Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9 Editor: Walmor J. Piccinini - Fundador: Giovanni Torello |
Setembro de 2013 - Vol.18 - Nº 9 Artigo do mês
TRAUMATISMOS CRANIENCEFÁLICOS E SUICÍDIO – Parte 1*
Maria Heloisa da Luz Rodrigues Furtado ** Ser ou não ser, eis a questão: 1. Introdução.
Há consenso na literatura de que as pessoas que
sofreram traumatismos craniencefálicos (TCE) podem apresentar inclinação maior
para o suicídio. Dentro do contexto, são identificadas e incluídas as ideações
e tentativas de suicídio. Os estudos têm demonstrado que há
inúmeros fatores associados ao pós-trauma, incluindo aspectos psicológicos,
psicossociais e neuropatológicos. Limitações cognitivas, personalidade prévia e
problemas psicológicos podem, independentemente ou em conjunção, contribuir com
pensamentos e comportamentos suicidas. 2,3 As causas mais frequentes de TCE são
acidentes com veículos automotores, quedas, lesões em práticas esportivas e
assaltos. Mais recentemente, de modo especial nos Estados Unidos, foi observado
que combatentes oriundos das invasões no Iraque e Afeganistão experienciaram
TCE em consequência de explosões, um fator novo a desafiar o entendimento
médico. 4 Os sobreviventes de TCE apresentam
maior propensão para desenvolver transtornos psiquiátricos graves e de longo
prazo. As complicações neuropsiquiátricas dos TCE incluem prejuízos na
conscientização, amnésia pós-traumática, transtornos cognitivos e demência,
epilepsia pós-traumática, afasia, depressão, mania, psicoses, transtornos de
ansiedade, alterações de personalidade, comportamento agressivo ou
descontrolado, fadiga/apatia, transtorno do estresse pós-traumático e aumento do
risco de suicídio. 5 O comportamento suicida, por sua
vez, é um dos grandes problemas de saúde pública, pois, de acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS) 6 e com Van Orden e cols.,
relativa e pouca atenção tem recebido empiricamente. No entendimento desses
autores, essa falta de atenção empírica pode ser devida, em parte, à relativa
ausência de uma teoria do desenvolvimento concernente ao comportamento suicida.
7 A visão sobre o suicídio tem mudado
ao longo da história da humanidade: de tradição em certas culturas ou como
opção aceitável em outras, para o pecado na Idade Média e, na modernidade, como
um sinal de doença mental. A palavra suicídio, como vocábulo,
surgiu no século XVII na Inglaterra, na obra publicada em 1643, denominada Religio Medici (Religião do Médico), do
escritor inglês Sir Thomas Browne. Entretanto, quem cunhou o termo foi
Desfontaines, um abade francês que estivera na Inglaterra e foi influenciado
pelo escritor inglês, em 1737, na França.
O significado do termo expressava “o
assassinato ou a morte de si mesmo” (etimologicamente, a palavra suicídio é
composta por dois vocábulos: sui= si
mesmo e caedes=ação de matar). 6
Segundo Meleiro e cols., reportando-se a Alonso Fernandes, essa palavra passou
a expressar, em várias línguas, a ação pela qual o ser humano põe fim à própria
existência. 8 No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, a palavra suicida é
conceituada como a pessoa que se matou a si própria, ato de que se participa
com a certeza de morrer ou como que com essa certeza. E define suicidar-se como
dar a morte a si própria, arruinar-se por culpa de si mesmo. A palavra suicídio
é relacionada como o ato ou o efeito de suicidar- se, desgraça ou ruína
procurada de livre vontade ou por falta de discernimento. Cita como sinônimo a
palavra autocídio. 9 Segundo Meleiro e cols., citando o
já falecido psiquiatra Menninger, “o
suicídio deve ser considerado como uma espécie peculiar de morte que envolve
três elementos internos: o elemento de morrer, o elemento de matar e o elemento
de ser morto”. A condição sine qua
non do suicídio é uma morte em que o sujeito é, ao mesmo tempo, o agente
passivo e ativo, a vítima e o assassino, o desejo de morrer e de ser morto e o
desejo de matar. Nessa definição, a dificuldade reside na definição da
qualidade impulsiva ou voluntária da atividade suicida. Por exemplo, quando um
esquizofrênico pula de um local elevado comandado por vozes alucinatórias, ele
é o agente ativo e a vítima ao mesmo tempo. No entanto, sua vontade de morrer
inexiste. 8 De modo geral, a literatura destaca
o caráter voluntário dessa atitude determinando a essência do suicídio.
Atualmente, a concepção mais aceita para o suicídio consumado é caracterizada
como uma morte causada por lesão, envenenamento ou sufocação como evidência
explícita ou implícita de que tenha sido autoinfligida e de que havia intenção
de morrer. 10 O presente trabalho tem a intenção
de analisar as variáveis: suicídio e traumatismos craniencefálicos, estudando
sua correlação em um universo ainda pouco investigado, porém potencialmente
merecedor de atenção por parte da Medicina, dos pesquisadores em saúde mental e
de medidas profiláticas necessárias à sua prevenção. Para sua divulgação na POLB o
trabalho é dividido em partes, sendo que nesta primeira parte é abordada a
definição de termos, o método de obtenção de dados e os resultados concernentes
aos tópicos sobre o suicídio, epidemiologia/fisiopatologia e TCE e suicídio. 2.
