![]() ![]() Volume 22 - Novembro de 2017 Editor: Giovanni Torello |
Novembro de 2011 - Vol.16 - Nº 11 Artigo do Mês CONCUSSÕES NO PAÍS DO FUTEBOL E O SILÊNCIO SOBRE ELAS Carlos Alberto Crespo de Souza 1.
Introdução. O Brasil é reconhecido e identificado como o
país do futebol. Raro é o jovem que não participa de atividades relacionadas à
prática desse esporte desde sua infância. Além dos praticantes amadores, aos
milhares, há inúmeras categorias semiprofissionais por idade, sub-15, sub-17,
sub-20 e profissionais envolvidas em campeonatos regionais, nacionais e
internacionais. Os clubes brasileiros formam seus futuros atletas a partir da
existência de “escolinhas”, com meninos ainda pré-púberes. Por sua vez, a
mercantilização desse esporte incentiva, sobremaneira, que cada vez mais jovens
e seus familiares busquem melhores condições de vida, atraidos por salários
extraordinários oferecidos por empresários que especulam na área. Mesmo com a natural propensão à prática desse
esporte na cultura brasileira e, agora, mais do nunca - valorizada atividade -
pouco se sabe das consequências de traumas cerebrais entre os inúmeros
praticantes em nosso país. Sobre elas há um silêncio, um silêncio inquietante
se considerar dados inequívocos mostrados por pesquisas e estatísticas de
outros países quando se reportam às lesões cerebrais derivadas de práticas
esportivas e, especificamente, as futebolísticas. No mundo dos esportes, o futebol é um dos poucos
em que o objetivo por controlar e avançar a bola é utilizado sem uma proteção à
cabeça. Obviamente, esse fato coloca o jogador dessa prática em risco de sofrer
um trauma cerebral, e o jogo, por conseguinte, envolve certo risco e as
concussões são as lesões mais comuns 1,2. A concussão é um tipo de lesão
traumática do cérebro que causa disfunção e pode ser determinada por uma
pancada ou golpe sobre a cabeça, sacudida sobre o corpo ou por uma rápida
aceleração/desaceleração do cérebro dentro da caixa craniana. O cérebro é razoavelmente macio,
flexível e úmido em consistência, mas se ressente quando é impactado contra os
ossos rugosos que compõem o crânio 3. O
fenômeno da concussão é conhecido há séculos e tem recebido distintas
interpretações ao longo dos tempos. O conceito de síndrome pós-concussional,
por sua vez, é bem mais recente 4. Um
aspecto chamativo diz respeito aos critérios diagnósticos na medicina, pois as
classificações da CID-10 (internacional) e da DSM-IV (americana do norte) ainda
mencionam que para haver uma concussão necessariamente haveria a perda de
consciência, achado clínico inconcebível nos dias de hoje e já reconhecido pela
DSM-IV-TR, uma classificação mais atualizada da psiquiatria americana, a qual
privilegia os novos entendimentos 5,6,7. Em virtude das mudanças, quantos médicos brasileiros,
entre os que realizam o atendimento primário, os que se dedicam às práticas
esportivas, neurologistas de plantão e psiquiatras têm acesso a essa nova
compreensão diagnóstica? O fato de que a CID- Ao assistir jogos de futebol ao vivo e através da
televisão temos conhecimento de que muitos atletas sofrem concussões, com perda
de consciência ou não durante os jogos e que, logo a seguir, retornam ao campo
de jogo. Alguns casos, aparentemente de maior gravidade, são levados a
hospitais. O que não se sabe é o que acontece, posteriormente, com esses
jogadores lesionados e qual o risco de serem mantidos no campo de jogo logo
depois de sofrerem uma concussão e, igualmente, são ignoradas as condições
deficitárias neuropsiquiátricas de prazo mais longo em ambas as situações. A mídia não registra o depois, pois não há interesse
jornalístico, e muitos atletas desaparecem do cenário futebolístico sem que se
tenha notícia sobre suas condições de saúde, notadamente cognitivas, psíquicas
ou comportamentais. O tema proposto nesta comunicação procurou averiguar
junto à literatura médica internacional quais as repercussões das concussões
conhecidas a curto, médio e longo prazo na prática futebolística, tentando
estabelecer informações e orientações aos médicos em sua prática diária. 2.
