Volume 14 - 2009 Editores: Giovanni Torello e Walmor J. Piccinini |
Agosto de 2009 - Vol.14 - Nº 8 História da Psiquiatria Salvador Antonio Hackmann Celia (1940-2009) Walmor J. Piccinini
Introdução (Nascido em 24 de outubro de 1940 - Falecido em 9.07.09) Formou-se em Medicina na Fac. Med. Da UFRGS em 1965 Psiquiatra da Infância e Adolescência em 1968. Pos doctoral studies at N.P.I - Los Angeles University of California – 1969. Diretor do Instituto Leo Kanner – Porto Alegre –RS -Brasil – Desde 1965. Professor da Faculdade de Medicina da Ulbra – Canoas – RS – Brasil Disciplina: O Bebê seu mundo - 1996 – 1999. Ex Vice Presidente ACAPAP - 1986 – 1994. Ex – secretário assistente, vice – presidente e consultor da IACAPAP – 1982 – 2006. Consultor da IACAPAP - 1994 – 1999. Vice Presidente ISAP - 1995 – 1999. Criação do Centro Humanístico Vida (23.12.1989). Festival de Teatro em Canela – RS, em 1987. Presidente do Comitê de Saúde Mental da Associação Brasileira de Pediatria: 1996-1999 Consultor do UNICEF do BRASIL - 2002 – 2009 Membro honorário da academia nacional de medicina uruguaia – 2006
Membro de Honra da ASSOCIAÇÃO DE PSIQUIATRIA PARA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA DO URUGUAI – 1993
VENCEDOR DO PRÊMIO SONIA BEMPORAD - WAIMH – AMSTERDAN – 2002
Ex - Presidente da ABENEPI – 1981 – 1983. Sócio da Associação Psiquiátrica do RGS.
Cidadão Emérito de Porto Alegre - RS Cidadão do município de Canela – RS. Criador da Semana do Bebê do Município de Canela (À de Porto Alegre seguiu o modelo). (Essa Semana do Bebê também foi realizada em Portugal, na cidade de Covilhã, onde Salvador foi "Convidado do Honra" e esse ano iniciou no "OLHÃO", Algarve, onde ele não pode comparecer devido a sua doença).
Apontamentos para a História
O Salvador Célia entrou na Faculdade de Medicina da UFRGS em 1960, foi meu colega por seis gratificantes anos. Desde o início exibia uma capacidade especial de organizar, liderar e administrar. Nas nossas primeiras férias em Tramandai, eu na colônia de Férias da UFRGS e ele na sua casa, nos encontrávamos para bater bola e jogar papo fora, desses papos nasceu à idéia de se escrever sobre fatos pitorescos e aventuras que, na nossa ingenuidade, considerávamos as mais importantes do mundo. Salvador tomou a frente do empreendimento e logo surgiu um jornal, A Tarrafa, ele como editor e eu um colaborador na redação. Essa era sua característica, começava um projeto e dali saia alguma coisa. No futebol, embora tivesse jeito e técnica, era muito pesado, não teve problema, tornou-se dirigente da nossa equipe, organizava competições e terminou nos conseguindo a vaga de representantes de Tramandai no campeonato inter-praias. Organizou a seleção da Universidade, chamou o famoso ex-jogador do Grêmio Enio Rodrigues para técnico e lá fomos nós a disputar o campeonato. Tempos depois fui residir na Rua Barros Cassal e eis que Salvador me aparece namorando a Isabel, a moça mais bonita da minha rua. Formou-se em 6 de dezembro de 1965 e casou no dia 15 do mesmo mês. Com um grupo de pediatras e psiquiatras fundou o Instituto Kanner de Porto Alegre. (Ronald Pagnoncelli de Souza, Milton Shansis, Luiz Carlos Osório, Newra Tellechea Rota, Nilo Fichtner). Essa experiência no trato de crianças hospitalizadas na Clinica Kanner não prosperou, o grupo se dissolveu, mas ele seguiu com sua própria clínica, O Instituto Leo Kanner, voltado para aspectos psicopedagógicos. Em 1969, foi para a Califórnia de lá retornando como psiquiatra infantil. Seguiu organizando, aglutinando e fazendo amigos. Nos anos 80, sem combinarmos, construímos casa de veraneio na serra e por coincidência éramos vizinhos. Depois seu irmão Cláudio também construiu uma casa e nossos filhos conviviam. Salvador não teve filhos, mas sua casa estava sempre cheia de crianças. Sempre cheio de planos, Salvador me falou numa idéia de criar um atrativo para as crianças de Canela. Segundo suas palavras, é nosso dever contribuir com essa comunidade que nos acolheu. E não ficou em palavras, estimulou atividade teatral nas escolas, as professoras aderiram e isso acabou resultando no Festival de Teatro de Canela, em 1987. Essa idéia floresceu, o programa se desenvolveu de forma exuberante e hoje temos o Festival Internacional de Teatro de Canela. A ele se associou o teatro de bonecos e os dois são atrações de nível internacional. Acho que o Celso Gutfriend foi muito feliz numa afirmação sobre o Salvador Celia, “enquanto a maioria sonha, o Celia realiza”, pode não ter sido exatamente assim, mas é típico desse que foi um grande realizador. Tempos depois, faliu uma Cerâmica na grande Porto Alegre, onde todo mundo enxergou problemas, Salvador Célia imaginou realizações. No local batalhou e organizou um Centro de atividades comunitárias que até hoje é um centro de referência. A morte o colheu numa fase de grandes realizações e a repercussão da mesma na sociedade gaúcha foi um momento de reconhecimento público das suas capacidades pessoais. Fui recolhendo uma série de declarações que permitem traçar algumas características desse grande médico. O Jornal Zero Hora na coluna Gente publicou em 10 de julho de 2009 GENTEPsiquiatria infantil perde um precursorSalvador Celia morreu ontem, aos 68 anos, vítima de um câncer de intestino na CapitalPoucos psiquiatras gaúchos foram tão premiados no Exterior