Definição de termos. De
maneira a esclarecer e delimitar os conceitos e/ou a definição de alguns termos
usados neste estudo são relacionados abaixo: · Traumatismos
craniencefálicos: qualquer força
mecânica extracraniana sobre o cérebro, resultante em qualquer período de perda
de consciência, perda de memória imediatamente antes ou depois do evento e
qualquer alteração no estado mental ao tempo da ocorrência. Ou ainda: “Lesão traumática cerebral ou traumatismo
craniencefálico é uma alteração na função cerebral, ou outra evidência de
patologia cerebral, causada por uma força externa”. 11 ·
Suicídio: uma ação humana complexa, a qual inclui uma gama
de atitudes, cognições e comportamentos, cujos limites são vagos e imprecisos e
que, nas últimas décadas, passou a ser entendido como um grave problema de
saúde pública. ·
Ideação suicida: o termo refere-se a cognições que podem variar
desde ideias passageiras até planos concretos e bem elaborados de tirar a
própria vida. ·
Tentativa de
suicídio: qualquer ato com
ameaça à vida que requer atenção médica e foi cometido com a intenção
consciente de terminar com ela. Representa uma ação potencialmente letal, mas
não bem sucedida. É fator de risco para suicídio completo e indicador de
problemas de saúde biopsicossociais. Engloba atitudes e comportamentos
variados, desde os atos mais simples de autoagressão, que não necessitam
atenção médica, até atitudes mais graves, que requerem hospitalização. 3.
Método. De maneira alcançar os objetivos do
trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica através dos mecanismos de
busca na Internet, sendo utilizadas as fontes da Medline (PubMed), Birene e Google. As palavras-chave escolhidas para a
pesquisa na Medline foram:“Behavior suicide and traumatic brain injury”,
“Concussion and suicide”, “Chronic traumatic encephalopathy” e “suicide”. Os mesmos termos, traduzidos para
o português, foram usados para as pesquisas na Bireme e a palavra “suicídio” e os termos “suicídio no Brasil”
junto ao Google. Foram privilegiados
estudos e publicações mais recentes, entre os anos de 2005 a 2012, embora
artigos anteriores também merecessem atenção.
Além disso, foram utilizados livros
sobre os assuntos relacionados aos traumatismos craniencefálicos e suicídio em
edições nacionais. Também artigos publicados na Psychiatry online Brasil, a
primeira revista eletrônica em psiquiatria brasileira, foram pesquisados e
utilizados no estudo. 4.
Resultados.
4.1.- Sobre o Suicídio
De
acordo com dados atuais da Organização Mundial da Saúde (OMS), em torno de
3.000 pessoas cometem suicídio por dia, o que significa que a cada 30 segundos
uma pessoa se mata/tenta se matar. É estimado que para cada pessoa que consegue
suicidar-se, vinte ou mais tentam, sem sucesso, e que a maioria dos mais de 1,1
milhões de suicídios a cada ano poderia ser prevista e evitada. 6 O suicídio é atualmente uma das três
principais causas de morte entre os jovens e adultos entre os 15 e 34 anos,
embora a maioria dos casos aconteça entre pessoas de mais de 60 anos. Conforme
a OMS, a média de suicídio aumentou 60% nos últimos cinquenta anos, em
particular em países em desenvolvimento. Usualmente, cada suicídio ou tentativa
provoca uma devastação emocional entre parentes e amigos, causando um impacto
que pode perdurar por muitos anos. Ibid Segundo Belfort, a avaliação do
paciente com risco suicida é uma tarefa complexa e que se constitui, por sua
vez, num desafio para os que trabalham na saúde. O risco suicida se define como
a probabilidade que possui uma pessoa de cometer um ato suicida no futuro,
sendo um ato suicida qualquer ação intencionada com possíveis consequências físicas,
na qual se coloca em risco a vida. Para ele, os fatores de risco para
comportamentos suicidas são numerosos e possuem tendência a relacionarem-se uns
com os outros. Reconhecer quem possui predisposição para o suicídio e saber,
também, quem tem um ou mais fatores de risco para tal fim pode ser de grande
ajuda na identificação e manejo daqueles que necessitam maiores esforços para
sua prevenção. As características individuais, os transtornos mentais, as
condições médicas e as tentativas suicidas prévias encontram-se entre os
fatores de risco de maior importância. 12 Dentro das probabilidades, pode-se constatar que há certos
fatores que estão relacionados a uma maior propensão para cometer o suicídio.