Método. De maneira a atingir os objetivos propostos
foram pesquisados na Medline/PubMed artigos entre os
anos de 2000 e 2011, utilizando como mote de pesquisa as palavras/frases chaves
em língua inglesa: “Concussion and sports”, “Concussion and soccer” e “Soccer
head injuries”. Também foram utilizadas outras fontes,
como livros e publicações anteriores que retrataram, historicamente, conceitos
de concussão, de síndrome pós-concussional e de seus efeitos deletérios sobre o
comportamento e psiquismo dos comprometidos por estas afecções. 3.
Resultados. 3.1.
Frequência. Para Doolan e cols. os traumas cerebrais por concussão tornaram-se uma
significativa preocupação de saúde pública, a qual não tem somente recebido a
atenção do público em geral através das histórias de atletas divulgadas pela
mídia, mas, também, como resultado de esforços legislativos no sentido de
promover reconhecimento e manejo 8. De acordo com Gessel e
cols., a cada ano, são estimados em torno de 300.000 traumatismos
craniencefálicos, predominantemente concussões, relacionados com práticas
esportivas nos Estados Unidos. O esporte só perde para as colisões entre
veículos automotores como causa principal de TCE entre pessoas com idades de Lincoln e cols., num estudo prospectivo de onze
anos realizado junto a 25 escolas universitárias americanas entre os anos de
1997-1998 e 2007-2008, examinaram a incidência e o risco relativo de concussão
entre jovens, masculinos e femininos, que praticavam atividades esportivas em
doze modalidades. Em seus resultados, verificaram que o futebol americano foi
responsável por mais da metade de todas as concussões (algo já identificado ou
presumido), o futebol (soccer) entre as meninas ficou em segundo lugar e
concussões ocorreram em todas as modalidades. Os achados, segundo eles,
mostraram que o foco na detecção, prevenção e tratamento das concussões não
estão limitados somente àquelas atividades esportivas tradicionalmente
associadas com esse tipo de trauma 11. Giannotti e cols., dizendo que poucos estudos
epidemiológicos avaliaram as características dos traumas cerebrais em crianças
e adolescentes praticantes do futebol (soccer) no Canadá, tentaram descrever as
circunstâncias dessas lesões nessa faixa etária e identificar aqueles que
requereram admissão em hospitais entre os anos de 1994-2004. Em seus
resultados, observaram que as lesões cerebrais ocorridas nessa prática
esportiva constituíram uma significativa proporção de internações em unidades
de urgência. Por isso, advogam a necessidade de que estudos avaliem a natureza
e a segurança das práticas esportivas que ocorrem nos campos de jogo, assim
como de programas e técnicas capazes de interromper essas ocorrências 12,13. Pesquisas nos últimos anos mostram que os
efeitos das concussões podem incluir - e se tornaram fontes de preocupação -
decréscimo cognitivo (atenção diminuída), aumento dos sintomas depois de
múltiplas concussões e o diagnóstico de encefalopatia traumática crônica em
atletas jovens e em amadores 14,15. O Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
menciona que há em torno de 4-8% registros de ocorrências de concussão no
futebol (soccer), porém acredita que 90% dos casos não são registrados ou não
são reconhecidos, fato a pressupor uma incidência em torno de 40% a cada ano 3. De acordo com o Centro de Controle de Doenças
dos Estados Unidos, são relatados em torno de 3.5 milhões de concussões
relacionadas às práticas esportivas a cada ano. Em acréscimo, é mencionado que
60% dos jogadores de futebol de níveis escolares sofrerão de sintomas
concussivos num único ano. Os dados existentes indicam que os atletas jovens
possuem risco
maior do que adultos em sofrer concussões, enquanto que as mulheres têm maior
probabilidade em experimentar esse tipo de lesão cerebral do que homens em
esportes similares. Outro dado é que atletas que sofreram previamente uma
concussão têm maior risco para futuras concussões e menor força será requerida
para lesionar seus cérebros Ibid. As concussões representam em torno de 70% de
todos os traumatismos craniencefálicos e, de acordo com os registros da
literatura médica, somente 15% dos comprometidos apresentarão deficiências cognitivas
ou comportamentais posteriores. Entretanto, ao analisar esses 15 %, seu número
é expressivo e estatisticamente superior, em termos epidemiológicos, a alguns
transtornos psiquiátricos (esquizofrenia, mania e pânico) 16. No Brasil inexistem dados estatísticos sobre
lesões concussivas na prática
esportiva, incluindo o futebol, e nem menção a elas em suas consequências. Tal
fato demonstra o quanto estamos atrasados nessa área da medicina e o quanto
necessitamos trabalhar para aprimorar dados epidemiológicos e estatísticos de
uma condição médica tão frequente, por vezes capaz de determinar deficiências
cognitivas ou comportamentais de curta, média ou de longa duração e, ainda,
outras vezes, sequelas de gravidade.
