![]() ![]() Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Janeiro de 2015 - Vol.20 - Nº 1 COLUNA PSIQUIATRIA CONTEMPORÂNEA
O FIO DA NAVALHA Luis Vieira Um espectro assombra os docentes que
perseguem o perfil de cientista – a contínua produção científica atestada em
mais e cada vez mais publicações científicas – assegurando bolsas, pró-labores,
fama e reverência. Não é fácil, exige muito empenho e nem sempre escrúpulos. A
atividade de pesquisa custa caro, consome equipamentos,
insumos, livros, passagens, diárias, etc., custeados pelo dinheiro do
contribuinte, eufemisticamente chamado de dinheiro público. Assim, em tempos de
cortes no orçamento da educação, qualquer cidadão, com dados e argumentos tem o
direito de questionar o que está sendo feito pela universidade nas suas
atividades fim, dentre elas, a pesquisa científica. A pergunta mais elementar
que se pode fazer é – Está a universidade brasileira produzindo ciência de
qualidade? Como atestar isso? O mundo da ciência é vasto e
globalizado. Aliás, mesmo antes desse termo ser utilizado, a atividade
científica sempre caracterizou-se por sua
internacionalização. Mesmo as guerras religiosas, políticas e econômicas não
impediram os cientistas de diferentes nações de estabelecer comunicação.
Trezentos e cinquenta anos depois da criação do Philosophical Transactions of the Royal Society milhares de
periódicos científicos impressos ou virtuais circulam pelo planeta,
supostamente atestando uma atividade febril de inovação, questionamento e
transformação. Nos artigos publicados, Qualis sob suspeita e Submundo
Acadêmico, na Psychiatry on
line Brasil, vol.19, nos. 8 e 9, de 2014, alertamos sobre as
consequências que a banalização dos periódicos científicos em escala mundial
representava para a comunidade de pesquisadores e para os países que as
sustentam. Nesse texto, vamos abordar alguns exemplos de editoras
e periódicos de qualidade duvidosa que vêm
servindo de veículo para trabalhos ou pseudo-trabalhos que custam muito
dinheiro ao contribuinte brasileiro, carente de educação, saúde, segurança e
trabalho. Inicialmente, vamos mencionar uma
editora: Scientific Research Publishing (SCIRP), a SCIRP é uma empresa chinesa
que opera na China, mas registrada nos EUA, cujos negócios envolvem a
publicação de mais de 200 periódicos on-line de acesso aberto, organização de
eventos e até colocação profissional. Da lista de periódicos que relacionamos
no artigo Submundo Acadêmico, correspondente às publicações da editora,
avaliadas pelo Qualis, nenhuma consta do Journal Citation Reports (JCR), versão
2014. Ora, são mais de 10.000 periódicos em todo o mundo relacionados nesse
sistema que avalia o número de citações de artigos. Por que não estão lá?
Quando se examina a pontuação de algumas publicações dessa editora na sua área
principal de avaliação, no Qualis, os resultados também são inquietantes. O American Journal of Operational Research
tem conceito B5, no estrato Matemática/Probabilidade/Estatística. O Applied Mathematics idem, no mesmo
estrato. Se escolhermos uma área importante como a genética, por exemplo, o Open Journal of Genetics oscila de C a
B2 dependendo da área de avaliação, essa ampla variação de conceitos repete-se
com outras publicações da editora. Práticas inaceitáveis como incluir nomes não
autorizados nos seus conselhos editoriais e inclusão de artigos já publicados
como originais foram denunciadas e comprovadas em texto
publicado na Nature. Um artigo
publicado no periódico AO Pediatrics Journal da SCIRP que relacionava o
acidente nuclear em Fukushima com casos de hipotiroidismo na costa da
Califórnia, com erros metodológicos evidentes, virou piada global. Um autor
muito presente nos periódicos da SCIRP é Mohamed El Naschie cujos trabalhos
recentes são considerados devaneios lunáticos. O que vem acontecendo com
essa editora ultrapassa o limiar de uma eventual falha de revisão ou
metodologia, o que nos leva à seguinte questão - Que interesse pode haver para
um pesquisador brasileiro associar seu nome a essa editora? Outro exemplo preocupante é o da Multidisciplinary Digital Publishing Institute (MDPI) com
um pequeno escritório na Suíça mas operando, de
fato, na China. Da mesma forma que sua