Mulheres tentam o suicídio quatro vezes mais do que os homens, porém os homens
o cometem e morrem três vezes mais. Isso é explicado pelo fato de que os homens
utilizam métodos mais agressivos e potencialmente letais, tais como armas de
fogo ou enforcamento, enquanto as mulheres se utilizam de métodos menos agressivos,
tais como medicamentos ou venenos. Doenças físicas, como câncer,
epilepsia, SIDA, alcoolismo, drogadição, depressão e esquizofrenia são fatores
relacionados a taxas mais altas de suicídio de acordo com a literatura. Além
disso, uma pessoa que já tentou cometer o suicídio anteriormente possui maior
risco de reincidir na tentativa. As motivações para o suicídio entre as pessoas
são muito variadas, porém dizem respeito, de um modo geral, à tentativa de se
livrarem de uma situação de extrema aflição, para a qual interpretam não haver
solução. Estudos realizados em diversos
países têm apontado outras situações clínicas e socioculturais como
propiciatórias de ideações ou comportamentos suicidas. Há forte correlação
entre ideação ou comportamento suicida entre pessoas obesas que procuram
serviços cirúrgicos para realização de cirurgia bariátrica em razão de que o
sobrepeso está relacionado a estigma e isolamento social. 13
Crianças e adolescentes quando ingressas em um sistema de cuidados de saúde têm
maior risco de suicídio e de tentativas de suicídio do que os não ingressos. Os
registros apontam, também, que essa população de ingressos já possuía, antes
das admissões hospitalares, risco maior de tentativas de suicídio. 14
Determinadas comunidades nos Estados Unidos possuem maior frequência de
suicídio entre seus membros, o que ainda não foi suficientemente investigado,
porém a pesquisa abre possibilidades de entendimento desse fenômeno. 15 Em um estudo semelhante, porém
avaliando outras dimensões, Hansson e cols. verificaram as condições de doença
mental e suicídio entre imigrantes, refugiados, etnoculturais e grupos raciais
diferentes no Canadá. Concluíram que há diferenças quanto a esses aspectos,
sendo impossível detectar as diferentes trajetórias de cada grupo étnico pelas
suas características socioculturais. 16 Na Austrália, Carman, Corboz
e Dowsett verificaram que há evidência de que a depressão entre os homossexuais
é uma condição sobressalente e de risco, porém não reconhecida pelo sistema de saúde
nacional. 17 Na Dinamarca é reconhecido que o risco para o suicídio
aumentou entre enfermeiros, médicos, dentistas e farmacêuticos entre os anos de
1981-2006 quando comparados com a população em geral, e que esses dados não
refletem o contato com os serviços de saúde, porém as drogas medicinais são
comumente utilizadas para as tentativas de suicídio. 18 Mok e cols. estudaram,
comparativamente, as taxas de suicídio entre os países da comunidade britânica
(Escócia, Inglaterra e País de Gales) entre os anos de 1960-2008. Verificaram
diferenças em três períodos distintos: entre 1960-1967 as taxas de suicídio
foram maiores tanto na Inglaterra como no País de Gales; entre 1968-1991 os
níveis de suicídio, especialmente entre homens, foram maiores na Escócia; entre
1992-2008 houve marcante divergência nas tendências nacionais. As divergências
nos níveis foram atribuídas ao aumento dos suicídios entre homens jovens e
mortes por enforcamento na Escócia e pela mudança em alguns critérios ou
categorias introduzidas de avaliação. Os autores concluíram que diferenças nos
padrões temporais no risco de suicídio entre países são complexas, pois as
variáveis que servem de substrato às avaliações são muitas. 19 James, Stewart e Bowers,
considerando ser a autoagressão e as tentativas de suicídio entre pacientes
internados em serviços psiquiátricos uma grande preocupação, conduziram uma
pesquisa em bases de dados na Internet sobre esse tema. Verificaram haver
substancial variação entre os estudos, entretanto os níveis mais altos
encontrados foram em prisões forenses ou em locais de custódia. Não houve
evidência de diferenças de prevalência entre homens e mulheres, porém as
mulheres tiveram risco aumentado em tentativas de suicídio. As pessoas
procuraram agredir-se em locais privados das prisões e em horários noturnos, em
resposta a estresse psicológico ou a restrições de sua liberdade. 20 Hunt e cols. pesquisaram os casos de
suicídio em serviços de saúde mental entre os anos de 1999-2007 na Inglaterra e
País de Gales. Pelos resultados, constataram que, dos 448 suicídios que
ocorreram em locais de custódia psiquiátricas, 77% foram por enforcamento. Os
autores chamam a atenção sobre esse número e reforçam a necessidade de cuidados
preventivos de maneira a evitar as diferentes ligaduras ou pontos de apoio que
permitam o enforcamento (portas, janelas, cadarços de sapatos, ganchos, cintos,
lençóis e toalhas). Ao mesmo tempo, reforçam que cuidados maiores devem ser
tomados em relação aos pacientes recém-admitidos. 21 Mortes
por suicídio em estações de metrô têm ocorrido com alguma frequência em países
europeus e têm determinado considerável impacto na vida pública.
