Volume 16 - 2011 Editor: Giovanni Torello |
Maio de 2011 - Vol.16 - Nº 5 História da Psiquiatria LAURO DE OLIVEIRA PIMENTEL Walmor J. Piccinini “A
terapêutica nas suas múltiplas variedades pode orientar-se pelos effeitos
mórbidos, isto ê, por sintomas e lesões, assumindo um caráter, francamente,
oportunista e ser sintomática; pode visar, unicamente, a causa,como nas doenças
infecciosas e parasitarias, pretendendo parar a infecção no seu período prodrômico
e evitar a sua evolução, a sua generalização, tornando-se etiológica; pode
ainda se preocupar em opor ás perturbações mórbidas agentes
medicamentosos, possuindo uma ação inversa sem se inquietar com a sua
etiologia e patogenia e abstraindo das indicações verdadeiramente medicas e ser
fisiológica; pode ser naturista, empírica e se orientar pelas condições da
gênese das doenças e ser patogênicas” (Lauro de Oliveira Pimentel-1916). Nos tempos atuais falamos de neuroplasticidade, do
efeito psicoterápico no cérebro, no aumento das defesas do organismo com a melhora
do estado de ânimo, no valor da espiritualidade no enfrentamento das
adversidades. Da resposta positiva da psicoterapia quando comparada com
medicação e das novas psicoterapias com manuais de treinamento e boa resposta
clínica. É surpreendente encontrarmos afirmações
com as encontradas nesta tese onde a relação médico-paciente poderia ser fator
destacado no aumento da resistência à enfermidade. O Dr. Lauro de Oliveira Pimentel acreditava no
isolamento, na persuasão como parte da psicoterapia. Compreendia a psicanálise
como uma outra forma de persuasão. Neste artigo vamos seguir a seguinte ordem: 1. Apresentar a Tese Inaugural do
doutorando Lauro de Oliveira Pimentel apresentada na Faculdade de Medicina de
Porto Alegre 2. Algumas informações sobre o autor
e como acessar seu trabalho on-line. 3. Examinar aspectos da tese chamando
a atenção para a maneira como compreendeu o trabalho de Freud. 4. Considerações gerais. Uma das grandes iniciativas do
Dr. Paulo de Argollo Mendes, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do
Sul (www.simers.org.br) foi o de criar e patrocinar o MUHM, Museu da História
da Medicina do Rio Grande do Sul (http://www.muhm.org.br). Tendo como
meta básica preservar a memória médica, o MUHM, num trabalho conjunto com a
Biblioteca da Faculdade de Medicina da UFRGS está digitalizando e colocando a
disposição de todos, os livros, revista e teses que nos permitem conhecer as
idéias, teorias e conhecimentos dos médicos gaúchos ao longo do tempo que vai
da criação da Faculdade de Medicina de Porto Alegre-RS em 1898 até nossos dias.
Este material está disponível para consulta no seu acervo. Foi lá que
descobrimos a tese inaugural (doutoral) do Dr. Lauro de Oliveira Pimentel,
apresentada na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, em 1916. As informações sobre o autor
são escassas, mas sabe-se que era natural do Pará e médico militar (10º
Regimento de Porto Alegre). Começou como estudante na Escola de Guerra de Porto
Alegre. Aluno da Escola Militar do Realengo no Rio de Janeiro de onde saiu
aspirante a oficial. Servindo O
desconhecimento desta tese de Lauro de Oliveira Pimentel deixou-o fora da
história da Psicanálise e da Psiquiatria no Brasil. Consultando os trabalhos de
Roberto Sagawa, Maria Alzira Perestrello, Maria Lucia Valladares e outros, nada encontramos sobre este autor.
Credito o desconhecimento à falta de acesso ao material de pesquisa histórica
que, aos poucos vai aparecendo, graças a iniciativas como esta do MUHM. Sagawa
publicou sob o título de Um Recorte da História da Psicanálise no
Brasil.(RYS) (http://www.cocsite.coc.fiocruz.br/psi/pdf/artigos1.pdf), trata dos primórdios da
psicanálise e dividiu os personagens em precursores e pioneiros, os precursores
seriam os primeiros médicos a escrever ou falar sobre psicanálise no Brasil,
entre eles Juliano Moreira, Genserico Aragão e Francisco Franco da Rocha. A
eles seguiram-se os pioneiros que exerceram alguma forma de psicanálise, mesmo
sem formação oficial, tais como J.P. Porto Carrero, Arthur Ramos e outros.