congênere SCIRP edita centenas de periódicos. Diversos artigos publicados em seus
periódicos também provocaram reações negativas da comunidade científica, como na
Entropy, que publicou um artigo sobre
o impacto do glifosato
na disseminação de um amplo espectro de doenças
que não apresenta uma só evidência experimental de sua tese. Outro caso
rumoroso foi o chamado Paradoxo
Australiano publicado na Nutrients que pretende dissociar o consumo de açúcar da obesidade na Austrália. A reputação dessa editora é questionada
inclusive na China, o forum para integridade acadêmica publicou notas de Jeffrey
Beal denunciando as práticas da MDPI, em particular, cita o caso de plágio do
artigo Statistical Convergent Topological
Sequence Entropy Maps of the Circle, publicado na Entropy, em 2004, Vol.6 (2), denunciado em 2005
no MathSciNet (American Mathematical Society),
mas somente retirado da
publicação em 2014! O histórico da criação e do modus operandi da MDPI estão detalhados no artigo The fangangsters,
nele consta inclusive uma correspondência típica de convite a um professor para
participar do conselho editorial de uma publicação. Diante da alegação do
convidado de que não teria muito tempo disponível, a MDPI promete que não teria
trabalho algum. As maiores vítimas dessas editoras são professores chineses que
precisam de publicações para manter seus contratos e ganhar promoções, assim
inicialmente o mercado visado era o imenso conjunto de docentes universitários
daquele país. Nossos pesquisadores líderes, coordenadores de área, dirigentes
do sistema de C&T ignoram esses fatos? Com a expansão comercial da China na
América Latina, muito
acordos culturais, científicos e tecnológicos vem
sendo efeitos, inclusive no âmbito do BRICS. Assim, para muitos professores
brasileiros, a oportunidade de publicar com mais facilidade em periódicos supostamente
de âmbito internacional recebeu enorme adesão, ignorando-se a qualidade das
publicações e dispendendo-se grandes somas de dinheiro - da ordem de milhões de
dólares - em pagamentos a editoras como a SCIRP e a MDPI. Embora o acesso
aberto apresente como vantagem o fato de qualquer cidadão acessar qualquer
publicação, na minha opinião, a solução da Base de
Periódicos da CAPES é a melhor, pois viabiliza o acesso do corpo social das
instituições conveniadas a publicações especializadas de reconhecida
notoriedade. Bibliotecas on-line abertas para a população com obras de
interesse geral seriam muito mais úteis do que disponibilizar periódicos
especializadíssimos para leigos... Se, por um lado, a responsabilidade
pelos empreendimentos editoriais inadequados é a de seus donos e diretores. Por
outro, a autoridade governamental deve zelar pela qualidade dos serviços que
são oferecidos ao público. No caso, trata-se da gestão do Qualis, uma base de
referência que vem contemplando muitas publicações que não honram a integridade
científica. Em 2013, o JCR eliminou de sua base cerca de 66
periódicos que, na maioria dos casos, manipulavam o número de citações aos
artigos publicados. O Conselho Superior da CAPES em resolução de 17 de julho de
2013 decidiu excluir da base de dados do “Qualis Periódicos” todos os
periódicos que foram retirados do JCR pela Thomson Reuters. No entanto, 37
desses periódicos continuam no Qualis, sem que tenha sido dada amplamente uma
justificativa pública para essa medida. Na opinião de alguns pesquisadores, o
QUALIS é desnecessário e até mesmo prejudicial. Se desejarmos a
internacionalização da Ciência praticada no país, a primeira coisa que devemos
fazer é abster-nos de criar uma classificação de periódicos própria e usar a
classificação que todo mundo usa. A comunidade científica brasileira não
foge ao corporativismo de tantas outras coletividades. Duas características
comuns a elas: - selecionar, não necessariamente por um critério apropriado,
quem a integra e – defender-se da sociedade. Em época de busca do sentido
social das atividades econômicas, os cientistas não podem pretender ficar
alheios às críticas objetivas que forem feitas às suas atividades. - A ciência
e a tecnologia são assuntos muito sérios para ficar exclusivamente nas mãos de
cientistas. ![]()
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