Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Dezembro de 2015 - Vol.20 - Nº 12 Artigo do mês
A IMPORTÂNCIA DA DETECÇÃO DO ESTRESSE: PSICOFISIOLOGIA E IMPACTO NA SAÚDE FÍSICA E MENTAL DAS PESSOAS
Luís Junqueira 1. Introdução O médico
Hans Selye introduziu o conceito de estresse na área da saúde ao identificar em
pacientes acometidos por doenças diversas um conjunto de sintomas em comum,
como a falta de apetite, desânimo, fadiga e hipertensão arterial, representando
“um desgaste geral do organismo”; ou seja, um esforço de adaptação empreendido
pelo organismo para lidar com situações que afetam seu equilíbrio interno (SELYE,
1956). Ainda antes de Selye, o fisiologista Walter Cannon havia descrito a
característica de homeostase dos seres vivos, que é a tendência de busca do
estado de equilíbrio fisiológico do organismo, e a resposta de luta-ou-fuga,
que é a preparação do organismo para lutar ou fugir quando confrontado com uma
situação de ameaça. Observando o comportamento de animais, verificou que esta
resposta estava associada a uma série de manifestações fisiológicas possíveis,
como a aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da respiração, dilatação
das pupilas, eriçamento dos pelos, aumento de atividade das glândulas
suprarrenais e a liberação de adrenalina. Canon considerou o estresse como um
distúrbio da homeostase do organismo submetido às condições adversas. Nessa
situação, o organismo é colocado em estado de alerta, com a mobilização dos
recursos de que dispõe para lutar, e assim enfrentar a ameaça, ou para
rapidamente mobilizar energia para a fuga. Este mecanismo natural teria como
função agir em favor da sobrevivência do animal (CANNON, 1935). Assim, neste
contexto, o estresse pode ser entendido como o esforço de adaptação empreendido
pelo organismo para enfrentar as situações de ameaça à sua existência ou àquelas
que perturbem o seu equilíbrio interno (homeostase). 2. Psicofisiologia do Estresse Enquanto
Cannon considerava esta resposta como um fator positivo para a sobrevivência do
organismo, Selye (1950) considerou que se a resposta do estresse se mantivesse
por um longo período poderia causar danos ao organismo. Realizando experiências
com ratos, submeteu os animais a variados estímulos, como exposição ao frio, ruídos
intensos, exercícios excessivos, injeção de substâncias nocivas e traumas
físicos, verificando as mesmas reações fisiológicas nos animais,
independentemente do tipo de estímulo. Concluiu que se tratava de uma Síndrome
de Adaptação Geral (GAS - General Adaptation Syndrome), em que o organismo respondia com um
conjunto de defesas contra os estímulos nocivos, constituindo-se o estresse em uma
reação de alarme ao organismo. Esta síndrome apresentava certas características,
como o desenvolvimento de úlceras gastrointestinais, a atrofia do timo, a
atrofia das estruturas linfáticas e o aumento das glândulas adrenais. Selye
(1956) considerou, portanto, o estresse como um fenômeno não-específico,
representando a interposição de diversos sintomas. Mas Mason (1968) relacionou
o aumento de hormônios presentes no organismo, pela ativação neuroendócrina do
eixo HPA (hypothalamic-pituitary-adrenal),
com as condições de estresse às quais os indivíduos eram submetidos. Como
consequência, ponderou que os fatores determinantes do estresse eram
específicos e que poderiam ser potencialmente previstos e medidos (MASON,
1971). De acordo com Lipp et al (1998, p. 20), no estado natural o organismo se
encontra em homeostase, havendo um equilíbrio nas funções fisiológicas
desempenhadas: “o coração pulsa com a freqüência ideal para fazer o sangue
circular e irrigar o corpo todo. O estômago, os rins, os pulmões e todos os
outros órgãos exercem suas funções sem pressa e colaborando para que o corpo
funcione como uma máquina bem calibrada e em perfeito equilíbrio biológico”.
