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Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello

Janeiro de 2016 - Vol.21 - Nº 1

Psiquiatria Forense

MÉDICO COMO TESTEMUNHA EM PROCESSO JUDICIAL ENVOLVENDO SEU PACIENTE: A QUESTÃO DO SIGILO PROFISSIONAL

Quirino Cordeiro (1)
Hilda Clotilde Penteado Morana (2)

(1) Psiquiatra Forense; Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Diretor do Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Professor Afiliado do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP); Coordenador do Grupo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica da EPM-UNIFESP;
(2) Psiquiatra Forense; Perita do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo; Doutora em Psiquiatria Forense pela USP; Psiquiatra do CAISM da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.


            Recentemente, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais manifestou-se sobre o sigilo profissional em caso de participação de médico como testemunha em processo judicial envolvendo seu paciente. O entendimento do Conselho a esse respeito foi publicado no passado ano de 2015, por meio de resposta ao Parecer-Consulta No. 5456/2014.

            O consulente, em seu questionamento ao Conselho de Medicina, expõe caso de um paciente seu que estaria preso após ter sido acusado de cometer homicídio. Segundo as informações sobre o caso, o paciente teria sido submetido à perícia médica judicial, que comprovara presença de “surto psicótico” no tempo da ação homicida. Diante disso, as questões apresentadas pelo consulente são as que seguem: “A dúvida reside no seguinte fato: sua advogada solicitou-me, por meio da mãe do paciente, que eu seja arrolado como testemunha do processo, para fornecer ao júri, segundo palavras da advogada, informações genéricas sobre transtornos mentais (sic). Tal possibilidade gera em mim grande desconforto pelos seguintes motivos: 1) acredito ser difícil que se possa falar de maneira absolutamente genérica ou neutra sobre os referidos transtornos, sem que se faça alusão ao caso que tenho acompanhado ou sem que alguma pessoa possa inferir a que me refiro a meu paciente, por mais que não forneça informações sobre ele; 2) continuo a ser o médico assistente do paciente e receio que tal situação judicial possa ter repercussões negativas na relação médico-paciente, em especial caso não se consiga o desfecho esperado pelo paciente e por sua família; 3) não era eu o médico que acompanhava o paciente nem à época do trauma crânio-encefálico nem à época do homicídio de que é suspeito, ficando assim impossibilitado de emitir opinião acerca do quadro à época dos fatos que interessam à justiça; 4) acredito ser mais prudente que um médico que não esteja envolvido no atendimento ao paciente ou o psiquiatra forense que realizou a perícia (ou até mesmo algum outro psiquiatra forense) teça considerações a respeito deste caso e/ou dos transtornos dos quais o paciente padece”.

            Em face que fora apresentado pelo consulente, o Conselho de Medicina emite resposta com base no Capítulo IX do Código de Ética Médica, que versa sobre sigilo profissional. No Artigo 73 do Código, pode-se ler que é vedado ao médico o que segue:

“Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. 
Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal”.

            Sendo assim, o Conselheiro Parecerista do caso, Dr. Geraldo Borges Junior manifesta que “fica evidente que o profissional médico, quando convocado por uma autoridade judicial, deve comparecer ao depoimento e declarar seu impedimento. No caso em tela, pelo fato de a testemunha ter sido arrolada pelo próprio paciente, ou seus responsáveis legais, caso haja consentimento deles, por escrito, o médico pode fazer declaração que julgar necessária, desde que não contrarie seu foro íntimo”.

            Vale aqui ressaltar que o sigilo médico profissional precisa ser respeitado, não apenas por motivos deontológicos. O sigilo profissional encontra respaldo também na Constituição Federal que, por meio do inciso X, do Artigo 5o, protege o direito à intimidade das pessoas: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Diante disso, na Nota Técnica 01/2014, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), manifestou-se da seguinte maneira: “é de se destacar que o direito ao segredo da relação médico-paciente encontra-se protegido pela Constituição Federal, sendo inviolável a intimidade e a vida privada em todos os seus aspectos e relações; não há flexibilização da Carta Magna quanto a tal aspecto”.

         A proteção ao sigilo profissional também é prevista na legislação infra. O Código Penal brasileiro prevê, em seu Artigo 154, que é passível de punição “revelar a alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Ademais, o Código de Processo Penal, em seu Artigo 207, afirma que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.” Ainda, o Código Civil brasileiro também dispõe sobre o sigilo profissional, como segue: “ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato: I. a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo”.

            Isso posto, fica claro, então, que o sigilo profissional encontra respaldo deontológico e legal. Por conta disso, o profissional médico que revelar informação à qual teve acesso, por meio da relação médico-paciente, pode ser responsabilizado civil e criminalmente por eventuais danos causados ao seu paciente.

 


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