3.2.
-
Como as lesões cerebrais tipicamente ocorrem no futebol. Cinco
são as maiores possibilidades e, por frequência, são abaixo enumeradas: ·
Contato
de cotovelo contra a cabeça ou cabeça-contra-cabeça
quando dois ou mais jogadores estão disputando uma bola pelo ar. ·
O
goleiro é golpeado por um pontapé, por um joelho ou ainda por um cotovelo em
sua cabeça ou bate a cabeça num dos postes da goleira. ·
Contato
corpo-contra-corpo sem contato direto com a cabeça no
qual a cabeça acelera ou desacelera violentamente. ·
Contato
de joelho sobre a cabeça na disputa por uma bola em lance rente ao campo de
jogo. ·
Golpe
inesperado da bola sobre a cabeça ou batida da cabeça no gramado depois de uma
queda. ·
Cabeceio
deliberado na bola (cabe registrar que o Centro Médico e de Pesquisa da FIFA
concluiu que “as forças geralmente
associadas com o cabeceio da bola não são suficientes para causar concussão”) 3. 3.3
.
Efeitos em curto prazo, sintomas usuais, recomendações e sinais para
emergência médica. Os sintomas resultantes de concussão são
individualizados e podem variar de maneira insidiosa. Perda de consciência
não é necessária para o diagnóstico e uma batida forte ou violenta
pode resultar em concussão, especialmente em atletas jovens e em atletas que
anteriormente sofreram lesões cerebrais. Os
sintomas mais comuns em curto prazo depois de uma concussão são descritos
abaixo: ·
Confusão
mental, sentimentos de obscurecimento da consciência/embriaguez, lentificação. ·
Vertigens,
tonturas, desequilíbrio. ·
Sensibilidade
aumentada aos ruídos e à luminosidade, visão turva. ·
Cefaleia,
sentimentos de pressão cerebral. ·
Empobrecimento
da memória: incapacidade de lembrar o que comeu anteriormente naquele dia, o
resultado do jogo e o que aconteceu. ·
Coordenação
motora e concentração empobrecidas. ·
Náuseas
e vômitos. Recomendações nesse
estágio. ·
Caso
um atleta apresentar qualquer um desses sintomas ou não se mostrar bem,
não deve ser permitido voltar a jogar. ·
Atletas
suspeitos de terem tido uma concussão não devem receber medicação analgésica
(para cefaleia), pois podem mascarar os sintomas. ·
Os
atletas suspeitos devem ser supervisionados por 24-48 horas depois do ocorrido
de maneira a monitorar uma possível piora dos sintomas. ·
Não
devem ser deixados a sós. Sinais de emergência
médica.
a.
–
Cefaleia que se agrava. b.
–
Vômitos repetitivos. c.
–
Dor forte no pescoço. d.
–
Perda de consciência ou incapaz de ser acordado com facilidade. e.
–
Convulsões. f.
–
Irritabilidade aumentada. g.
–
Debilidade, dormências nos braços ou pernas. h.
–
Incapacidade de reconhecer familiares ou coisas. De acordo
com alguns autores, os homens traumatizados sofrem mais de sintomas cognitivos, tais como confusão mental e falta de
concentração, enquanto que as mulheres, tipicamente, experimentam mais sintomas somáticos, tais como
sonolência, sensibilidade à luz, náuseas e vômitos, sem que se conheçam as
causas dessas diferenças 17,18.
Segundo
outros estudos, depois de serem avaliados muitos dados de TCE, compreendendo os
de concussão em esportes variados, a evidência indicou que as atletas femininas
podem ter risco maior a desenvolver prejuízos do que seus pares masculinos,
inclusive nos aspectos de recuperação 9,11. Tal diferença pode ser
explicada pelo fato de que o diagnóstico clínico de concussão, com frequência,
necessita do relato pessoal dos sintomas ou deficiências existentes na ausência
de marcadores biológicos ou definições/sintomas consistentes e, ainda, porque
as mulheres são mais honestas em relatar seus males. Por isso, não fica claro
se os riscos de incidência de concussão constatada entre as mulheres
esportistas sejam realmente maiores e verdadeiros do que as dos homens em
esportes similares ou que sofram influência desses desvios acima assinalados 19. 3.4. Efeitos em médio prazo. 3.4.1.- Síndrome pós-concussional. Essa
síndrome foi descrita pela primeira vez em 1934 por Strauss e Savitsky, quando
identificaram nela tanto sintomas reconhecidos como decorrentes de lesões
neurológicas sobre o cérebro como sintomas tidos como da esfera psíquica.