como Salvador Celia. Ultimamente dando aulas na Capital, em Montevidéu e em
Paris, ele morreu ontem, aos 68 anos. O médico foi vítima de um câncer no
intestino recentemente descoberto. – O conceito dele de que a psiquiatria precisa ser
comunitária, social, o tornou reconhecido no mundo inteiro. Era impressionante
ver como era requisitado para palestras em universidades de fora,
principalmente de Portugal – lembra um de seus grandes amigos, o psiquiatra e
escritor Celso Gutfriend. Eu e os bebês perdemos um amigo
Uma das manifestações mais tocantes ocorreu no Blog da Jornalista de Zero Hora Rosane Oliveira. http://www.clicrbs.com.br/blog
Nem sei o
que dizer. Acabei de saber que perdemos o doutor Salvador
Celia, um médico de quem me tornei fã desde que conheci seu trabalho,
um amigo querido que deu enorme contribuição para a saúde dos bebês, um homem
que tinha ganas de viver. Foi com ele que aprendi a importância dos cuidados na
primeira infância, quando pouca gente se dedicava a estudar a vida dos bebês.
Não o conheci como o mestre da psiquiatria infantil, mas como um leitor que um
dia se apresentou aqui em Zero Hora e me conquistou com sua inteligência.
Outra manifestação afetuosa foi a do Deputado Adão Vilaverde: "É uma perda irreparável a deste respeitado profissional que dominava as questões referentes aos cuidados com a primeira infância", disse o deputado. "Salvador Celia foi e continuará sendo aquela grande e imprescindível figura humana que deixa para todos nós um legado baseado no humanismo, na solidariedade e na noção de uma nova sociedade, embalou os sonhos de minha época". Professor de Medicina da Ulbra e presidente do Departamento Científico (DC) de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria, de 1998 a 2001, defendia a idéia de que a criança que teve nos primeiros três anos de vida um vínculo afetivo seguro com os pais será mais saudável na adolescência - com mais autonomia e independência para descobrir a vida - e como adulto.
Era defensor ferrenho do aumento do período da licença-maternidade: "Uma boa interação entre o bebê e a mãe deve ser feita em mais de quatro meses", explicava. "Quanto mais tempo, mais a criança vai internalizar os afetos". E completava: "o apego seguro é a base para um desapego saudável". http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1520935/villaverde-destaca-legado-de-salvador-celia
A Sociedade Brasileira de Pediatria assim se manifestou: Drº. Salvador Célia é psiquiatra, pediatra e foi presidente do Departamento Científico (DC) de Saúde Mental da Sociedade, de 1998 a 2001. Segundo ele, os estudos mais recentes mostram que a criança que teve nos primeiros três anos um vínculo afetivo seguro com os pais é mais saudável na adolescência – com mais autonomia e independência para descobrir a vida – e como adulto. “Não bastam apenas os três primeiros anos, mas estes já significam uma base importante que, se a criança não tem, fica mais inquieta, ou passiva demais, tem problemas de sono”. Sobre o atual período da licença-maternidade, o especialista diz que “uma boa interação entre o bebê e a mãe deve ser feita em mais de quatro meses. Quanto mais tempo, mais a criança vai internalizar os afetos”. E completa: “o apego seguro é a base para um desapego saudável”. http://www.sbp.com.br/show_item2.cfm?id_categoria=88&id_detalhe=1808&tipo_detalhe=s Pesar por Salvador
Célia
De Canela veio à seguinte mensagem Morre Salvador Célia, idealizador da Semana do BebêCanela - A comunidade canelense recebeu uma triste notícia no final da tarde de ontem, a morte do Doutor pediatra e psiquiatra, Salvador Célia, idealizador da Semana do Bebê. Salvador lutava há anos contra um câncer no intestino e atualmente realizava sessões de quimioterapia. Devido aos inúmeros trabalhos desenvolvidos em Canela, recebeu o título de Cidadão Canelense, fato que fazia questão de ressaltar, com orgulho, em todos os eventos que participava no município. Natural de Porto Alegre possuía uma residência no Condomínio Quinta da Serra, em Canela. Teve uma vida dedicada à saúde e marcada pelo trabalho voluntário voltado para a cidadania, comprovando sua paixão pela profissão que exercia.