Porém, quando ocorre algum evento que implique em uma mudança para o indivíduo,
seja ela boa ou ruim, o corpo produz uma resposta fisiológica como tentativa de
se adaptar a esta nova situação. O evento ou estímulo causador dessa reação é
chamado de estressor, e a resposta do organismo ao estímulo é chamada de
estresse. Entre alguns dos eventos capazes de gerar estresse estariam a mudança
de emprego, o casamento, as férias, as dívidas financeiras, as discussões em
família, as dificuldades sexuais, as atividades escolares, as perdas pessoais,
etc. (HOLMES & RAHE, 1967). Neste
modelo psicofisiológico, o estresse é considerado como uma resposta do
organismo à uma combinação de componentes biológicos, psicológicos e sociais às
quais o indivíduo está submetido. A resposta de estresse do organismo
desencadeia uma série de reações fisiológicas, psicológicas e emocionais e,
nessa condição, o organismo fica sujeito ao desgaste excessivo e ao
envelhecimento precoce. 3. Consequências do Estresse A Associação Médica Americana
(AMA) identificou que o estresse é a causa básica de mais de 60% de todas as
doenças e enfermidades nos Estados Unidos. Dentre os principais sintomas
relacionados ao estresse estão a fadiga crônica, diminuição do apetite, indisposição
geral, alterações de humor, dores de cabeça, desinteresse sexual, ansiedade,
irritabilidade, raiva, pânico, briquismo, dores abdominais, dores nas costas,
tensão muscular e batimento cardíaco acelerado. E dentre as doenças,
enfermidades e transtornos mais frequentes estão a disfunção do sistema
imunológico, doenças coronárias, infarto, hipertensão arterial, diabetes,
arritmias, síndrome do intestino irritado, úlceras, obesidade, fibromialgia,
insônia, depressão, alcoolismo, drogadição, transtornos mentais e suicídio. No
Brasil, de acordo com levantamentos do Ministério da Saúde, 132 mil infartos
são causados pelo estresse do dia-a-dia. O impacto do estresse no trabalho
também é enorme. O Instituto Americano de Estresse (AIS) relata que o estresse
é responsável pelo prejuízo anual de 300 bilhões de dólares na indústria
norte-americana, em decorrência das faltas no trabalho, acidentes, custos
médicos, seguros e indenizações; enquanto o levantamento da Associação
Americana de Psicologia (APA) aponta o trabalho como fonte de estresse para 70%
dos americanos. No Brasil, de acordo com estudo realizado pela Universidade de
Brasília, o estresse foi responsável pelo afastamento de cerca de 1,3 milhões
de pessoas do trabalho, que passaram a depender do auxílio-doença (benefício
concedido pelo Ministério da Previdência). Somado aos custos de licença-médica,
tratamentos de saúde e faltas no trabalho o estresse representou um prejuízo estimado
em 3,5% do PIB brasileiro (UnB, 2011). Dados divulgados pelo Ministério da
Previdência confirmam que desde 2010 os afastamentos causados por estresse
grave e dificuldade de adaptação aumentaram em cerca de 42% (GLOBO, 2013). Como
cenário futuro, estudos da OMS indicam que por volta de 2030 a depressão e o
estresse serão as principais causas de mortes no planeta (OMS, 2009). 4. Avaliação do Estresse A avaliação do nível de estresse de um indivíduo é
realizada, geralmente, através da aplicação de um questionário que visa
identificar determinadas características presentes no indivíduo que indiquem a
presença de sintomas do estresse. Dentre algumas dessas características,
procura-se identificar se o indivíduo tem problemas de memória, dificuldades de
concentração, sensação de cansaço, sensação de pés e mãos frias, má digestão,
irritabilidade, etc. Esses questionários são conhecidos como instrumentos de
avaliação psicológica e dois dos instrumentos encontrados na literatura com
maior utilização no Brasil são o Inventário de Sintomas de Stress de Lipp
(ISSL) e a Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT). Enquanto
o EVENT é específico para identificação de situações de estresse relacionadas
ao trabalho, o ISSL é um instrumento mais genérico e pode ser aplicado em
diversas situações e contextos. O ISSL é um
instrumento desenvolvido pela Dra. Marilda Emmanuel Novaes Lipp, fundadora do
Centro Psicológico de Controle do Stress, após 15 anos de pesquisas e é
destinado à identificação do nível de estresse em adultos (LIPP, 2005). O ISSL
utiliza um modelo quadrifásico que permite classificar o estresse, quando
presente, em quatro fases distintas: Alerta, Resistência, Quase-Exaustão e
Exaustão. De acordo com Lipp (2003), quando o efeito de fatores estressantes
supera a capacidade do indivíduo resistir física e emocionalmente, o estresse
se manifesta como uma reação complexa do organismo, composta por componentes
físicos, emocionais, hormonais e psicológicos. De modo geral, o quadro
sintomatológico do estresse depende da fase em que o indivíduo se encontra. Na
fase de Alerta o organismo reage, liberando adrenalina e mobilizando energia
para enfrentar os desafios. A fase de Resistência se caracteriza pelos esforços
que o organismo empreende para manter o seu equilíbrio interno (homeostase).