Quatro grupos de sintomas são reconhecidos segundo suas origens: somáticos,
cognitivos, perceptivos ou sensoperceptivos e emocionais ou psíquicos
(comportamentais). Ao longo dos tempos ela foi ampliada em seus sintomas,
resguardando-se os grupos de origem 4. Os
efeitos das concussões, representados pelos sintomas identificados na síndrome
pós-concussional, podem perdurar por semanas, meses ou anos na dependência de
cada caso. 3.4.2. – Síndrome do segundo impacto. Trata-se de uma emergência médica potencialmente
fatal que resulta em rápida expansão pelo retorno ao jogar antes que o cérebro
se restabeleça e a qual pode ocorrer em minutos, dias ou semanas após a
concussão inicial 3,16. 3.5. Efeitos em prazo mais longo. Cada
um possui diferentes níveis de restabelecimento, com variações de efeitos
breves ou que podem perdurar por muitos meses ou anos. Os efeitos em longo
prazo ainda não são completamente compreendidos, mas já há numerosos estudos na
atualidade sendo conduzidos na investigação. Isso ocorre em resposta ao aumento
do número de jogadores com história de traumatismos craniencefálicos que
cometeram suicídio ou sofreram de depressão em diferentes etapas evolutivas,
fenômeno observado até entre atletas mais jovens 20. Cooperando
com a investigação, nos Estados Unidos, alguns atletas já concordaram em doar
seus cérebros para a pesquisa dos traumas cerebrais junto à Boston University,
local do Instituto do Legado ou da Herança dos Esportes 3.
Soldados
veteranos dos Estados Unidos que estiveram em guerras fora de seu país e que sofreram
TCE ao serem comparados com soldados egressos sem traumas cerebrais
apresentaram taxas bem mais expressivas de suicídio, sendo que o risco não foi
explicado pela presença de transtornos psiquiátricos ou fatores demográficos 21. 3.5.1. - Encefalopatia
traumática crônica. Trata-se
de uma forma de neurodegeneração acreditada como resultante de repetidas lesões
cerebrais. O termo, originalmente, esteve relacionado com a demência
pugilística por causa de sua associação com o boxe, uma neuropatologia
inicialmente descrita por Corsellis, em 1973, depois
de estudar uma série de 15 boxeadores aposentados. A
encefalopatia traumática crônica (ETC) foi recentemente constatada em outros
determinantes de traumas menores sobre o cérebro, sugerindo que quaisquer
outras causas de traumas repetitivos sobre a cabeça, tais como acontecem no
futebol americano, no hockey, no futebol (soccer), nas lutas livres
profissionais e nos abusos físicos, podem igualmente conduzir a alterações
neurodegenerativas posteriores 22. 3.5.2. -
Concussão e genótipo da apoliproteína E. A
associação entre os polimorfismos da apoliproteína E (APOE) e as concussões vem
recebendo atenção de pesquisadores. Estudos iniciais têm demonstrado que
atletas portadores de um ou mais alelos raros da APOE possuem aproximadamente 10 vezes mais
probabilidade de reportar uma concussão prévia e podem ser mais propensos ao
risco de uma concussão do que os não portadores 23. Os achados ainda são pouco
expressivos e, por isso, estudos envolvendo amostras mais amplas de indivíduos
com inúmeras concussões e portadores de múltiplos alelos raros da APOE
necessitam ser realizados. No contexto, cabe lembrar, por sua importância
clínica, que estudos prévios concluíram que há uma interação entre os traumatismos
craniencefálicos e a presença da APOE-4, consistente com a hipótese de que os
TCE favorecem a produção das placas de amiloide pelo aumento da expressão desse
alelo 24. Também há evidências de que a APOE-4 está associado com a
deposição da proteína beta-amiloide após os TCE, o que favoreceria o surgimento
da Doença de Alzheimer em anos posteriores 25. 4.