Niederkrotenthaler e cols. estudaram essa ocorrência entre os anos de 1979 e
2009 em Viena, Áustria. No período, foram registrados 185 suicídios e 107
tentativas nesses locais. De acordo com esses autores, os achados indicam haver
algumas diferenças entre os suicídios e as tentativas de suicídio: a
concretização dos que usam o trem como forma de tirar sua vida varia muito,
enquanto que as tentativas dependem muito das características dos passageiros,
especialmente em estações com muitas pessoas e como ponto de encontro para o
uso de drogas. 22 Chen e
cols., em Formosa, China, mostram que extensiva divulgação na mídia sobre
eventos suicidas tem propiciado fator contributivo ao incitamento nos níveis de
suicídio nessa localidade. Os jornais de Formosa tendem a sobrevalorizar
métodos não usuais de suicídio entre homens e ampliar aqueles cometidos por
mulheres. As razões para o suicídio entre os homens são frequentemente
relatados como relacionados a questões trabalhistas ou a problemas legais,
enquanto que, entre as mulheres, estão relacionadas à doença mental e a
problemas de relacionamento. 23 Larney e
cols. pesquisaram a prevalência de ideações suicidas e tentativas de suicídio
entre prisioneiros em New South Wales, na Austrália. Concluíram que as taxas
dessas ocorrências são mais prevalentes na comparação com a população em geral
e que os médicos envolvidos com a saúde mental devem procurar suas razões ou os
seus indicadores preditivos, como fatores socioculturais e traumas psicológicos
ou abusos sexuais ocorridos na infância. 24 Moura
Junior e cols., referindo que poucos estudos têm mensurado a prevalência de
risco de suicídio entre pacientes com hemodiálise, abordaram essa temática,
procurando identificar a presença de risco de suicídio em unidades de diálise e
analisar a evolução e a mortalidade por três anos. Para tanto, avaliaram
pacientes em hemodiálise em duas unidades por um período de três anos. Em suas conclusões registraram que o risco
de suicídio entre esses pacientes teve alta prevalência e a mortalidade
associada a essa condição é elevada. 25
Humberto
Correa, em recente artigo publicado no Jornal PH da Associação Brasileira de
Psiquiatria, sob o título “Suicídio e Transtorno Mental”, refere que os
distúrbios mentais estão associados a praticamente 100% dos suicídios
registrados no país. Menciona que “Na área de prevenção é necessário
desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de
proteção e de recuperação da saúde. Na área de informação são necessárias ações
de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é uma questão
de saúde pública e pode ser prevenido”. 26 Bertolote, também em recente artigo
publicado na Revista Brasileira de
Psiquiatria, registrou que a mortalidade por suicídio no Brasil cobra um
tributo pesado: cerca de 10.000 vidas são perdidas a cada ano por suicídio,
quase que o mesmo número de pessoas que morrem por SIDA. Através de artigos
relacionados, informa sobre o recente aumento na mortalidade por suicídio em
pessoas jovens em São Paulo, a maior cidade do Brasil. 27 Em sua
breve apresentação, identifica que estudos têm demonstrado que os migrantes
constituem um grupo de alto risco, assim como mulheres no período pós-parto e
os padecentes de transtorno bipolar estão entre os que possuem maior impacto
sobre o risco de suicídio. Ibid Souza e
Orellana, em carta aos editores da Revista
Brasileira de Psiquiatria, chamam a atenção sobre a mortalidade por
suicídio entre os índios brasileiros. Mostram que a taxa de mortalidade por
suicídio (TMS) na população geral do Brasil situa-se abaixo de 5,0 por 100.000
habitantes e que, entre os índios, a TMS, nas dependências das cinco
macrorregiões estudadas, foi 76,4 na região Centro-oeste, 15,1 na região Norte,
7,0 vezes maior na primeira região e 3,8 vezes maior na segunda. Nas outras
regiões, Nordeste, Sudeste e Sul, a TMS foi ligeiramente mais elevada na população
não indígena do que na indígena, não ultrapassando a 9,0 por 100.000
habitantes. 28 Os
autores da missiva, com esses dados levantados pelo DATASUS (Banco de dados do
Sistema Único de Saúde), demonstram, corroborando achados internacionais, que o
suicídio é um importante problema de saúde no Brasil, especialmente entre os
povos indígenas e, particularmente, nas regiões Centro-oeste e Norte. Ibid Nogueira,
do Centro de Prevenção da Vida do Hospital Mãe de Deus de Porto Alegre,
mencionou, em uma entrevista, que no Rio Grande do Sul a faixa etária que mais
comete o suicídio situa-se entre os 15 e 29 anos, sendo preponderantemente
constituída por pessoas mais jovens. Afirmou
também que Porto Alegre salienta-se no Brasil por ser a capital brasileira onde
mais suicídios acontecem, sendo os meses mais prevalentes os do verão (dezembro
e janeiro), contrapondo-se ao que se acreditava antes, que ocorreriam mais nos
meses de inverno. 29 4.2.- Epidemiologia e
fisiopatologia. De
acordo com Marar e cols., nos Estados Unidos, são estimadas 300.000 concussões
relacionadas ao esporte a cada ano. Em pessoas entre 15 a 24 anos de idade o
esporte é secundário apenas às colisões entre veículos automotores na liderança
entre as concussões. Outros autores, como Prins e cols., apontam que a cada ano
ocorrem cerca de 3.5 milhões de novos casos de repetidos traumas cerebrais
envolvendo crianças e adultos nesse país. Marar e
cols. investigaram a epidemiologia da concussão em atletas de ensino
universitário americano através da comparação entre níveis e padrões desse tipo
de trauma em vinte modalidades esportivas entre os anos de 2008 e 2010. Em suas
conclusões, encontraram que as concussões ocorreram preferencialmente naqueles