Luto na psiquiatria infantil: Salvador Célia Ainda na Faculdade, nos idos da nossa ATM-65, a capacidade de trabalho, envolvimento e iniciativa do Salvador se destacavam - e só cresceram e
amadureceram, ao longo de uma vida admirável. Desde muito cedo se interessou
pela saúde mental das crianças, dividindo com colegas - e sempre multiplicando
cuidados - o que se tornaria sua peculiar matemática profissional. Logo depois
de formado, já ao lado de Isabel, sua companheira de sempre, iniciou uma
jornada de vida que se ampliou em horizontes que se descortinaram
internacionalmente com uma amplitude notável. Um dos capítulos do livro “Vida e Arte” foi dedicado ao Professor Salvador Célia pelo escritor e psiquiatra Celso Gutfriend. Sugiro que comprem o livro, mas podem dar uma espiada em: Não resisti à tentação de transcrever um poema de Celso Gutfriend dedicado ao Salvador Célia que encontramos em Vida e Arte:
Poema ao Salvador
Tento fazer lendo o que faz fazendo Cada capítulo meu É uma ida mesmo dele E quando uma intriga dessas que dá certo prende-nos um tempo ele num só clima desses que dá encontro cria outro abraço Leio o que me falta no que nele sobra Troco minha obra Pela sua alma
Publicações de Salvador Celia no Índice Bibliográfico Brasileiro de Psiquiatria (www.biblioserver.com/walpicci )
1. Celia, Salvador. The club as an Integrative Factor in a Therapeutic
Community for Children. Amer. J. of
Orthopsychiatry. 1970; 40(1). 2. Celia, Salvador. A Equipe Psiquiátrica como
agente terapêutico da comunidade. V Congresso Bras. De Psiquiat., Infantil-
Salvador. Bahia. 1979. 3. Celia, Salvador. O Clube como fator de
Integração de uma Comunidade Terapêutica Infantil. Pediatria Preventiva. 1969;
12(8). 4. Celia, Salvador. Principais Aspectos
Psiquiátricos na Infância. R. Psiquiatr. RS. 1980; II(3): 206-209. 5. Celia, Salvador. Terapêutica Psiquiátrica
Institucional com crianças e adolescentes. Rev.Arq.Clin.Pinel. 1978; 4(4):50-55. 6. Celia,
Salvador; Halpern, Ricardo; Guzinski, Daniel; Spanemberg, G L., and Possa, Marianne
de Aguiar. Prevalência de Ansiedade em Vestibulandos na Cidade de Porto
Alegre/RS. Pesquisa Médica, Porto Alegre. 2002; 36(2): 116-116. 7. Handbook of Infant Mental Health: Perspectives of infant mental health - Página 203 de Joy D. Osofsky, Hiram E. Fitzgerald, World Association for Infant Mental Health - 2000 - 403 páginas8 Infant Mental Health in Brazil Salvador Celia8. A criança e o Adolescente
Brasileiros da Década de 80 9. Salvador Celia escreveu um capítulo no livro Psiquiatria para Estudantes de Medicina. E tem capítulos em outros livros
Mesmo considerando que a produção acadêmica de Salvador Celia tenha sido reduzida em termos de número, ela foi muito marcante e reconhecida internacionalmente. Para quem não o conheceu pessoalmente, encontrei no youtube um depoimento que foi utilizado em peça teatral: "Cama de Casal" Depoimentos usados na peça – Salvador Celia no Youtubehttp://www.youtube.com/watch?v=rwzd1xS-Vz8
Um prêmio internacional importante foi recebido pelo Salvador Celia em 2002 pela WAIMH (World Association for Infant Mental Health Sonya Bemporad AwardGiven in recognition of significant contributions to the advancement of social and public policies that contribute to the mental health and overall benefit of infants, toddlers, and their families. Nominees typically are not involved in service delivery or scientific or clinical studies of infants. Legislators, officials, advocates, media representatives, foundation directors, and concerned citizens may qualify for the award. Considerações sobre suas idéias Desde 1996 existe um programa de acompanhamento familiar de gestantes e mães, por parte dos alunos de medicina da Ulbra. Este programa foi criado pelo Professor Odon Frederico Cavalcanti Monteiro e Salvador A. H. Celia. Trata-se de um programa criativo e de grande alcance social. Ele não surgiu por acaso, poderia encontrar suas raízes na iniciativa de estudantes