Psyquiatry online Brazil
polbr
Volume 22 - Novembro de 2017
Editor: Giovanni Torello

 

Setembro de 2014 - Vol.19 - Nº 9

História da Psiquiatria

AS LEIS PSIQUIÁTRICAS ESTADUAIS NUMA VISÃO CRÍTICA

Walmor J.Piccinini

  A segunda metade do século XX trouxe profundas transformações para a psiquiatria e sua prática. A descoberta dos antipsicóticos, as novas abordagens redescobrindo os direitos dos pacientes, a possibilidade do esvaziamento dos grandes hospitais e o desenvolvimento da psiquiatria de comunidade despertou novas forças antipsiquiátricas. 

    Os anos 90 foram denominados por Reagan a década do cérebro. No Brasil tivemos uma extraordinária articulação política integrada por correntes de diferentes partidos políticos todos unidos no fechamento dos hospitais psiquiátricos que passaram a receber a pecha de manicômios.  Como bem disse o Professor Valentim Gentil  Filho: “Não é por culpa dos psiquiatras, nem por desvios na nossa formação, que a assistência em saúde mental no Brasil é hospitalocêntrica, manicomial, ineficaz, cronificadora  e desumana. Ela é assim justamente por estar defasada da moderna psiquiatria”.

    A Psiquiatria, pela natureza do seu objeto de estudo, é destinada a ser estimada e detestada, analisada e desconsiderada, negligenciada e debatida. Psiquiatria enfrenta muitas das contradições humanas que quase todo mundo gostaria de ignorar ou negar. No entanto, em psiquiatria, assim como na vida, os sintomas nos informam dos conflitos que assolam a pessoa. Qualquer disciplina que tenha a coragem de se dirigir a este conjunto de condições que vão do  politicamente oprimido, ao socialmente marginalizado,ao sexualmente desviado, ao ansioso, ao intimamente abusado, ao pervertido moral, o imprevisível  irracional e  emocional, pode ser  encarada como ameaçadora.

 “Entretanto, impedir a modernização dos hospitais, é crucial para quem pretende "desconstruir" a psiquiatria. Suas razões não são econômicas, nem técnicas e, muito menos, de direitos humanos. São exclusivamente ideológicas e políticas, inspiradas em Franco Basaglia, um modelo malsucedido na Itália, exceto em alguns poucos centros, rejeitado por todo o mundo desenvolvido, e exportado para a América Latina pelo Instituto Mário Negri, de Milão”. (V.Gentil)

Dentro dessa estratégia geral, os postos diretivos da saúde mental brasileira foram sendo ocupados por integrantes do "movimento de trabalhadores em saúde mental" e do seu derivado, o "movimento da luta antimanicomial". A aparência de representatividade foi tentada por meio de fóruns e conferências orquestradas, à margem da psiquiatria, assessoradas por aqueles serviços estrangeiros,6 e com "resoluções" previamente redigidas, como se percebe pela comparação dos anais da II Conferência Nacional de Saúde Mental com os textos dos projetos de lei anteriores a ela, submetidos aos legislativos estaduais.

Campolina, H. num artigo intitulado Psiquiatrofobia publicado no Jornal Mineiro de Psiquiatria (n22 de agosto de 2005). Apresenta duas citações que marcam os reais motivos políticos por trás do movimento:

1) O hospital psiquiátrico é um mal em si mesmo. Ex.: “O hospital enquanto existir sempre terá um caráter asilar, tutelar, cronificante.” (1) (Passos, 2003).

 2) A psiquiatria é perversa em teoria e prática. Ex.: “Não se trata, portanto apenas de questionarmos radicalmente essa instituição [o hospital psiquiátrico], mas de questionarmos radicalmente a psiquiatria sobre seus conhecimentos, poderes e códigos de comportamento.” (2) (Rotelli, 1991; deste, nós sabemos a extensão de experiência... política).

Leis de matriz única.

     É notável como o grupo ideológico por trás da “Reforma Psiquiátrica” conseguiu implantar em diferentes estados e com diferentes partidos políticos leis que passaram a direcionar o atendimento psiquiátrico no Brasil. A origem foi o projeto Paulo Delgado que circulou pelos gabinetes de Brasília e não foi aprovado. O que foi aprovado foi um substitutivo que foi o produto final de intensas negociações.

    O modelo de legislação estadual foi aquele aprovado no Rio Grande do Sul em 7 de agosto de 1992. Lei de número 9716. O Governador era Alceu Collares (do PDT).

    No mesmo dia 7 de agosto de 1992 foi aprovada a Lei de número 5.267 no Espírito Santo. O governador era Victor Buaíz. (PT)

    No dia 29 de setembro de 1993 foi à vez do Estado do Ceará com a Lei de número 12.151 de 29 de julho de 1993. O Governador era Ciro Ferreira Gomes. (PSB)

    Em 16 de maio de 1994 foi aprovada em Pernambuco a Lei de número 11.064 e o Governador era Miguel Arraes. (PMDB)

    Minas Gerais aprovou sua lei em 18.01.1995 e o governador era Eduardo Azeredo (do PSDB).

    Em 9 de novembro de 1995 foi a vez do Paraná aprovar a Lei 11.189 que foi sancionada por Jaime Lerner. (PDT)

    No mesmo ano de 1995, no dia 12 de dezembro o Distrito Federal aprovou a Lei de número 975 sancionada pelo Governador Cristovam Buarque. (PDT).

Pequenos detalhes de redação marcam a diferença entre todas as leis. O que está presente em todas é a proibição de construir novos hospitais psiquiátricos naqueles estados. Há sempre uma preocupação em defesa dos direitos dos pacientes com se fossem vítimas em potencial das maldades da psiquiatria. A mudança de partido deixa uma incógnita nas ideologias dos governadores, aparentemente a maioria era do PDT).

    A preocupação com a maldade dos psiquiatras impediu que percebessem que estavam transformando pacientes em criminosos. A partir da desativação dos leitos, os pacientes voltaram a serem recolhidos a cadeia pública e presídios como acontecia no século XIX e início do século XX.

Novos dilemas.

A Lei Federal 10.216 de 6 de abril de 2001 que é bem menos restritiva que as leis estaduais, contém alguns aspectos de defesa da cidadania onde pressupõe que fosse prática corrente pelos psiquiatras de práticas “soviéticas” contra o doente mental. No Art. 2º. Trata das informações que devem ser prestadas aos pacientes e familiares. No parágrafo único são enumerados os direitos dos pacientes:

I- Ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo com as suas necessidades.

II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho, na comunidade.

III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo para esclarecer a necessidade ou não da sua hospitalização involuntária;

VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII- receber o maior número de informações a respeito da sua doença e de seu tratamento;

VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX – ser tratada, preferencialmente em serviços com recursos de saúde mental.

As leis estaduais continham recomendações semelhantes, principalmente do Espírito Santo e do Distrito Federal.

Como já examinamos. A lei federal não proíbe a internação nem a abertura de novos leitos psiquiátricos. As leis estaduais, na maioria, com maior ou menor destaque, proíbe a abertura de novos leitos.

No geral, todas as leis vem com características de impedimento do livre exercício da psiquiatria em todas as sua possibilidades. Imaginam se nas UTIs fossem estabelecidas regras para entubar ou não um paciente, uso ou não de ventilação mecânica, fossem criadas regras externas para a atuação do intensivista. Na psiquiatria não houve nenhum cuidado em respeitar o progresso da ciência.  Estas são algumas considerações para que pensem a respeito do problema criado por ativistas políticos anti-psiquiatras.


TOP