Quando o organismo não consegue mais manter essa homeostase, inicia-se o
processo de adoecimento e o indivíduo se encontra na fase de Quase-Exaustão. A
fase final, a de Exaustão, é atingida quando o organismo fica sujeito à
patologias mais severas, devido ao enfraquecimento dos órgãos mais vulneráveis,
podendo desencadear quadros crônicos de hipertensão, úlceras, depressão e
enfarte (LIPP, 2005). 5. Detecção do
Estresse Além da
avaliação realizada por instrumentos psicológicos, é possível realizar a
detecção da presença do estresse no organismo a paritr de determinados sinais
biológicos. A detecção pode ser realizada por dispositivos de aquisição desses
sinais e se baseia principalmente em medições de temperatura da superfície do
corpo, resposta galvânica da pele, variações na frequência cardíaca, variações
na pressão arterial, taxa de respiração e em alterações nos sinais de eletrocardiografia,
eletromiografia e eletroencefalografia. Para cada uma dessas variáveis
fisiológicas são utilizados sensores e dispositivos específicos de aquisição
dos sinais, que fornecem a indicação de leitura através de indicadores
gráficos, escalas graduadas ou indicadores sonoros e luminosos (SHI, 2010). Nos
últimos anos tem se destacado a utilização dos parâmetros de HRV (Heart Rate Varibility), ou variabilidade
da frequência cardíaca, para a identificação da presença do estresse. Considera-se
que os parâmetros de HRV representam as alterações que ocorrem no sistema
nervoso autônomo (SNA) e que as alternâncias na ativação dos ramos simpático e
parassimpático do SNA podem constituir indicadores da resposta de estresse do
organismo. Dentre os equipamentos disponíveis no mercado para a avaliação de
HRV, um dos mais utilizados é o dispositivo emWave,
fabricado pela empresa norte-americana HearthMath. Este equipamento utiliza um
sensor com tecnologia PPG (Photoplethysmography) para a captura dos sinais e pode ser utilizado
para indicar o nível de estresse em que um indivíduo se encontra. No Brasil, o
dispositivo tem sido utilizado em conjunto com o ISSL para a avaliação do nível
de estresse, de acordo com informações do Programa de Avaliação do Estresse do
Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo (GLOBO, 2014), contribuindo para o
diagnóstico dos indivíduos participantes do programa. Outras clínicas
particulares e profissionais da área de psicologia hospitalar também já
adotaram o uso do equipamento. 6. Conclusão Dada à
relevância do tema, é importante que medidas sejam tomadas para que a
identificação dos sintomas de estresse seja realizada precocemente, permitindo
que as pessoas sejam tratadas adequadamente, se recuperem e retomem suas
atividades normais. Enquanto o tratamento do estresse pode envolver a
utilização de medicamentos, sessões de psicoterapia e outras providências, dependendo
da sua gravidade e dos danos causados ao organismo, o diagnóstico inicial geralmente
é realizado através da aplicação de um instrumento de avaliação psicológica,
composto por um questionário com um conjunto de perguntas que visam identificar
o estágio de estresse em que um indivíduo se encontra. Porém, os instrumentos
de avaliação psicológica podem representar um alto grau de subjetividade, uma
vez que o diagnóstico é baseado exclusivamente nas respostas do questionário,
constituindo em uma possível desvantagem do método. Alternativamente, alguns
estudos apontam a utilização de variáveis fisiológicas como indicadores do
estado de estresse de um indivíduo. Nessa abordagem, determinados parâmetros
fisiológicos são mensurados e relacionados com o estado de estresse do
indivíduo. Não há, ainda, uma padronização dos valores de referência das
variáveis avaliadas ou dos métodos utilizados para a detecção do estresse. Mas
já estão disponíveis no mercado dispositivos comercializados, de baixo custo e
fácil aquisição, e que podem ser encontrados em utilização aqui no Brasil em
certos hospitais, consultórios e clínicas particulares. Destacamos, assim, que os
estudos de avaliação do estresse a partir da medida de variáveis fisiológicas
poderão trazer um auxílio significativo na identificação dos níveis de estresse
de um indivíduo, de uma maneira mais objetiva e rápida. REFERÊNCIAS CANNON, W. Stresses
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1-14, 1935. GLOBO. Brasileiro é o profissional mais estressado
do mundo, revela estudo. Jornal Hoje, Edição do dia 16/12/2013. Disponível
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2003. LIPP, M. Manual do Inventário de Sintomas de Stress
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Disponível em: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/ cpmod.php?id=88633.
Acesso em: 18/12/2013.
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