da medicina da UFRGS que nos anos 60 criaram o departamento de assistência às vilas populares, onde se destacou a enfermeira e estudante de medicina Lydia Bischof. Este programa criou o ambulatório da Vila São José do Murialdo e que depois, sob a direção dos Drs. Elis Busnello, Isaac Lewin, Carlos Groisman, David E. Zimerman e outros tornou-se um ponto de referência nacional em psiquiatria comunitária. Nos anos 70, Odon F.Cavalcanti Monteiro era professor do Curso de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRGS e nesse curso, também chamado “Curso do David” (David Zimmermann) era solicitado que os alunos acompanhassem uma família carente do bairro Partenon de Porto Alegre. Com essa experiência Odon e Célia montaram um serviço inovador na Medicina da Ulbra. O fundamento teórico baseava-se na Teoria do Apego de John Bowlby (1907-1990) onde a Base é de que há uma “necessidade desde os primeiros meses de estabelecimento de um contato e de laços emocionais entre o bebê, a mãe e outras pessoas próximas” A necessidade de vinculação não é um produto de aprendizagem como até bem pouco tempo se pensava, mas sim a satisfação de uma necessidade básica (necessidade fisiológica) tal como a alimentação. Esta necessidade de vinculação vai para além de permitir o estabelecimento de laços de confiança entre as duas figuras presentes na vinculação como também marcar o ponto de partida para futuros envolvimentos quer emocional, quer social. Como corolário dessas idéias a relação mãe bebê torna-se essencial no desenvolvimento da personalidade da criança. Na sua Auto-estima, Confiança (em si próprio e nos outros), no seu relacionamento grupal e na sua capacidade de adaptação Salvador Célia, onde outros teorizavam, ia construindo uma experiência com mais de 250 mães e bebês envolvidos no processo ao longo dos anos. Isso interessou a UNESCO e com apoio dos professores Bertrand Cramer e Daniel Stern (suíços), passou a desenvolver pesquisas em depressão infantil. A divulgação desse trabalho pioneiro era motivo para muitos convites para palestras em congressos internacionais. Em artigo publicado na Sociedade Brasileira de Pediatria há referência do próprio Salvador Celia sobre detalhes como: “Este trabalho permitiu que Salvador Célia e seus alunos criassem uma escala de relacionamentos entre mãe e filho que já identifica, pelos sintomas do bebê e pelas queixas da mãe, os que apresentam provável depressão. "Aplicamos esta escala durante duas campanhas de vacinação na cidade de Canela. Foram entrevistadas 600 mães com bebês em dois anos de vacinação e, entre elas, identificamos 10% com prováveis problemas de depressão", diz. “Estas 60 mães com seus bebês foram encaminhadas para a Saúde Pública de Canela, onde poderão receber atendimento de médicos, assistentes sociais e terapeutas. Salvador Célia considera fundamental o trabalho preventivo, porque o cérebro da criança se desenvolve nos três primeiros anos de vida e, para tanto, ele precisa de contato com a mãe. "A criança nasce para se comunicar com a mãe”. “Se esta mãe está deprimida, ausente, o bebê se deprime e não se desenvolve como deveria". A falta de vínculo com a mãe poderá desencadear estados depressivos ao longo da vida, especialmente na adolescência, onde o suicídio, segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria, é a segunda causa da morte. "A primeira causa são os acidentes em geral, mas o suicídio vem em segundo aqui no Brasil e em muitos outros países do mundo. Nos Estados Unidos, cerca de 30% das consultas psicológicas de crianças são casos de depressão. O médico americano Leon Cytrin fez um levantamento estatístico que calcula em três milhões o número de crianças deprimidas não diagnosticadas", diz Salvador Celia. Perdemos o Celia, a vida continua, esperamos que seu exemplo frutifique e que se reforce seu empenho em prol da proteção da relação precoce entre mãe e bebê.
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