Retorno à prática esportiva. De
maneira a evitar que após uma concussão primária um atleta possa retornar à
prática esportiva de sua predileção ou profissão, a Academia Americana
Neurologia (ANA), em 1997, criou uma cartilha baseada no grau da concussão
primária ou inicial, a qual passou a ser distribuída e divulgada entre médicos,
treinadores, atletas e seus familiares 26. De
acordo com suas diretrizes, as concussões podem ser classificadas em três
estágios ou graus: Grau 1: É definido como uma confusão
transitória, sem perda de consciência, com os seguintes possíveis sintomas:
cefaleia ou náuseas ou alterações mentais que se resolvem em menos do que
quinze minutos. Grau 2: É definido como uma confusão
transitória, sem perda da consciência, com sintomas ou alterações do quadro
mental que permanecem por mais de quinze minutos. Grau 3: O grau três é definido como qualquer
perda da consciência por qualquer período de tempo – segundos ou minutos.
Usualmente é fácil reconhecê-lo, pois o indivíduo está inconsciente por
qualquer período de tempo. Dependendo do grau verificado,
medidas diferentes devem ser adotadas a cada caso, as quais incluem retorno ao
campo de jogo, afastamento por uma semana e até desencorajamento a participar
de esportes de contato. Na eventualidade de que um
esportista ou atleta já tenha sofrido uma concussão prévia e venha a sofrer
outra, rigorosas avaliações médicas são necessárias e suspensão das atividades
se impõe inicialmente. De um modo geral pode ser dito: ·
Os
sintomas físicos as mais das vezes se resolvem antes dos sintomas cognitivos/neuropsicológicos. ·
Não
há esquema ou tabela estabelecida para a recuperação; cada um é diferente, ou
cada cérebro é único. ·
O
tempo é necessário para o restabelecimento; os jogadores devem ser mantidos com
limitações cognitivas (leitura, computadores, escrita, televisão). ·
Uma
vez que os jogadores estiverem 100% assintomáticos, ao final do repouso podem
então seguir um retorno gradual aos jogos mediante supervisão e direção de seus
médicos. Yard e Comstock, num
levantamento realizado junto a atletas universitários dos Estados Unidos que
sofreram concussões entre 2005-2008, procuraram averiguar se obedeceram as
orientações da Academia Americana de Neurologia quanto ao retorno às práticas
esportivas. Em suas conclusões chegaram ao entendimento de que muitos desses
adolescentes não cumpriram as recomendações e que isso deverá servir como
advertência aos pais, treinadores e administradores esportivos para que,
conjuntamente, trabalhem no sentido de assegurar que os atletas sigam as
recomendações das guias de referência existentes 27. Segundo Purcell, a decisão de retorno aos jogos
de uma criança (5-12 anos) que sofreu uma concussão deve ser realizada com
cautela e sempre individualizada. De uma maneira geral devem permanecer
totalmente livres de sintomas por muitos dias antes de reiniciar atividades
esportivas, sempre sob supervisão médica. O autor, nesse artigo, sinaliza a
necessidade de que futuros estudos procurem elucidar os efeitos das concussões
em crianças de maneira a determinar uma guia de esclarecimento apropriada
nesses casos 28, com a concordância de outros autores 29,30. 5.
Medidas preventivas iniciais. Avisos de ensinamento junto a jogadores jovens
para lidar com o cabeceio. o
–
Aprender uma técnica própria de cabeceio através do contato com a bola pelo ar
com a parte frontal da cabeça e não com seu topo. o
–
Aprender para se preparar adequadamente ao contato com a bola e mentalizar esse contato de forma proativa ao invés de deixar
a bola bater simplesmente na cabeça. Isso fará com que os músculos do pescoço e
posturais ajudem a absorver o impacto da energia cinética provocada pela bola
em sua trajetória. o
–
Usar bolas de futebol infláveis ou mesmo balões na prática futebolística com
crianças e jovens ou ainda com jogadores mais idosos inexperientes até que se
sintam confortáveis no cabeceio e aprendam a técnica apropriada. o
–
Reforçar a musculatura do pescoço. o
–
Limitar a quantidade de cabeceio repetitivo em prática de dez minutos ou menos.
6.
