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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Janeiro de 2016 - Vol.21 - Nº 1

Psiquiatria na Prática Médica

CIRURGIA BARIÁTRICA E SEUS ASPECTOS PSIQUIÁTRICOS

Khalil Smaidi
Prof. Dra. Márcia Gonçalves


1.Introdução

 

A obesidade é uma patologia de etiologia multifatorial, que apresenta aspectos de ordem social, cultural, biológica e psicológica, exigindo uma abordagem multidisciplinar. A cirurgia bariátrica demonstrou ser um método eficaz no tratamento da obesidade mórbida, a partir de uma melhora na qualidade de vida e no funcionamento psicossocial do paciente. Esse procedimento conta com equipes multidisciplinares em que cada profissional detém seu próprio critério de inclusão e exclusão de candidatos ao procedimento cirúrgico.   Não é incomum alterações psiquiátricas e psicológicas como: suicídio, depressão, transtornos alimentares, alterações comportamentais, abuso de álcool, uso de substâncias ilícitas, insatisfação com a autoimagem corporal.

 Este trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica, descritiva e exploratória, que teve por  objetivo

investigar na literatura os aspectos psicológicos e psiquiátricos em pacientes pós-operados de cirurgia bariátrica.

Os resultados deste estudo apontam que dentre os aspectos positivos pós a gastroplastia figuram a significativa perda de peso e, em alguns casos, nota-se a melhora das comorbidades relacionadas melhora  de qualidade de vida de maneira geral. A situação piora com o reganho de peso, que geralmente ocorre em um período de dois anos. Depois desse período não é incomum observar nos pacientes a depressão e compulsão alimentar. Além de fatores orgânicos são observados também outros que influenciam o padrão de ingestão alimentar e de atividade física do sujeito, como fatores cognitivos e comportamentais.

 

2.Avaliação psiquiátrica no pré-operatorio

 

A avaliação psiquiátrica pré-operatória é normalmente solicitada por algum membro da equipe, geral. Os diagnósticos mais frequentes são aqueles relacionados aos transtornos de comportamento, como: transtornos alimentares; compras compulsivas; abuso de substâncias, principalmente o álcool; sintomas depressivos e ansiosos.

Havendo uma intervenção farmacológica por parte do psiquiatra, esse paciente deverá ter acompanhamento pré e pós-operatório, de acordo com o planejamento terapêutico até a sua alta. Não é freqüente o aparecimento de sintomatologia psiquiátrica no pós-operatório; em geral a sintomatologia é anterior à cirurgia.

Considera-se que nenhum transtorno psiquiátrico seja uma contra-indicação formal primária para a realização do procedimento. No entanto, recomenda-se que qualquer condição psiquiátrica associada deve ser adequadamente tratada no paciente candidato à cirurgia.

 

3.Acompanhamento psiquiátrico

A função do psiquiatra começa com uma avaliação inicial do paciente com indicações clínicas para o tratamento cirúrgico da obesidade. Nesta avaliação são explorados não só os aspectos relacionados com a história de vida (história da obesidade, o sofrimento físico e psíquico a ela relacionado, história de problemas psíquicos prévios, etc.), como também uma série de aspectos pertinentes ao tratamento proposto, tais como: o grau de motivação para cumprir com os cuidados necessários; a tomada de consciência de estar-se engajando em um projeto em longo prazo; os riscos envolvidos; a necessidade de participação ativa do paciente no que se refere à implementação de atividade física regular e de adequação a um cuidadoso programa de alimentação; as expectativas do paciente em termos de resultado estético e controle do peso, etc.
De fundamental importância é a identificação e tratamento de problemas que possam interferir de modo negativo no resultado do tratamento. Condições psiquiátricas tais como abuso de álcool ou de outras drogas, transtornos psicóticos (doenças em que podem ocorrer crises que causem prejuízo grave na apreciação realista dos fatos), transtornos de humor (depressões e/ou humor demasiadamente expansivo) ou de ansiedade e, sobretudo, alterações do comportamento alimentar, são particularmente importantes e necessitam de uma avaliação criteriosa, que por vezes pode até contra-indicar a intervenção cirúrgica naquele momento. A idéia não é “selecionar” pacientes que possam ou não ser operados, mas de identificar e tratar problemas com potencial interferência negativa no processo.

As pesquisas e a experiência clínica demonstram que as pessoas com obesidade apresentam diferentes graus de sofrimento psíquico decorrente do seu padecimento. Em geral, sofreram e sofrem discriminações e preconceitos de diversos matizes, que por sua vez podem ser introjetados ao longo da vida, exigindo que o indivíduo aprenda a lidar com eles de uma maneira ou outra (p. ex., é possível que o prosaico bom humor destas pessoas tenha a ver com a sua maneira de lidar com esses problemas).

O acompanhamento psiquiátrico ao longo do tratamento vai em parte depender dessa avaliação inicial. É compreensível que a presença de condições psiquiátricas que possam comprometer aspectos de ordem prática (atividade física e adequação à dieta) ou o bem estar psicossocial requeiram um acompanhamento com consultas mais freqüentes, eventualmente com o uso concomitante de medicamentos ou de psicoterapia (que geralmente envolve consultas mais freqüentes e um maior aprofundamento das questões psicológicas e comportamentais envolvidas no processo).