Durval Marcondes pode ser considerado precursor e pioneiro, pois se dedicou a
criar uma formação psicanalítica oficial no Brasil. Dos
precursores citados, poucos apresentam uma visão tão clara do trabalho de Freud
e sua aplicação na Psicoterapia como Pimentel. A tese do
Dr. Pimentel está organizada em 5 capítulos, conclusão e resumos de alguns
atendimentos psicoterápicos. Os capítulos são os seguintes: CAPITULO I Antigas e recentes concepções das psiconeuroses CAPITULO 11 Tríade patológica passível da psicoterapia - Esboço Concepcional das psiconeuroses e da neurastenia. CAPITULO III Métodos psicoterápicos em Voga - Hipnotismo - Sugestão- Psicanálise - arétoterapia - Persuasão. CAPITULO IV Reeducação e reequilíbrio dos estados neuropsíquicos CAPITULO V Do isolamento como meio
complementar do método persuasivo e como medida profilática Conclusão e Casos Clínicos. Vamos pinçar alguns detalhes das idéias expressadas
pelo autor. “E' um assunto novo, para o mundo médico rio-grandense, e a prova,
demonstrativa desta minha asserção, reside no fato de não haver em todo o
Estado, onde a corpo médico é numeroso e ilustrado, um único estabelecimento
hospitalar no qual se pratique a Psicoterapia, havendo, no entanto, um número
infindável de psiconeuróticos entregues aos acasos de uma cura em família”. Em todas as situações humanas, seja de ordem física, seja de ordem moral,
a Psicoterapia se exerce de uma decisiva maneira, solucionando as mais das
vezes, os problemas extremamente embaraçosos e complicados de uma existência
enxertada de dificuldades de toda ordem e eivada de preconceitos patológicos
arraigados”. Apresenta a relação médico-paciente como uma possibilidade de aumento
das defesas orgânicas dando lugar a uma maior resistência à enfermidade. Cap. I Antigas e Recentes concepções das psiconeuroses. Neste capítulo ele parte das idéias de Cullen que cunhou o termo psiconeurose
e a definição de doença de curso sem febre e apresenta as concepções
diagnósticas até chegar à histeria e a neurastenia como modelos
psiconeuróticos. “WILLIAM CULLEN (1710-1790), médico escocês,
formado em 1740 pela Universidade de Edimburgo e de quem o grande PHILIPP
PINEL, ao traduzir para o francês o seu livro Instituitium of medicine, pode
dizer que, nessa obra «se encontra uma historia fiel e exata das doenças,
segundo a co-existência e a sucessão dos sintomas» e que «os recursos, assim como os limites da nossa arte nela são
expostos com uma candura ingênua», William Cullen foi quem, pela primeira vez,
empregou a palavra neurose, com o intuito de consubstanciar num só os estados
patológicos que os seus antecessores denominavam de doenças nervosas, vapores e
afecções vaporosas. “Isto foi em Depois de citar várias concepções sobre neurose chega a Freud: BREUER e SIGMUND FREUD, professores em Viena e
edificadores de urna nova doutrina, relativa ao tratamento e á analise das
neuroses e da qual tratarei proximamente em um dos capítulos deste modesto
trabalho, concebem as psiconeuroses como uma anomalia do desenvolvimento
genital, a qual é ignorada do próprio individuo que d'ela não se apercebe. E'
uma anomalia psicogenital dissimulada, mascarada pela influência deformante da
Censura, é o estado negativo da perversão. As psiconeuroses, representadas pela
histeria e pela obsessão, resultam, na opinião dos abalizados fundadores da
psicanálise, de complexos mal recalcados, remontando pelo passado individual
até á juventude. O ilustrado professor BERNHEIM, da celebrada
Faculdade de Nancy de onde as mais belas doutrinas têm surgido aureoladas pelo
justo renome de que goza, no mundo medico, a digna rival da Salpêtriere, o
notável professor BERNHEIM concebe as psiconeuroses de um modo todo particular,
traduzido pela seguinte definição que ele nos dá desses estados mórbidos: «Que é uma
psiconeurose? E' uma perturbação
funcional, puramente dinâmica, sem lesão, nem toxina. De origem emotiva ou psíquica e que pode ser entretida ou repetida
por auto-sugestão. A questão psíquica, ou melhor, a questão
psicofisiológica, compreendendo esta expressão como a concebeu EMILE LITTRÉ, isto é, psíquica por ser relativa aos
sentimentos e ás idéias; fisiológica por exprimira formação e a combinação
destes sentimentos e destas idéias em relação com a constituição e a função do
cérebro, a questão psicofisiológica, aparece na interpretação das psiconeuroses
de tal maneira notável que, desde logo, amparados pela Anatomia Patológica até'
aqui impotente para descobrir uma lesão que justifique as diversas modalidades
desses estados, que, desde logo" elas se insinuam no espírito medico,
segundo a interpretação simplista partilhada pelos professores DUBOIS, RAYMOND
e outros; isto é, como entidades mórbidas sem lesão conhecida. Mas o professor Paul DUBOIS, completando o seu
pensamento, acrescenta: «Tendo eliminado as neuroses cuja origem somática é
provável, não conservo neste grupo das psiconeuroses senão as afecções nas