esportes de maior contato, como futebol americano e hockey no gelo, entretanto elas aconteceram numa ampla variedade de
atividades esportivas escolares. Sumarizando, chegaram ao entendimento de que
os níveis de concussão variam em cada esporte, gênero e tipo de exposição. 30 Max e
cols., num artigo em que compararam crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos
que sofreram TCEs leves com outro grupo controle sem histórico de lesão
traumática, evidenciaram em seus achados que eles possuem maior risco para o
desenvolvimento de transtornos psiquiátricos recentes nos primeiros três meses
depois do trauma. 31 Prins e
cols., em um estudo, afirmaram que a duração da vulnerabilidade depois de uma
simples concussão ainda é desconhecida e que novos biomarcadores não foram
determinados. Revelam que o decréscimo no metabolismo da glicose tem sido
observado depois de traumas cerebrais experimentais e em humanos, o que poderia
explicar essa vulnerabilidade a uma segunda concussão dentro de um período de
tempo. Os resultados de seu estudo sugerem que a duração da depressão
metabólica reflete o curso de tempo da vulnerabilidade a um segundo impacto
cerebral em um cérebro jovem, fato que poderia servir como um biomarcador
válido ao estabelecer uma janela ou guia de prevenção. 32 Signoretti e cols. também enfatizam que, embora
numerosos estudos tenham sido desenvolvidos para investigar a patofisiologia
dos traumatismos craniencefálicos leves, até agora não existem critérios
padronizados para o diagnóstico e o tratamento dessa peculiar condição. Segundo
eles, a teoria dominante de que a lesão axonial difusa é o principal processo
neuropatológico tem se mostrado frágil ou inconclusiva, tanto pelos dados da
literatura corrente quanto pelo fato de que a lesão neuronal inerente aos TCEs
leves melhora, deixando poucas sequelas clínicas na maior parte dos pacientes. 33 Para eles, as evidências clínicas e
experimentais sugerem que tal curso, quiçá devido à morte celular, está baseado
na disfunção temporal, a inevitável consequência de uma complexa cascata de
mecanismos bioquímicos e neuroquímicos direta e imediatamente disparados pelo
insulto traumático. Ibid Outros
autores, como Caeyenberghs e cols., do Grupo de Ciências Biomédicas de Leuven,
Bélgica, em outra perspectiva científica, registram que recentes pesquisas com
TCE têm evidenciado que prejuízos no controle das funções cognitivas e
executivas estão acompanhados por uma ruptura na conectividade neural
caracterizada por lesões na substância branca. Esses achados sugerem que os
pacientes com TCE possuem uma rede neural integradora global enfraquecida da
estrutura cerebral, resultando numa capacidade limitada de integrar informações
através de regiões cerebrais (a rede neural da substância branca contém regiões
centrais de importância que estão predominantemente localizadas no córtice
parietal, frontal e gânglios basais). 34 Tomando por base seus próprios estudos e pesquisas nessa
área, concluíram que a análise da estrutura de conectividade das redes neurais
é capaz de prover novas luzes na compreensão das alterações de controle cognitivo
depois de lesões cerebrais. Ibid Jorge e
cols., a partir da estimativa de que entre 10% e 20% dos soldados americanos
veteranos que participaram das invasões dos Estados Unidos no Iraque e no
Afeganistão experienciaram TCE leves, em função da exposição a explosões de
bombas, analisaram a importância das imagens de ressonância magnética do
cérebro em veteranos dessas invasões, para caracterizar alterações
microestruturais ou diferenças na neuropatologia obtidas pelo Diffusion Tensor Imaging (DTI). Segundo
esses autores, elas são capazes de detectar alterações sutis na substância
branca nos estágios agudos ou crônicos dos TCE leves e, por isso, possuem
potencial para determiná-las. 35 Esses
mesmos autores descrevem que as análises realizadas sobre o método de
neuroimagem são capazes de identificar áreas espaciais heterogêneas de decreased fractional anisotropy,
denominadas de “potholes”. Na
interpretação dos resultados, os veteranos com TCE leves possuíam, de forma
significativa, maior número de potholes
do que os sem TCE e seu número esteve correlacionado com o desempenho no
funcionamento executivo, confirmando o comprometimento na substância branca
resultante desses traumas cerebrais. Ibid 4.3.-
Suicídio e TCE. Simpson e Tate, do Reino Unido, evidenciaram que, a
despeito da elevada frequência de perturbações emocionais depois de um TCE,
poucas investigações ou pesquisas mais amplas examinaram os extremos dessas
perturbações, representadas pelo suicídio. Com o
objetivo de elucidar alguns aspectos relacionados ao suicídio pós-TCE,
estudaram tanto os dados de prevalência, demográficos, de lesões e outros
aspectos clínicos correlacionados com desesperança, ideação suicida e tentativa
de suicídio em uma amostra de 172 pacientes que haviam sofrido um TCE. Em seus
resultados, mostraram que 35% dos participantes possuíam níveis significativos
de desesperança, 23% com ideação suicida e 18% haviam cometido tentativas de
suicídio depois da lesão. Identificaram, também, que o elevado nível de
desesperança foi o fator mais significativo às ideações suicidas e níveis
elevados de ideação suicida estiveram fortemente associados com tentativas de
suicídio. 36 Os
autores, nesse artigo, citam Teasdale e Engberg quando, num estudo
epidemiológico, reportaram que as taxas de mortes por suicídio em pessoas com
traumatismos craniencefálicos estão entre 2.7 e 4.1 vezes maiores do que na
população em geral, quando combinados com idade e sexo. Mencionam, também,
Beck, quando afirmou que “o elevado nível