Na prática, são feitas entrevistas iniciais com vistas ao aconselhamento e ao diagnóstico e tratamento de eventuais problemas psíquicos. O seguimento se dá por meio de entrevistas cuja regularidade é determinada pela equipe multidisciplinar e, obviamente, pelas necessidades de cada paciente, quando o auto-monitoramento do peso e atividades físicas, bem como o surgimento de eventuais problemas serão abordados. A presença de comer compulsivo pode necessitar de entrevistas mais freqüentes.
Para uma avaliação mais objetiva e economia de tempo, às vezes são utilizados questionários que o paciente pode responder em casa. Esses questionários servem como instrumento de avaliação diagnóstica, portanto são de grande ajuda no planejamento terapêutico para cada paciente, como de resto também fornecem informações importantes para o tratamento desses problemas com base científica.

4.Transtorno da Compulsão Alimentar

Os chamados transtornos alimentares, dentre os quais está o transtorno da compulsão alimentar, costumam ser agrupados com base no conjunto de sintomas com que se apresentam. Além das alterações do comportamento alimentar propriamente dito, observa-se nessas pessoas uma preocupação excessiva com aspectos como forma corporal, peso e alimentação. Pacientes com transtornos como anorexia e bulimia nervosas e o transtorno que aqui nos interessa, o chamado Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), via de regra apresentam alterações da imagem corporal e sentimentos de auto-rejeição, freqüentemente percebendo seus corpos como grotescos ou repugnantes. Imagem corporal pode ser definida como uma imagem mental valorativa que a pessoa faz da sua aparência física e de como estas percepções e atitudes influenciam no seu comportamento.

A bulimia caracteriza-se por episódios de comer compulsivo acompanhados de comportamento compensatório inapropriado, seja por abuso de laxantes e diuréticos, vômitos forçados, períodos de jejum ou atividade física excessiva. Esse comportamento compensatório faz com que a maioria dos pacientes bulímicos mantenham pesos normais ou sobrepeso, embora as conseqüências físicas e psicológicas dessse comportamento sejam em geral ainda mais graves do que na compulsão alimentar periódica.
O Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP), ou binge-eating disorder (tal como denominado em língua inglesa), caracteriza-se por ataques de comer (grande quantidade de alimentos, associado a sentimento de perda de controle sobre a quantidade e qualidade da comida) que seguem um padrão regular (em média 2 ou mais episódios por semana) ao longo de pelo menos 6 meses.

4.1.Influencia do transtorno alimentar sobre o resultado da cirurgia

A presença de compulsão alimentar (Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica – TCAP) em pacientes que se apresentam para a cirurgia bariátrica tende a estar associada com uma menor redução de peso ou mesmo com re-aquisição variável de peso após cirurgia bariátrica. Esse efeito parece manifestar-se a partir de 1 ou 2 anos após a cirurgia. Há evidência de que pacientes com TCAP tendem a revelar equivalentes compulsivos (como o beliscar contínuo) após a cirurgia, que por sua vez estão associados com maiores índices de re-aquisição de peso e resultados terapêuticos menos.

Por outro lado, o surgimento de problemas psiquiátricos após a cirurgia parece estar associado com menor adesão aos cuidados alimentares e à atividade física regular, fatores sabidamente associados com o resultado do tratamento. Portanto, a identificação e o tratamento destes problemas são de fundamental importância no resultado do tratamento.

5.Conclusão

Considerando o aumento da obesidade em graus de pandemia e a cirurgia bariátrica como o tratamento mais eficaz em longo prazo para a obesidade grau III, nos últimos anos, vem crescendo cada vez mais o número de cirurgias bariátricas realizadas, atingindo um aumento de 542% destas cirurgias no Sistema Único de Saúde do Brasil em sete anos.

No entanto, os efeitos negativos, geralmente, são pouco estudados ou citados. Uma possível razão para essa omissão talvez esteja no fato de que a cirurgia bariátrica produz um resultado rápido e efetivo contra a obesidade, o que reforça um desejo presente na sociedade de buscar uma "cura milagrosa" para essa doença que, na maioria das vezes, traz comorbidades e baixa qualidade de vida. Assim, muitos fecham os olhos para os efeitos negativos desse procedimento não acreditando que ele possa trazer possíveis prejuízos.

Alguns pacientes acabam achando que, após a cirurgia, problemas emocionais, sociais e profissionais, entre outros, vão se resolver por terem se libertado da obesidade, o que acaba levando a uma possível frustração diante de desejos não conquistados pela cirurgia e perda de peso.

Após a cirurgia bariátrica, não é infrequente pacientes voltarem a seus médicos para fazer exames diversos para acompanhar os efeitos físicos. No entanto, os efeitos psicológicos, que são tão importantes para o sucesso do tratamento e para a manutenção do peso do paciente, são deixados de lado. Ressaltamos, assim, a importância de acompanhar os efeitos psicológicos que muitas vezes são pouco monitorados.

 

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·         Interno do Departamento de Medicina da Unitau

** Coordenadora da disciplina de pquiatria e psicologia médica da Unitau

                   [email protected]


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