quais predomina a influência Psíquica, aquelas que são mais ou menos passivas
da psicoterapia que são: a neurastenia, a histeria, a histero-neurastenia, a psicastenia,
as formas leves da hipocondria e da melancolia; em fim podem-se incluir aí
certos estados de desequilíbrio mental mais graves frisando pela vesania e
aqueles difíceis de classificar»- DEJERINE E GAUCKLER « estudam, sob o nome de
manifestações funcionais, o conjunto de perturbações e de sintomas
persistentes, acusado pelos neuropatas e enxertando-se nestes doentes, fora de
qualquer lesão somática antecedente.» E esse aglomerado de modalidades patológicas eles a
descobrem nos estados neurastênico, histérico e psicastênico, que são a tríade
em torno da qual gira a nova concepção das psiconeuroses, que os referidos
autores explanam no seu livro, por muitos títulos, apreciável. E dessa maneira, derrotando as outras concepções
elas psiconeuroses, RAYMOND chega á conclusão de que somente a histeria e a psicastenia
podem fazer parte desse capitulo sem que o espírito cientifico, no entanto, se
satisfaça com a interpretação, exclusivamente, de ordem psíquica que a Medicina
até agora lhes pode dar. CAPITULO 11 Tríade patológica passível da Psychoterapia – Esboço concepcional das psychoneuroses e
da neurasthenia Para el1es, como para um grande numero de autores,
a significação da síndrome neurastênica é, antes de tudo, asthenza nervosa,
nervous exhaust On dos ingleses e para o norte-americano BEARD, que propôs
este nome em 1880, «é a insuficiência do potencial nervoso, a diminuição do
funcionamento dos neurônios psíquicos, sensitivos, motores, vasos-motor, etc.,
com predominância sobre tais ou tais dentre eles, cefálicos, medulares ou
simpáticos. O professor DUBOIS encara a neurasthenia como uma
psiconeurose pura e definida; chama-lhe de irmã mais nova da histeria. Para o
admirável neuropatologista a neurasthenia é uma conseqüência da luta pela vida. Existem neurastênicos desde que us homens se
organizaram em sociedade e interesses e egoísmos se chocam a todo instante e
por qualquer pretexto. Mas o livro de DUBOIS é de 1904. Para BERNHEIM «todas as doenças toxicas ou
infecciosas, criando uma intoxicação difusa, sem nítida localização orgânica ou
antes, desta localização, dão lugar a manifestações gerais que simulam,
aparentam um estado neurastênico» . PINEL classificou a histeria sob o titulo de Neuroses
da geração, segunda sob ordem, intitulada: - Neuroses genitais da
mulher, gênero XLVI e a definiu da seguinte maneira: «Sentimento
de uma bola que parte do útero, conduz-se ao pescoço e constrange mais ou menos
a respiração, produzindo fenômenos
variados nas diversas funções. » Duas espécies se poderiam encontrar: Simples e
complicadas A Psicoterapia e seu papel nas psiconeuroses Métodos psicoterápicos em Voga - Hipnotismo - Sugestão- Psicanálise - arétroterapia -: Persuasão A terapêutica nas suas múltiplas variedades pode
orientar-se pelos efeitos mórbidos, isto ê, por sintomas e lesões, assumindo um
caráter, francamente, oportunista e ser sintomática; pode visar, unicamente, a
causa, como nas doenças infecciosas e parasitarias, pretendendo parar a
infecção no seu período prodrômico e evitar a sua evolução, a sua
generalização, tornando-se etiológica; pode ainda se preocupar em opor ás
perturbações mórbidas agentes medicamentosos, possuindo uma ação inversa sem se
inquietar com a sua etiologia e patogenia e abstraindo das indicações
verdadeiramente medicas e ser fisiológica; pode ser naturista, empírica e se
orientar pelas condições da gênese das doenças e ser patogênica. Hipócrates «é o tratamento que faz conhecer a
natureza da doença». Segundo Pimentel: “A natureza das doenças e especialmente dos doentes
é o que indicará o tratamento a seguir-se”. Sobre os diferentes métodos: 1-Hipnotismo O hipnotismo aparece para determinados mestres como
o mé0hodo de escolha em casos especiais. Assim PIÉRRE JANET exerce-o ha muito tempo em larga
escala, colhendo, pelo que se depreende das suas observações, os melhores
resultados definitivos no tratamento dos estados ditos psiconeuróticos. Sobre hipnotismo no Brasil sugerimos a leitura do
artigo de Fernando Câmara sobre a Instituição da Psicoterapia no Brasil
1887-1889 na Psiquiatria Online Brasil (http://www.polbr.med.br/ano03/wal0103.php) Pimentel discorre sobre a opinião de vários autores
sobre o hipnotismo e parece se agradar mais das idéias de Bernheim que cita: “BERNHEIM, combatendo esta idéia de sono que todos
os autores, desde BRAID, ligam á concepção do hipnotismo,com experiências
irrecusáveis, diz-nos que «os fenômenos ditos hipnóticos não são em realidade
senão fenômenos de sugestibilidade;
d'onde ele conclui que tudo «quanto se chama hipnotismo não é outra cousa senão
acionamento de uma propriedade normal do cérebro, a sugestibilidade, isto é, a
aptidão a ser influenciado por uma idéia aceita e a procurar a sua realização».