de desesperança é o preditor chave de longo prazo da morte por suicídio e as
evidências sugerem ser um preditor mais poderoso do que a depressão por si
mesma”. Ibid Simpson e
Tate mostram que, além dos fatores mencionados em sua pesquisa, existem outros
tipos de riscos que merecem ser considerados: abuso de substâncias, problemas
de saúde mental e perturbações emocionais. Cada um deles pode se somar aos
anteriormente referidos, potencializando os riscos. Ibid Consoante com a literatura, esses
autores mencionam quatro aspectos particulares de risco e de suicídio depois de
um TCE que merecem ser considerados: 1) Quais os fatores de risco prévios ao trauma
encefálico contribuem à vulnerabilidade para o suicídio pós-trauma? 2) Embora transtornos psiquiátricos, disfunções
emocionais e utilização de substâncias psicoativas após injúria estejam sendo
estudadas, não estão sendo examinadas em seu conjunto no desenvolvimento dos
fatores responsáveis pelo risco de suicídio em populações com traumatismos
craniencefálicos. 3)
Os aspectos de risco explorados até agora envolveram características
demográficas de pessoas com TCE. Como a preponderância de jovens com
traumatismos craniencefálicos é expressiva, cabe saber quais têm fatores de
risco ao suicídio e quantos adotam formas dissimuladas para tanto, como dirigir
automóveis em alta velocidade. 4º)
Outro aspecto demográfico chamativo diz respeito ao gênero, pois a relação
mulher/homem em tentativas de suicídio na população em geral é de 3:1, porém,
depois de um TCE, essa relação se inverte, passando a 3:1 homem/mulher. Ibid Em 2001, Kishi e cols. acompanharam 496
pacientes em um seguimento correspondente a períodos de 3, 6, 9, 12 e 24 meses
após sofrerem acidente vascular cerebral (AVC), lesão cerebral traumática
(TCE), infarto agudo do miocárdio (IAM) e lesão raquimedular (LRM), com o
objetivo de verificar possíveis ideações suicidas. Em seus resultados,
observaram que um total de 7,3% dos pacientes teve ideação suicida durante o
período intra-hospitalar (ideação suicida aguda) e 11,3% desenvolveu durante a
reabilitação, entre 03 e 24 meses (ideação suicida posterior). Comparando com
os que apresentaram ideação suicida posterior, os que tiveram a ideação suicida
aguda mostraram maiores fatores de risco (por exemplo, história psiquiátrica e
abuso ou dependência de álcool) e menos apoio emocional (solteiros em sua
maioria). Ambos, agudos e posteriores, contudo, estiveram fortemente associados
com a existência de depressão maior e pior posição social. Dos 496 pacientes,
33 tiveram um plano suicida na avaliação inicial, 19 com AVC, 3 com TCE, 4 com
IAM e 7 com LRM. Do total, 3 tentaram suicídio realmente (1 com IAM, 1 com AVC
e 1 com LRM). Não houve diferença entre os quatro grupos (separados por
doenças) na frequência da ideação suicida aguda. Daqueles
que não desenvolveram ideação suicida no início, 33 (11,3%) desenvolveram no
seguimento após a internação. Também não houve diferença entre grupos: 7,0% dos
que tiveram IAM, 7,0% dos que tiveram LRM; 13,8% dos que tiveram AVC e 16,4%
dos que tiveram TCE. Do total, 24 (72,7%) padeciam de depressão maior no
momento da ideação suicida, 3 (9,1%) se encontravam com depressão menor e 6
(18,2%) não possuíam diagnóstico de depressão. 37 No mesmo
ano, Teasdale e Engberg, na Dinamarca, publicaram um estudo de pesquisa
realizada junto a pacientes que sofreram lesões cerebrais variadas entre os
anos de 1979-1993, procurando determinar os índices de suicídio entre eles.
Três grupos foram selecionados, os que sofreram: concussões (n=126.114),
fraturas de crânio (n=7560) e hemorragias intracerebrais (n=11.766), sendo
acompanhados durante quinze anos. Em seus
resultados, concluíram que o aumento do risco de suicídio entre pacientes que
sofreram lesões cerebrais pode resultar de uma concomitância de fatores, tais
como condições psiquiátricas e psicossociais deficitárias. Ao mesmo tempo, o
risco maior esteve entre os casos com consequências mais graves das lesões, com
implicações físicas, psicológicas e psicossociais diretamente contributivas ao
suicídio. 38 Oquendo e
cols. investigaram a relação entre TCE e outros fatores de risco para
comportamento suicida em episódios depressivos (depressão maior, tipos unipolar
ou bipolar). Eles analisaram uma amostra de 325 pacientes que foram avaliados
segundo sua psicopatologia, histórico traumático e comportamento suicida. Do
total de pacientes, 44 % haviam sofrido um TCE, eram predominantemente do sexo
masculino e possuíam histórico de abuso de substâncias. Em seus
resultados, observaram que não houve diferenças de comportamento suicida entre
os que possuíam histórico de TCE e os que não tinham, invalidando sua hipótese
inicial de que haveria uma estreita relação entre essas duas variáveis
clínicas. Ao mesmo tempo, registraram que os fatores preponderantes encontrados
entre os pacientes com TCE prévios e propiciatórios de comportamento suicida
estiveram relacionados a aspectos de hostilidade e agressão. Conjeturaram, em
vista disso, como decorrentes do trauma cerebral em regiões envolvendo as
funções executivas, de modo especial a inibição comportamental. 39 Tsaousides
e cols. exploraram os níveis de ideação suicida em uma amostra de residentes de
uma comunidade de adultos com TCE e investigaram a relação entre ideação
suicida e características demográficas pré e pós-lesões na história
psiquiátrica e no funcionamento psicossocial. Os pacientes, compondo uma
amostra de 356, haviam sofrido TCE com graus entre moderados a graves. Os dados
foram coletados segundo estudo de coorte focados na saúde, funcionamento
psicossocial e integração na comunidade pós-TCE. O