Comentários. Algumas
questões a respeito das possíveis consequências das concussões em jogadores de
práticas esportivas variadas se sobressaem: 1) A concussão numa criança com dez anos de idade possui os mesmos
efeitos deletérios que num jovem de 21 anos? 2) Esses efeitos permanecem por menos ou por mais tempo? O cérebro
do jovem é mais resistente? 3) O que
realmente nós sabemos a respeito dos efeitos sutis, anos após, daquilo que os
especialistas preferem chamar de “mild traumatic brain injuries” ou de “minor
traumatic brain injury?” Para complicar as coisas, o “mild” possui na
literatura compulsada, entre pesquisas e trabalhos publicados em língua
inglesa, notadamente por neurologistas, duas concepções diferentes entre os
estudiosos dos traumas cerebrais= “leve” e “moderado”, o que dificulta em muito
uma apreciação de seus resultados. Se o “mild” for entendido como leve, o que
seriam os “minor”? Se entendido como moderado, escapa da conceituação
mundialmente utilizada para aferição diagnóstica dos TCE, baseada nos critérios
da Escala de Coma de Glasgow. Segundo o que foi apurado nessa pesquisa, um
novo conceito a complicar mais ainda o entendimento dos TCE foi detectado:
“subconcussive head trauma” 22, evidência a demonstrar o quanto os
médicos, pesquisadores ou não, estão perdidos nesse campo. Já não basta a
compreensão complicada do que seja uma concussão e, em sua extensão, o
significado da síndrome pós-concussional. Agora nasce mais um complicador e
fica a pergunta: qual o significado de uma “subconcussão”? O “mild” e o “minor”, e agora a subconcussão,
são incapazes de estabelecer critérios adequados ou uniformes a um diagnóstico
compreensível e utilizável cientificamente em benefício dos comprometidos pelos
TCE. Outro artigo recente menciona que traumas
cerebrais não- concussivos podem igualmente determinar sinais e sintomas
concussivos com menor frequência dos que foram acometidos por concussão 31. Trata-se, portanto, de mais uma constatação
geradora de confusão diagnóstica. O que seriam esses traumas “não-concussivos”?
Segundo
os resultados obtidos nesta breve pesquisa, a literatura científica internacional
está cada vez mais preocupada com as consequências dos TCE por concussão, que
incluem agora a encefalopatia traumática crônica em atletas jovens que sofreram
esse tipo de trauma. A lamentar é a existência de critérios diferentes para
nomear ou designar os tipos de traumas, o que impossibilita uma apreciação
diagnóstica clara e uniformização dos resultados de pesquisa. Os traumas
cerebrais – à exceção da Escala de Coma de Glasgow – ao serem descritos por
estudiosos e pesquisadores ainda, infelizmente, são uma Torre de Babel. 7.
Conclusão. Todos esses depoimentos e medidas
cautelares em relação aos traumas por concussão são capazes de nos criar
pensamentos de incredulidade, como se exagerados fossem. A prática
futebolística no Brasil inicia-se precocemente e jamais alguma providência
preventiva foi adotada, assim como nenhum conhecimento sobre a gravidade das
lesões cerebrais foi jamais aventada em qualquer círculo. Ensinar aos iniciantes como cabecear uma
bola? Isto poderá ser entendido como algo ridículo, pois todos, no Brasil, “já
nascem sabendo praticar o futebol”, sem nenhum preparo ou advertência. Há,
pois, um descompasso qualificado entre os pressupostos científicos aqui
descritos e a nossa realidade brasileira. Não acreditamos ou não sabemos que
forças cinéticas existem e são propiciatórias de lesões cerebrais, assim como
pensamos ou ignoramos que os cérebros estão resguardados e imunes a essas
forças dentro da caixa craniana. Considerando todos os dados aqui dispostos,
cabe questionar: o que se sabe das concussões que ocorrem em nosso país por
ocasião de práticas futebolísticas? Existe algum tipo de controle? Por qual
razão o silêncio sobre elas? Os psiquiatras têm conhecimento de suas
repercussões sobre a cognição e o comportamento? Quem trata dos pacientes
acometidos depois de seu ingresso em unidades de pronto-socorro? Quem acompanha
aqueles que nem procuraram por ajuda?
Convivendo com as dúvidas ainda existentes, um experiente médico
americano assim se pronunciou sobre o tema: “Nós não sabemos quantas crianças
com inabilidades no aprendizado ou com transtornos de déficit de atenção
sofreram lesões cerebrais no passado. Porém, como um médico de família
aposentado, eu gostaria de chamar a atenção para a realidade de que os traumas
cerebrais podem causar não apenas demência, dificuldades de aprendizado e,
também, problemas psiquiátricos. Doença psiquiátrica prolongada é um alto preço
a pagar por lesões cerebrais. Nós não sabemos quantas pessoas em nossas prisões
sofreram TCE. Necessitamos começar a questionar essas coisas. Precisamos
iniciar a pensar seriamente de como prevenir cada possibilidade de TCE” 32. 8. Referências. 1. Kirkendall
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