais psiquiátricos em nosso meio, se considerarmos
as características demográficas e diagnósticas
de pacientes de longa permanência hospitalar, (12), e a experiência
da Itália, que tendo melhores condições socio-econômicas
que as nossas, isto não se mostrou possível, se não
em uma região bastante limitada (7, 15). Baságlia
na Itália fez um movimento de desospitalização,
em seu primeiro momento muito mais político que médico,
deixando os doentes nas ruas, só posteriormete, foram organizados
serviços de apoio ambulatorial. Na Itália ainda existem
35 mil pacientes internados em manicômios públicos
e particulares (15). A política governamental visa primordialmente reduzir
custos, já que não tem e não viabiliza uma
politica de saúde definida e efetiva, posta em prática
fora dos períodos eleitorais. Apontar necessidades de melhora na qualidade técnica
do atendimento, só pode partir da classe médica. METODOLOGIA Usaremos como referencial o Código de Ética Médica e textos que tratam da relação médico-paciente. DEFINIÇÃO DE TÊRMOS Ato médico - implica entrevista, exame físico,
diagnóstico e proposta terapêutica. Retorno - ocorre quando há necessidade de verificar
resultado de exames complementares, que como o nome diz, complementam
dados para que se faça o diagnóstico e se estabeleça
o tratamento. Ainda entende-se como retorno, se o paciente apresentar
alguma reação adversa ao tratamento proposto. As responsabilidades do médico em uma consulta: deve diagnosticar, entendendo o desenvolvimento do paciente em seu contexto, decidir por um tratamento. Educar o paciente e a família sobre o curso da doença e o que pode ser mudado com o tratamento, monitorando os benefícios e efeitos tóxicos, decidindo se o melhor é a manutenção do tratamento ou se está indicada uma modificação (13), e CFM, cap.V, art.59 (9). DA COMPÊTÊNCIA O Código de Ética Médica, deixa claro
que o médico é o profissional competente para decidir
qual deve ser o tratamento mais adequado para o paciente, CFM, cap.I,
art.8, cap.II, art.21(9). Considera infração, colaborar
com entidade na qual não tenha independência profissional,
ou onde não haja respeito aos princípios éticos,
CFM, cap.II art. 22,23 24, cap.III art. 38 (9). Quando por exemplo optamos pela não internação de um paciente que apresenta algum risco de suicídio, há necessidade de se avaliar este paciente com maior frequência pela mesma patologia, o que não caracteriza retorno, mas sim, nova consulta. No caso de se tratar de paciente com depressão, há uma latência de duas a quatro semanas para que o antidepressivo tenha ação sobre o humor. Não se concebe uma revisão rápida para tal paciente. DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE As bases da terapêutica eficaz, assentam-se na consistente
relação médico-paciente. Para esta relação
se estabelecer, é imprescindível que a consulta objetive
mais que "dar receitas"(1, 2, 5, 6, 7, 17). O movimento de gerência científica ensejado
no século passado, por Taylor, tirou o poder de pensar e
decidir do trabalhador. O que era trabalho passou a ser simples
atividade, para aumentar a produtividade (4, 7, 11). Esta especialização
trouxe reflexos na área médica, criando "experts"
em doenças, que não veêm o doente. Guardadas as proporções, na Psicanálise,
que é onde mais se investiga as relações médico-paciente,
o paciente é atendido de três a cinco vezes por semana,
em sessões de cinquenta minutos. Cada sessão é
paga como atividade completa. A despeito do paciente não
se "curar" de uma sessão para outra, não
se concebe o pagamento da primeira sessão do mês, e
as demais, serem consideradas retorno não remunerado ao terapêuta. A formação médica é precária
no tocante à habilitação do médico para
que compreenda o doente e não só a doença.
No curriculum médico brasileiro, 98% da carga horária
dedica-se a uma medicina centrada na doença, sendo que a
psiquiatria e a psicologia médica ocupam 3% (5, 14). Esta idéia de só cobrar por doença
tratada e resolvida, é resquício de fantasias onipotentes
do médico idolatrado, que acredita ter o poder da cura, e
assim pode não tolerar queixas dos pacientes quanto ao resultado
do tratamento (10, 16). O Código de Ética Médica, proíbe que se subordine honorários ao resultado do tratamento, ou à cura do paciente CFM, cap.VIII, art.21 (9). DOS ARDÍS Expediente usado algumas vezes, e proibido pelo Código
de Ética, para assegurar o vínculo com o paciente,
é o pedido de uma bateria de exames laboratoriais, ou encaminhamentos
desnecessários a outros especialistas. Ainda usar a consulta
barata e rápida, como meio de fazer internações,
CFM, cap.I, art. 9; cap. VIII, art. 93 (9), muitas vezes sem necessidade,
reforçando aspectos dependentes e regredidos do paciente,
além da consulta não obter qualquer resolutividade
do ponto de vista médico e ético. Estes ardís
parecem ocorrer com maior frequência em serviços públicos
e conveniados (6). Com estes procedimentos obtém-se resultados onerosos
e de má qualidade. Em clínica privada, alguns médicos cobram a primeira consulta, e ficam constrangidos de cobrar novas consultas. Inventou-se o "retorno", como uma espécie de prêmio embutido na consulta, o que também está vetado pelo Código, CFM, cap. VIII, art. 101(9). Se é grande, a insegurança e o sentimento de culpa do médico ao cobrar a consulta, o paciente pode assim, ao preço de uma consulta, obter um plano de saúde válido por toda a vida. Contudo, este plano não dura tanto, pois o que seria sentido inicialmente como economia do paciente, atenção e desprendimento do médico, acaba sendo percebido como uma desagradável desvalorização pessoal. Este processo revela a indigência de ambos, médico que não é competente para cobrar pelo trabalho, e paciente que não é competente em obter recursos para pagar seu tratamento (5). CONCLUSÕES DO PRINCÍPIO DA REALIDADE Na prática clínica, a consulta médica
competente, é o fator mais importante e menos dispendioso
no tratamento (6). Cabe ao médico estabelecer as bases do
tratamento, qualificar e valorizar a consulta. Se for constatado mal uso dessa liberdade por parte do
médico, há mecanismos para puní-lo, CFM, cap.
V, art. 60 (9). Levantamos essas questões na certeza de que cabe
ao médico entender a dimensão da consulta clínica.
Cabe ao médico educar a população, sem demagogia,
e assim pautar sua conduta na prática clínica privada,
conveniada e pública. O Código também resguarda o paciente de ser
tratado como um problema do qual o médico deve se livrar,
ou como um incapaz que precisa de sua proteção onipotente,
CFM, cap.V, art. 65 (9). A realidade se impõe e deixa claro que um atendimento competente e eficaz, tem seu preço. Se nós médicos, suportarmos lidar com nossas necessidades e limitações, poderemos ajudar nossos pacientes a lidar com as próprias dificuldades de maneira mais madura. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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