Para esse autor não há hipnotismo ou «estado especial,anormal,
anti-fisiológico, merecendo este nome», o que há são indivíduos . «mais ou
menos sugestionáveis aos quais podem ser sugeridas idéias, emoções, atos,
alucinações. A opinião de Pimentel é expressa da seguinte
maneira: Baseado nas doutrinas neuropsíquicas, eu quero ver nos fenômenos ditos
hipnóticos, simplesmente, uma questão reflexiva pela qual os processos
associativos se estabelecem de um modo todo especial, dando lugar a um estado
de passividade e de depressão provocado
pelas reações mecânicas que os símbolos verbais, independente da vontade do
paciente, podem produzir-lhe. Esse estado é passageiro e corresponde a um
complexo de reações variáveis para cada individuo, sendo que é mais facilmente
provocado naqueles nos quais as impressões se distribuem segundo a lei que
formulei no capitulo anterior. (A natureza das doenças e especialmente dos
doentes é o que indicará o tratamento a seguir). Todos somos, na realidade mais ou menos
sugestionáveis, sendo que isso depende do mecanismo da nossa vida psicofisiológica,
das particularidades reflexivas e dos processos associativos especiais para
cada individuo que caracterizam a nossa personalidade neuropsíquica. Para o professor Dubois, sugerir «é surpreender em
toda ou em parte a boa fé do paciente, levá-lo a uma idéia que poderá curá-lo,
mas que não tem a mesma forma no espírito do doente e no do médico. Há para
DUBOIS uma mentira medica na sugestão, uma piedosa mentira, á qual ele não
recorreria senão no caso de serem negativos os processos de persuasão que
pratica. Psycho-analyse é o termo que SIGMUND FREUD,
celebrado médico de Viena, escolhera para sintetizar a doutrina que ha
dezessete anos vem sustentando em relação ao tratamento e á analise do que ele
chama neuroses. Esta doutrina, que tem passado por transformações
profundas, abre, hoje, para a psicoterapia um horizonte amplo do qual, mesmo no
emprego de outro método que nos pareça aproveitave1 no tratamento das
psiconeuroses, não devemos abandonar. E' de interesse capital para o
psicoterapeuta a importância que ele atribue aos fenômenos da sexualidade no
desenvolvimento d'esses estados mórbidos e na reconstituição do mecanismo por
que passam. (Atualmente, segundo o que escrevem REGIS e
HESNARD) a psicanálise «é um método de exploração e de tratamento psíquicos das
psiconeuroses, inspirado em um vasto sistema de explicação da maior parte das formas
da atividade psíquica humana, quer normal, quer patológica, e caracterizada
pela analise das tendências affectivas e de seus efeitos, estas tendências
sendo consideradas pela grande maioria como derivadas do instinto sexual. » FREUD, com: o emprego da sua doutrina descobre no
intimo das entidades patológicas que se propõe tratar, traumatismos afetivos,
isto é, acontecimentos emocionais concernentes ao instincto sexual e
sobrevindos, mais comumente, antes da puberdade e na segunda infância. Oportunamente, quando tiver ocasião de discutir o
processo do medico vienense, discípulo de CHARCOT e de BERNHEIM, estudarei a questão do «vasto sistema de
explicação da maior parte das formas da atividade psíquica humana» e, sobretudo
a interpretação que o citado autor dá aos fenômenos ditos afetivos. 5. A arétoterapia ;(aretotherapia,
grego virtude de virtudearete + terapia)
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