Inventário para a Depressão de Beck foi utilizado para acessar a ideação
suicida, o funcionamento psiquiátrico foi acessado usando a Entrevista
Estruturada Clínica do DSM-IV, Eixo 1 transtornos SCID-I e o funcionamento
psicossocial através do Life-3, the FlanaganScale of UnmetNeeds, e o
BigelowQuality of Life Questionnaire. 2 Em seus
resultados, observaram que não houve diferenças em ideações suicidas baseadas
em gênero, idade, raça, salário, nível educacional ou distância do tempo do
trauma. Aqueles que preencheram os critérios para diagnósticos de depressão,
ansiedade ou transtorno do estresse pós-traumático registraram ideações
suicidas mais frequentes, o mesmo ocorrendo com os que consignaram
significativo funcionamento psicossocial baixo. Ibid Como
conclusão de seu estudo, os autores assinalaram que pessoas com TCE, oriundas
de todos os grupos demográficos e com lesões de gravidade variada, encontram-se
em risco para ideações suicidas e, sobretudo, para estresse emocional e
comportamento suicida. A investigação para ideação suicida está indicada para
pessoas com TCE, particularmente àqueles com história pré-mórbida de uso de
substâncias e transtornos concorrentes do humor e ansiedade. Enfatizaram,
também, a necessidade e a importância de intervenções para maximizar os
suportes sociais e reduzir o isolamento social. Ibid Mainio e
cols., afirmando que depressão e abuso de substâncias são comuns entre
pacientes com TCE, enfatizaram que poucos estudos prévios examinaram a
associação temporal entre transtornos psiquiátricos, TCE e suicídio. Por isso,
estudaram a prevalência de TCE entre vítimas de suicídio, procurando determinar
sua associação com suicídio, transtornos psiquiátricos e gravidade das lesões
traumáticas, além de avaliar o efeito dos transtornos psiquiátricos pré e
pós-traumáticos em suas sobrevidas. 40 O estudo
compreendeu o exame de suicídios (n= 1.877) ocorridos durante o período de 16
anos (1988-2004) na província de Oulu, Finlândia, sendo as informações obtidas
junto aos certificados oficiais do Registro Nacional de Descarga Hospitalar.
Como resultado, encontraram que o TCE esteve associado em 5,5% (n=103) das
vítimas. Comparados com as vítimas sem TCE, aqueles com o trauma encefálico
tinham, de forma significativa, maiores internações psiquiátricas e transtornos
devidos ao álcool. Se aspectos do TCE possuíam transtornos psiquiátricos
comórbidos, o período compreendido entre o trauma e o suicídio esteve abaixo de
três anos em aproximadamente 90% das vítimas na população suicida. Concluíram,
os autores, que a gravidade da lesão, gênero masculino, idade avançada,
desemprego e presença de transtornos psiquiátricos e abuso de álcool são
importantes para identificar possíveis preditores para comportamento suicida em
pacientes com TCE. Ibid Simpson e
Tate, da Unidade de Reabilitação de TCE do Serviço de Saúde de Liverpool,
Sidney, Austrália, em artigo de 2007, reforçam o entendimento de que as pessoas
com TCE possuem risco aumentado para o suicídio, tentativas de suicídio e
ideações suicidas comparados com a população em geral. Referem que a maior
parte das mortes e tentativas de suicídio envolve o autoenvenenamento. 41 Os
autores chamam a atenção sobre a importância dos médicos de atendimento
primário, clínicos gerais ou psiquiatras de saúde metal na contribuição de
estratégias para prevenir os suicídios nesse grupo de pessoas, pois, em suas
abordagens, devem estar atentos quanto à natureza crônica desse risco. Realçam,
também, que a abordagem ou o entendimento diagnóstico desses casos muitas vezes
é complicado pela equivalência sintomática entre prejuízos sensoriais e
cognitivos pós-TCE e depressão pós-TCE. Ibid Para
eles, o diferencial diagnóstico pode ser esclarecido pelo fato de que os
sintomas psicológicos, tais como sentimentos de desvalia ou desesperança,
inutilidade e anedonia sugerem uma depressão pós-TCE. Simpson e Tate igualmente
sugerem que o manejo desses casos inclui atenção cuidadosa com os medicamentos
prescritos, dispensados ou administrados e os familiares ou a comunidade devem
ser convocados a prover apoio emocional e monitoramento dessas pessoas. Ibid Em sua
revisão de fatores de risco, encontraram dois estudos prognósticos utilizando
análise multivariada. Os dados estatísticos desses estudos encontraram um
elevado risco de suicídio para pessoas com TCE graves comparados com TCE leves,
elevado índice de tentativas entre pessoas manifestando ideação suicida
pós-lesão e infortúnios psiquiátrico-emocionais. Ibid Outro resultado de sua pesquisa encontrou que
as pessoas com TCE possuem um aumento do risco para o suicídio ou morte por suicídio de 3 a 4 vezes maior do que na população
em geral e, também, nível mais elevado de tentativas de suicídio e de ideações
suicidas. Ibid Em sua
revisão de fatores de risco encontraram dois estudos prognósticos utilizando
análise multivariada. Os dados estatísticos desses estudos encontraram um
elevado risco de suicídio para pessoas com TCE graves comparados com TCE leves,
elevado índice de tentativas entre pessoas manifestando ideação suicida
pós-lesão e infortúnios psiquiátrico-emocionais. Ibid Rogers e
Read, partindo do princípio de que os sobreviventes de TCE estão em aumentado
risco para desenvolver graves transtornos psiquiátricos de longo prazo, pesquisaram
os níveis de prevalência e de evidência de causalidade desses transtornos. 42 Em seus resultados, descrevem que síndromes
psiquiátricas estão consistentemente presentes em elevado nível após TCE. Os
sobreviventes de TCE estão particularmente susceptíveis à depressão maior,
transtornos generalizados de ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático.
O início temporal dos sintomas é variável e períodos críticos confiáveis para o
desenvolvimento de transtornos psiquiátricos permanecem sendo identificados;
entretanto, as pessoas mantêm-se em risco por muitos anos depois de um TCE. Ibid Wood e
cols., também partindo do princípio do alto índice de ideações suicidas após
TCE, registradas pela literatura, examinaram sua frequência e relação com a incapacidade
de expressar emoções (alexitimia) e depressão, além de dois componentes
relacionados: desesperança e inutilidade. A amostra constou de 105 pacientes
com TCE e 74 controles, investigados através da Toronto Alexithymia Scale-20
(TAS-20) e da Beck DepressionInventory (BDI-II). A avaliação de ideação
suicida, desesperança e inutilidade foram extraídas da BDI-II. 43 O
resultado de seu estudo confirmou a alta frequência de ideações suicidas (33%)
e alexitimia (61%) depois de TCE, comparados com o grupo controle saudável. Ao
mesmo tempo, a alta frequência de alexitimia foi também encontrada num subgrupo
de pacientes com depressão moderada a grave (70.68%), comparado com duas
amostras de pacientes depressivos que não sofreram TCE. Além disso, uma
significativa associação foi encontrada entre ideação suicida e incapacidade de
expressar emoções ou sentimentos no grupo de pacientes com TCE, inclusive com
escores mais elevados no TAS-20. Ao mesmo tempo, a análise de regressão
logística revelou que a inutilidade foi o preditor mais forte para as ideações
suicidas após TCE. Ibid Os
autores concluíram seu estudo, enfatizando que atenções redobradas devem ser
dirigidas às alterações emocionais depois de um TCE, sendo que a incapacidade
de expressar emoções ou sentimentos pode mediar o desenvolvimento de
inutilidade e, por seu turno, um aumento do risco para ideações suicidas. Ibid Bryan e
cols., estudando soldados americanos que retornaram do Iraque com sequelas de
TCE, procuraram investigar as variáveis associadas com intenção suicida. Em
seus resultados, utilizando vários tipos de questionários e escalas,
encontraram que as ideações suicidas estiveram de forma significativa
associadas com depressão e sintomas de depressão com transtornos de estresse
pós-traumático. Por sua vez, a duração mais prolongada de perda de consciência
esteve associada com menor probabilidade de qualquer ato suicida. 44 Homaifar
e cols., com o objetivo de explorar a relação entre disfunção cognitiva e
comportamento, examinaram dois grupos de participantes: grupo 1, com n=18,
formado por militares veteranos que sofreram TCE e história de, ao menos, uma
tentativa de suicídio, e outro grupo 2, com n=29, formado por veteranos com TCE
e sem história de tentativas de suicídio. Todos os participantes dos dois
grupos foram submetidos ao Wisconsin CardSorting Test (WCST), além de outros
testes. Em seus resultados, os autores encontraram que os
escores foram diferenciados tão somente nesse citado teste, o qual evidenciou
escores de erros significativos persistentes (deficiências cognitivas) entre os
com e sem história de um ou mais tentativas de suicídio. Cabe salientar que as
tentativas de suicídio ocorreram em tempos que variaram entre meses até mais de
30 anos. 45 Blennow e
cols., afirmando que as consequências agudas e de longo prazo dos TCE têm
recebido progressiva atenção nos últimos anos, realizaram uma revisão sobre o
assunto. No artigo, discutem a neuropatologia e os mecanismos associados aos
TCE, extraídos de achados em atletas esportivos que sofreram lesões cerebrais.
Eles enfatizam que essas lesões, nos jogadores, afetam os axônios e propiciam
respostas tanto regenerativas como degenerativas nos tecidos cerebrais, e
naqueles nos quais as concussões se repetem pode iniciar um processo de longa
duração chamado de demência pugilística ou encefalopatia traumática crônica
(ETC). Tal processo, segundo esses autores, é muito semelhante ao que se
observa na doença de Alzheimer, caracterizado por agregação de tau, B-amiloide
e TDP-43. 46 Dashnaw e cols., em artigo
semelhante, também identificam o progressivo interesse no diagnóstico, no
manejo e na fisiopatologia dos TCE leves ou por concussão, assinalando as
repercussões dos traumas cerebrais que resultam em um amplo espectro de
sequelas, entre elas a síndrome pós-concussional, prejuízos cognitivos menores,
encefalopatia traumática crônica e demência pugilística. 47 Em artigo posterior, segunda parte, serão
abordados de maneira mais aprofundada a encefalopatia traumática crônica e suicídio e
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Focus.33(6), Dec. 2012. E5 *Parte
1. Extrato de monografia para obtenção do título de Especialista em Psiquiatria
junto ao Centro de Estudos José de Barros Falcão de Porto Alegre. **Especialista
em Psiquiatria, autora do estudo. ***Professor
orientador, Doutor em Psiquiatria. Endereço
p/correspondência: [email protected]
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